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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011












A DOMADORA DE CROCODILOS







Todos os dias
meto a cabeça
na boca
do crocodilo

O meu feito é feito
de paciência

Já meti
a cabeça
no forno
estava farta
dos crocodilos
e dos amantes

Não tenho tido amantes
tenho tido crocodilos

Com os crocodilos
ganho o pão
e as rosas

Morrer é um truque
como tudo o mais

Dobrada
entre os crocodilos
dobrados
arrisco a pele

A pele é a alma









Por Adília Lopes

sábado, 6 de agosto de 2011
















METEOROLÓGICA









Deus não me deu

um namorado

deu-me

o martírio branco

de não o ter




Vi namorados

possíveis

foram bois

foram porcos

e eu palácios

e pérolas




Não me queres

nunca me quiseste

(porquê, meu Deus?)




A vida

é livro

e o livro

não é livre




Choro

chove

mas isto é

Verlaine




Ou:um dia

tão bonito

e eu

não fornico







Por Adília Lopes

sábado, 18 de junho de 2011

















A PROPÓSITO DE ESTRELAS









Não sei se me interessei pelo rapaz

por ele se interessar por estrelas

se me interessei por estrelas por me interessar

pelo rapaz hoje quando penso no rapaz

penso em estrelas e quando penso em estrelas

penso no rapaz como me parece

que me vou ocupar com as estrelas

até ao fim dos meus dias parece-me que

não vou deixar de me interessar pelo rapaz

até ao fim dos meus dias

nunca saberei se me interesso por estrelas

se me interesso por um rapaz que se interessa

por estrelas já não me lembro

se vi primeiro as estrelas

se vi primeiro o rapaz

se quando vi o rapaz vi as estrelas







Por Adília Lopes

segunda-feira, 5 de abril de 2010



PRIMEIRO AMOR





Gostava muito dele

mas nunca lhe disse isso

porque a minha criada tinha-me avisado

se gostar de um rapaz

nunca lhe diga que gosta dele

se diz

ele faz pouco de si para sempre

os rapazes são maus

eu não era bela

nem sabia quem tinha pintado Os pestíferos de Jaffa

resolvi assim escrever-lhe cartas anónimas

escrevia o rascunho num caderno pautado

não sei hoje o que escrevia

mas sei que nunca escrevi

gosto muito de ti

e depois pedia a uma rapariga muito bonita

que passasse as cartas a limpo

eu acreditava que quem tinha uns cabelos

assim loiros e a pele assim fina

devia ter uma letra muito melhor do que a minha

agora que conto isto

vejo que deixo muitas coisas de fora

por exemplo que o meu primeiro amor

não foi este mas o Paulo

o irmão da rapariga bonita





Por Adília Lopes

quinta-feira, 1 de abril de 2010



A ELISABETH FOI-SE EMBORA


(com algumas coisas de Anne Sexton)





Eu que já fui do pequeno almoço à loucura

eu que já adoeci a estudar morse

e a beber café com leite

não posso passar sem a Elisabeth

porque é que a despediu senhora doutora?

que mal me fazia a Elisabeth

a lavar-me a cabeça

não suporto que a senhora doutora me toque na cabeça

eu só venho cá senhora doutora

para a Elisabeth me lavar a cabeça

só ela sabe as cores os cheiros a viscosidade

de que eu gosto nos shampoos

só ela sabe como eu gosto da água quase fria

a escorrer-me pela cabeça abaixo

eu não posso passar sem a Elisabeth

não me venha dizer que o tempo cura tudo

contava com ela para o resto da vida

a Elisabeth era a princesa das raposas

precisava das mãos dela na minha cabeça

ah não haver facas que lhe cortem o

pescoço senhora doutora eu não volto

ao seu antiséptico túnel

já fui bela uma vez agora sou eu

não quero ser barulhenta e sozinha

outra vez no túnel o que fez à Elisabeth?

a Elisabeth era a princesa das raposas

porque me roubou a Elisabeth?

a Elisabeth foi-se embora

é só o que tem para me dizer senhora doutora

com uma frase dessas na cabeça

eu não quero voltar à minha vida





Por Adília Lopes