Esse processo eleitoral brasileiro tem me feito pensar muito.
Vivemos na última semana um clima de copa – dois países, duas bandeiras,
uma só terra. Os ânimos acirrados, os punhos levantados e cerrados de
ambos os lados, defendendo seus sonhos “opostos” com unhas e dentes,
ainda têm deixado o clima bastante tenso, mesmo horas depois do apito
final. “Memes” sobre término de relações de amizade surgem a toda hora,
conhecidos e desconhecidos se agredindo por escrito em várias redes
sociais ao mesmo tempo – o que agrava ainda mais a tensão da coisa: o
pessoal passa a ser público e vice-versa.
Todo mundo precisou se
posicionar, definir de que lado estava. Basicamente, uns defendendo o
social, outros o mercado, como se esses dois caminhos não fizessem parte
de um único objetivo: a construção de uma nação maior, mais sólida e
forte, mais respeitada mundialmente, mas foi nos imposto escolher. Houve
também um número bastante expressivo de pessoas que manifestou nas
urnas a loucura dessa bipolarização e anulou o voto, ou votou em branco
(que no final dá no mesmo, a gente viu nos vídeozinhos que circularam
pela internet), eles têm o meu respeito. O povo brasileiro - primeira
vez que vejo isso na vida! - se envolveu com a política do país, leu, se
informou e votou consciente. Isso é incrível e histórico!
Li
agora uma frase no facebook, compartilhada por um amigo de,
provavelmente, uma amiga dele, que diz: “Dilma e Lula vestidos de
branco. É sinal de construção da união nacional. Bonito de ver.” Vejo um
pouco por aí. O Brasil - e o mundo - está vivendo um momento de
reconstrução histórica. Já está claro que o capitalismo é um sistema
falido, vide o resultado das eleições, não dá mais pra viver só do
consumo. É preciso parar de mirar só o capital, o celular, o computador,
os carros, a aparência das coisas e olhar mais demorado para a terra,
para os rios, para o ar que respiramos, para as pessoas à nossa volta. É
preciso recuperar o afeto, urgente. No entanto, sabemos também que não
dá pra viver nesse mundo sem o mercado, que reforma agrária e igualdade
social sem comércio exterior nos faz ser engolidos, virar marionetes
políticas. Mas, convenhamos: não precisamos, aqui no Brasil, de um
neoliberal nem de uma comunista.
Nós estamos subindo os muros,
matando o planeta, derrubando a nossa própria casa e nos afastando dos
nossos semelhantes, que são os únicos que podem nos ajudar. Milton
Santos já previa, no seu maravilhoso “Por uma outra globalização”, que a
humanidade entraria em colapso e flutuaria em uma espécie de vácuo,
onde seria necessária uma profunda reformulação política mundial para
que as coisas começassem a voltar para o eixo. O capital, com o seu
total abandono social, beiraria a perversidade - e lá estão África e
Palestina, em seus gritos recentes, pra não nos deixar esquecer.
É
preciso que Cuba ofereça ajuda para o controle do Ebola, é preciso que a
Bolívia se posicione contra os bombardeios na Palestina, que a Rússia
faça transações com a Índia, que o Uruguai espalhe seu incrível exemplo
de humildade e contamine o mundo. E é preciso que os Estados Unidos
queiram dialogar (isso já é mais difícil e talvez vá pintar por aí, em
algum momento, mais uma guerra mundial por um poder tão inútil), claro.
Uma nova maneira de enxergar a globalização é extremamente necessária,
senão nos extinguiremos – estamos matando os índios, os jovens negros de favela, gente!
Somos capazes de construir um meio termo se abaixarmos as bandeiras e
dermos as mãos. A América Latina está forte e unida, "chegou a hora
dessa gente bronzeada mostrar seu valor". Somos capazes de mostrar ao
mundo como é que se faz política de verdade – eles estão de olho,
estamos fazendo barulho! -, todos juntos, políticos e povo nas ruas
cobrando as mudanças, construindo, em parceria, um vanguardista sistema
político-econômico, inventando, enfim, um novo e mais justo modelo de
estar humano no mundo, através do diálogo.
Que venham as próximas décadas com muitas pitadas latinas mais. E que o amor nos proteja, amém.
Sylvia Araujo
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