Melhor não ver
Certas situações são embaraçosas. A de ser ver cena comprometedora, por
exemplo. Não, não se trata de ficar
caçando isso, fotografar e depois fazer mau uso do resultado. É o acaso mesmo.
O cara gostava de fotografia. Invariavelmente estava com sua câmera,
produto de qualidade. No momento, estava
diante de um simpático delegado de polícia, sim, isso existe, porque não? Hábil no seu ofício. Cabelos cortados sem obedecer as normas da
época. Nem curtos, nem longos. Barba
rente, aparecendo só as pequenas pontas.
— E que mesmo o senhor viu?
— Nada, doutor. Eu não vi nada, estava começando o pôr-do-sol
e eu não queria perder a oportunidade, o dia estava claro demais, eu estava
observando isso, e nada mais.
‘— Então não viu a camioneta estacionada?
— Eu nem sabia direito onde estava, doutor. Não podia perder um segundo olhando coisa que
não fosse céu e mar.
— Mais nada?
— Mais nada. E com cuidado, já havia tomado uns canecos
de chope gelado, deveria ter deixado para depois, quando findasse o trabalho.
— Pode ser mais claro?
Trabalho? Que espécie de trabalho?
— Não está vendo, doutor? O senhor é policial. Sou
fotógrafo, comecei amador, mas ganhei tantos concursos que comecei a participar
mais e exposições, o trabalho antes amador acabou virando profissional.
O homem estava falando a verdade. Vestia-se comumente, camisa de algodão de
qualidade, sapatos tipo tênis, mas o que chamava a atenção era a calça jeans,
quem conhece identifica de pronto.
Inglesa, muitíssimo bem feita, corte fino e de requintada elegância.
— O senhor não reparou nas duas moças sentadas quase ao
seu lado?
— Como não reparar, doutor? Lindas, as duas. Lindas...
— Mas o céu estava mais lindo.
— Não disse isso, doutor, eu não disse isso. Claro que olhei para as duas, que também
tomavam chope e conversavam muito amistosamente.
— Amistosamente?
Não diria amorosamente?
— Amorosamente?
Diria que não. Apenas se acarinhavam nas mãos, coisas comuns entre as mulheres.
— Só isso? Mais
nada?
— Doutor, não tenho o hábito de ficar bisbilhotando a
vida dos outros.
Não foi exatamente assim.
É evidente que a câmera fotográfica do homem foi examinada e o conteúdo
revelador. As duas lindas jovens, numa
grande caminhoneta, seios livres, sem camisas, beijavam-se apaixonadamente, sem
o menor receio e com todo o desejo contido, seus cabelos soltos e rostos bem
moços, deixavam ver que se tratava de paixão.
O fotógrafo premiado fora
contratado pelo marido de uma delas.
Sim, ele faria fotos do entardecer em tão lindo lugar, mas não apenas só
isso. As duas jovens estavam sob sua acurada
mira.
É assim, quando tem de ser;
não se pode evitar. Quando há
compromisso com homem, como havia, muitas vezes é melhor não ver. Pode acabar em tragédia Sabe? Nem mais sei se
pode mesmo. Os fatos, os costumes, andam
muito mudados atualmente. Não sei o
resultado. No começo, o marido da lourinha quis vingança selvagem.
Dizem, eu não sei se isto é verdade, que os três convivem
harmonicamente entre si. Exemplo de igualdade social, sexual.