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quarta-feira, 10 de agosto de 2011





















AQUI CRESCE A SAUDADE











quando viajasse para visitar parentes na capital,

levaria os seis filhos e o deixaria sozinho por dias,

sem a sopa de ossobuco, sem seus peitos quentes.

depois de embarcá-los na estação de trem,

ele decidiu não fazer a barba até a sua volta.

quando ela retornou, descobriu-a já grisalha,

passou-lhe a mão de saudade pelo rosto triste:

-faça a barba, pra mim, meu bem.

ele deu de ombros e, com pouco caso fingido:

-tá bom, tá bom, eu faço.











Por Eugênia Fraietta
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sábado, 26 de fevereiro de 2011



CLAMOR SANITÁRIO






tem caco da minha carcaça por toda cidade

o monturo dos meus membros se amontoa nas ruas do bairro

o chorume desce fétido ladeira abaixo cabelos sangue lágrimas soluços náusea

os lixeiros já avisaram ao prefeito que não há caminhões suficientes

evito sair de casa pra não me deixar por aí

-recolher-me nos meus domínios já é por demais constrangedor-

o que já deixei pelas ruas me excede em centenas de mim

-ao que parece, para o caso, não há como estabelecer limite-

portanto, tenha piedade e desabite de mim



muito agradecida






Por Eugênia Fraietta
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Fotografia de Alyssa Monks

sábado, 25 de setembro de 2010



PONTO DE VISTA III





saltei do precipício

e a queda se fez caminho





Por Eugênia Fraietta
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segunda-feira, 19 de julho de 2010



PODEROSA





eu posso me perder em um segundo

um vacilo

um silêncio curto

um atraso de telefonema

e não reconhecer mais nada

e nem saber como voltar

e perder a memória de como tinha me levantado

eu posso coisas que nem sei

eu posso viver um século como um farrapo roto dechirrado trapo de

gente sem tino sem brio sem senso nesta tarde de espera vã

- eu adoro esta palavra vã –

e achar que me perdi de novo

e nunca mais querer nascer – eu nunca mais vou nascer

eu posso me desfazer

eu posso nunca mais encontrar o caminho de volta

eu posso me maquiar e ninguém suspeitar que passo horas na frente

do espelho me camuflando de mim

eu posso nunca pedir ajuda nem confessar meus trincados a quem

mais amo

e nada pode me salvar disso que sou





Por Eugênia Fraietta
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quinta-feira, 13 de maio de 2010



é possível que,

de agonia,

rasgue meus olhos

com meus próprios dentes.





Por Eugênia Fraietta
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sexta-feira, 16 de abril de 2010



IMINENTE ABISMO DAS DELÍCIAS




eu sei, eu percebo, eu pressinto. ela vai me pegar pelos olhos, me arrastar pelas pálpebras, me levar e me fazer cativo das suas inseguranças, da sua solicitude, do seu ninho. ela vai me enredar sem fios, vai me enredar pelo que não possui e pelo que necessita e pelo que eu não tenho a lhe dar. ela vai me consumir com disciplina, afinco, assiduidade. ela vai encomendar minha alma aos infernos, vai me fazer subir aos céus da boca, do quarto, aos céus – como se já fossem meus. vai me comer até ao tutano, vai me preencher de si, vai me embalsamar num casulo de carinho e braços e pélvis e gozo e comida na boca. e serei cada vez mais seu e mais meu e mais nada do que era. e vou crescer dentro dela. e não saberei mais gozar nem andar nem sonhar sem que ela esteja pelo menos num fiapo dos meus não-pensamentos e numa nesga do meu corpo.






Por Eugênia Fraietta
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Fotografia de Federico Bebber

quinta-feira, 18 de março de 2010



PRETENSÃO





um dia eu quis muito que a vida seguisse, e ela seguiu.

mas não porque me obedecia.





Por Eugênia Fraietta

segunda-feira, 8 de março de 2010



EU, DE MINHA PARTE (2)





dizem por aí que alguém, que desconheço, descansou no domingo

eu, de minha parte, mato todos os leões no domingo

no domingo, todos os fantasmas me assombram

preciso ficar mais alerta exatamente no domingo

no domingo, eu cochilo apoiado no meu fuzil





Por Eugênia Fraietta
Fotografia de Robert Parkeharrison


EU, DE MINHA PARTE





dizem por aí que alguém, que desconheço, descansou no domingo

eu, de minha parte, preparo também a segunda-feira

e estendo roupas no varal





Por Eugênia Fraietta
tributo a Manuel Bandeira
Fotografia de Robert Parkeharrison

domingo, 7 de março de 2010



MEU CARO SÁ





Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.



Com dor da gente fugia,
antes que esta assi crescesse,
agora já fugiria de mim,
se de mim soubesse.



Que meo espero ou que fim
do vão trabalho que sigo
pois que trago a mim comigo,
tamanho imigo de mim?



Sá de Miranda





ah, sá de miranda, só pensas em fugir…

não queres o perigo de viver contigo,

a não ser no mar tranquilo da concordância.



ah, meu caro sá, assim não dá!

tu te dizes teu próprio inimigo

só porque não concordas contigo?



sá, meu amigo, será tua pergunta, enfim,

a chance de te confrontares e perceberes

que o descaminho é a tua natureza?



que, se é vão fugires do desencontro,

só é possível seguires contigo

atravessado no teu caminho?





Por Eugênia Fraietta
Fotografia de Robert Parkeharrison

terça-feira, 2 de março de 2010



LANDSCAPE





de repente o mundo torna-se

um amplo e claro campo

sem árvores ou coisas ou pessoas.

desconfio que seja mentira.





Por Eugênia Fraietta
Imagem de AAT

domingo, 28 de fevereiro de 2010



ONDE DIABOS EU







onde diabos eu me meti

desde que você partiu?



entro em casa e vasculho onde estou,

devo estar escondida em algum lugar

dos meus cantos, dos meus guardados.



mas, amiúde, dou de cara com você ausente,

enquanto eu continuo perdida.





Por Eugênia Fraietta

sábado, 27 de fevereiro de 2010



SENTENÇA






nunca mais vou comer nunca mais vou dançar nunca mais gozar

nunca mais vou decorar teu perfume pra senti-lo antes de dormir e

poder morrer em paz nunca mais vou me abandonar ao teu desejo

porque é sempre o meu desejo nunca mais vou ter certeza que o

melhor de todos os lugares é o teu olhar nunca mais vou deixar de

ser pra ser em você mais do que eu jamais fui nunca mais meus

dentros vão te contar os meus segredos nunca mais vou doar nunca

mais vou achar que, no meu mais corpo-gozo fui pra um lugar onde

nem corpo há, enquanto só tinha o tamanho do meu pleno corpo

trémulo nunca mais ninguém vai me beber para eu ganhar vida

nunca mais minha pequena casa habitada repleta pequena festa

satisfeita nunca mais nunca mais nunca mais nunca mais em mim

nunca mais eu assim






Por Eugênia Fraietta