Era uma cigana, dessas que vendem
destinos a troco de uma moeda. Verão seria, que me lembra o vestido branco de
algodão que usei nesse dia. A cigana, longo cabelo, saia rodada, um xale de
lantejoulas, mas verão seria, porque o vestido era branco.
Eu desviei-me, assim como quem
contorna um destino, mas adiante, a velha cigana salta-me ao caminho, agarra-me
o braço e olha-me com olhos severos e maledicentes. Cada toque é uma violência,
desejado ou não, mas ardendo sempre. Incomodou-me aquela mão estranha agarrando
com força o meu braço nu, a pele que habito, a fronteira da minha intimidade.
Desde pequena que tenho estranhos pudores.
A força afrouxou, a mão dela desliza
até à minha, troca o dorso pela palma e instintivamente os meus dedos abrem-se
e dão-se-lhe. E com uma delicadeza que contradiz a rudeza da sua primeira
abordagem, a velha pega na outra mão e expõe-na da mesma maneira. Duas mãos,
porque há homens que nasceram com marcas de destinos vários, sete vidas os
gatos, sete destinos o homem, mas só um nos é dado viver. Se acredito? Eu
finjo. Porque é uma coisa bonita de se acreditar, o destino, a estrela de cinco
pontas, a lua…
Ela olha atentamente, cada prega um
rabisco de uma vidência que eu não alcanço e de que suspeito. E vai falando
baixinho, num linguarejo que não entendo. Vou imaginando o que me dirá, a
felicidade costumada, sem saber que nem eu sei se é isso o que procuro.
Estranho o que me disse. Cem
lágrimas de distância. E enquanto vasculhava a carteira à procura do
porta-moedas, volta-se e segue caminho, vendendo-me o destino a troco de nada.
Por Elisabete Albuquerque