Tela de Portinari
Pra ver Mateus feliz, basta um sonho. De padaria mesmo - doce de leite caseiro escorrendo pela fenda funda açucarada. Seus olhos grandes cintilam com o papel manteiga e a primeira coisa que faz quando recebe o embrulho nas mãos é abri-lo com toda a delicadeza e lamber com gosto o doce grudado na folha branca. A saliva escorre.
Pra ver Mateus feliz, basta um gato. Vira-lata mesmo - uma paleta inteira no pelo curto e um rabo grosso de espanador. Suas mãos pequenas afundam no pescoço magro do bichano dócil e não se sabe ao certo quem é que ronrona baixinho - o acarinhado ou o acarinhador. Seu colo estreito vira cama quente e sua voz pequena cantiga de ninar. O coração aquieta.
Pra ver Mateus feliz, basta uma pipa. Preta e branca mesmo - rabiola farta de jornal de ontem e carretel inteiro de linha vermelho-vivo. Suas pernas finas correm pela rua mansa, braço esticado e boca seca, testa franzida em concentração. Domingo é dia de dançar com o vento. A tarde toda é festa no céu - pintado inteiro, arco-íris alado. O olhar estreita.
Pra ver Mateus feliz, basta uma folha. Caída mesmo - pedaço seco despencado ao chão e carregado das histórias do céu. Seus dedos ágeis imprimem vida ao pedaço morto; um assopro e o marrom dourado se transforma em ave e voa de volta até o alto da árvore. Sua intenção não é que ela renasça, mas que vire ninho - casa de folha pra passarinho. O sorriso dança.
Pra ver Mateus feliz, basta o tudo. Cheio de nada mesmo - pra poder enchê-lo do que quiser. E não cabe carro, nem apartamento porque as asas da sua imaginação ocupam todo o espaço do coração. E o que sobra é mesmo só para o amor, que sempre dá um jeito de se espremer entre uma rosa e um bocado misturado de cor.
Sylvia Araujo