capítulo terceiro
Depois de um longo banho para se limpar dos restos de tinta, seu Jonas ajeitou a porção de lasanha de modo a acomodar também a coxa de frango que a esposa servia. Enrolou com o garfo um fio de queijo derretido, mastigou com satisfação. A cerca do jardim, mesmo à noite, reluzia de tão branca. Dona Dalva suspirou aliviada: o que o marido precisava mesmo era serviço para ocupar a cabeça e um bom prato de comida. Mas não:
— Tem que ter o seu nome, claro, senão eu não consigo te chamar. Mas só o nome mesmo, porque se colocar algum apelido vai ocupar lugar na lista. Não vou poder te chamar de "bem" nem de "mãe" porque aí são mais duas palavras, entende?
— Ai, minha Santa Rita. Mas você ficou o dia inteiro com isso na cabeça?
Sim, seu Jonas pensara o tempo todo na história das palavras. Estava firme. Chegou a algumas conclusões e traçou um plano simples: comprar um caderno e fazer uma lista com duzentas palavras. Em seguida, viveria com o vocabulário limitado por um tempo. Depois, talvez, mandasse um relato para a revista: um legítimo experimento científico.
O Major veio deitar-se à porta, lambendo os focinhos do resto de comida que acabara de jantar. Amuado, o casal permaneceu quieto por todo o jantar. A mulher procurava meios de desencorajá-lo, pensava num trabalho ainda maior que lhe ocupasse o tempo, talvez fosse hora de construir um puxado na parte de trás da casa. Da boca do homem, o palito arrancou, além de um fiapo de manga, um lamento...
— Mas não sei qual é a dificuldade que tem apoiar uma...
... que ficou pela metade. A mulher não quis ou não soube responder. Quarenta anos de casamento. Assistiram em silêncio ao jornal. Dalva desligou a TV, Jonas disse que iria se deitar mais tarde. Ela esperou por ele enquanto rezava o terço e nada. Já iam altas horas quando sentiu que, bem devagar, o marido entrou debaixo dos lençóis.
2 comentários:
Minha mãe reza o terço, o dia todo, acho.
Não tenho muita certeza, fico o dia todo ouvindo rádio e pensando em experiências de telepatia (já pensou na economia na conta de telefone?).
E, claro, lasanha com frango... hmmmm!
;)
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