Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, agosto 31
sexta-feira, agosto 29
agosto - dia 29
As notícias que nos são acessíveis do mundo, e do país que é o nosso, soltam-se no ar em turbilhão. Salvo nos regimes com supressão, ou limites apertados, da liberdade de informação, ou seja, nas ditaduras, a regra é a da disputa política sempre ganhar contornos agrestes na conquista da opinião pública. Sempre assim foi em regimes democráticos onde impera o primado da lei e da liberdade de imprensa. Nada de substancialmente novo se passa nos nossos dias a não ser a emergência das redes sociais através das quais cada um de nós se pode transformar, quase que instantaneamente, num "órgão de informação". Resta continuar a manter o equilíbrio que, no caso, se resume, entre outros aspetos, em assumir a natureza micro da participação de cada um nesta torrente de informação, nem por isso dispensável no presente contexto, e a perceção de que existe um imenso mundo de informação que nunca fica acessível ao maior número de cidadãos mantendo-se no segredo dos deuses. E ainda, não menos importante, ter presente o imenso manancial de contrainformação que se dispensa de reserva para assumir a mentira em todo o seu esplendor.
terça-feira, agosto 26
agosto - dia 26
Frank Grisdale
As coisas com jeito demoram tempo. Os projectos sustentáveis carecem de maturação. Pensamento e acção. Conjugados. Capacidade de projecção para a frente, em direcção ao futuro, mesmo que não pertençamos já a esse futuro que anunciamos. Todo o tempo sonha e só quem sonha com o futuro merece ser tomado a sério. Mesmo que o passado molde o nosso tempo e o nosso tempo molde o futuro. O que fica depois do tempo nos ter reduzido a cinzas é o futuro. Disse o prelector face ao seu tempo. E calou-se prudente e desconfiado no efeito das suas palavras sobre os sentimentos dos famintos de presente.
segunda-feira, agosto 25
agosto - dia 25
Passam hoje 70 anos que Paris foi libertada da ocupação nazi. É uma data longínqua e simbólica mas apetece-me lembrá-la a traço grosso. Nesse dia (talvez noite) Albert Camus escreveu um notável editorial para o jornal Combat, órgão da Resistência, intitulado: LA NUIT DE LA VÉRITÉ que começa assim:
Tandis que les balles de la liberté sifflent encore dans la ville, les canons de la libération franchissent les portes de Paris, au milieu des cris et des fleurs. Dans la plus belle et la plus chaude des nuits d’août, le ciel de Paris mêle aux étoiles de toujours les balles traçantes, la fumée des incendies et les fusées multicolores de la joie populaire. Dans cette nuit sans égale s’achèvent quatre ans d’une histoire monstrueuse et d’une lutte indicible où la France était aux prises avec sa honte et sa fureur. (...)
70 anos é muito tempo e são já uma minoria os contemporâneos desse acontecimento marcante da nossa história contemporânea. Mas nada é mais importante do que celebrar a liberdade e os acontecimentos que a evocam em toda a sua força telúrica. Desde esse dia, passaram 70 anos, a Europa tem vivido um longo período de paz que somente hoje, no tempo que é o nosso, está verdadeiramente em perigo.
sexta-feira, agosto 22
agosto - dia 22
Uma tarde quente povoada pelos medos que as notícias acalentam. Além das heranças do nosso passado doméstico, e seu reflexo no presente, continua a alastrar a violência por esse mundo. Leio a notícia de execuções públicas em Gaza em retaliação pela eliminação física de dirigentes militares do Hamas levadas a cabo por Israel. Assinalo as mais cruéis manifestações da guerra fazendo lembrar, de forma impressiva, outras guerras de todos os tempos passados. Esta cavalgada da guerra a que assistimos tem que ser refreada sem ilusões de alcançar uma paz impoluta. As potências - sempre as potências! - com argumentos de força militar ou económica, ou ambos, têm que se entender globalmente forçadas por um movimento que somente os cidadãos podem impulsionar. O Papa Francisco apela, o Secretário Geral das Nações Unidas, apela, alguns lideres políticos apelam, à paz, mas não se vê luz ao fundo do túnel que acalente a esperança de um retrocesso dos movimentos extremistas/belicistas. Alastra mesmo entre a intelectualidade, como sempre aconteceu, nos períodos que antecedem as grandes guerras, um amolecimento do espírito crítico face ao alastramento de ideologias populistas e de nacionalismos exacerbados (caso da Hungria, país membro da UE!) que, sejam quais forem as suas raízes ou tendências, todas por igual, têm que ser combatidas, e confinadas, sob pena de virmos, enquanto cidadãos do mundo, a ser responsáveis por um novo holocausto.
quinta-feira, agosto 21
agosto - dia 21
Escrevo hoje na hora de almoço, coisa rara, pois me deu uma vontade irreprimível de deixar uma palavra acerca da guerra. Chovem as notícias de assassinatos, tantas e tão frequentes, que se banalizam. A normalidade, no espaço mediático, o que vende e se torna omnipresente no imaginário da maioria dos cidadãos, é a violência, o crime, o assassinato, a retaliação, a conquista, a guerra. Na verdade mesmo aqueles que vivem em paz beneficiam, afinal, de uma ilusão. Não sei nada acerca dos meandros da guerra, a não ser a intuição de que medram os negócios de venda de armas, os negócios da morte, só sei, ao contrário de todas as ilusões que alimentávamos, que estamos em guerra.
terça-feira, agosto 19
agosto - dia 19
segunda-feira, agosto 18
domingo, agosto 17
agosto - dia 17
Último dia de férias de verão, sempre um regresso à terra, visitando toda a largura do sotavento junto ao mar, da fronteira a Vila Moura com epicentro em Faro - berço meu. Visitações familiares desde a minha tia Lucília, decana da família, nos seus 97 anos, um belo rosto que se mantém luminoso, até aos mais jovens sobrinhos netos, campeões nacionais de ténis nas respetivas categorias. Sucessivas gerações mantendo, no essencial, os mesmos traços físicos, bronzeados do sul e longilíneos porque sim, em suas tarefas e misteres, juntos à terra que os viu nascer. O futuro desenha-se, para todos e cada um, com uma enorme interrogação. Mas não foi sempre assim? Praticando a arte de sobreviver a toda procela.
sexta-feira, agosto 15
quarta-feira, agosto 13
agosto - dia 13
A nossa cidade é aquela que nos habita mais do que aquela que habitamos. E somos habitados por muitas cidades e lugares delas. Tal como pelas pessoas que ao longo da vida amamos. Nada pode mudar esta capacidade do homem incorporar a natureza, transformando-se e, por fim, a ela regressar. Finito na esplendorosa compreensão da sua existência e dos limites do seu papel individual na relação com ela. A vida irradia beleza pelas ruas da cidade banhada de luz e arrefecida pela misteriosa brisa que sopra suave. Desde que me conheço que reconheço a sua aura que atravessa os corpos elegantes dos carregadores de mercadorias que desfilam nos corredores das festas de verão ou a caminho do mercado. Por entre notícias de morte de ilustre, e notável, gente e do alastrar de guerras sempre injustas, raia, embora incipiente, a aurora de um novo humanismo. Basta estar atento aos sinais.
segunda-feira, agosto 11
domingo, agosto 10
agosto - dia 10
É difícil encontrar trabalho por mais que o jargão populista insinue de todas as formas: "eles não querem é trabalhar"!. Se assim fosse a maioria dos que emigram em busca de trabalho quedar-se-iam em ameno repouso. Não me refiro ao tema do ócio, tempo de lazer, essa conquista recente das sociedades ocidentais. Refiro-me ao trabalho, em todas as áreas da actividade humana, que além de ser um "ganha pão" é um meio de realização humana e de afirmação da personalidade. É preciso saber conjugar o tempo de trabalho com o tempo de lazer. Mas os benefícios do lazer não se alcançam no desespero da escassez dos meios materiais e na desesperança de alcançar acesso a actividades de trabalho dignas e devidamente remuneradas. Esta é uma questão complexa que se não compadece com simplificações. Manter o realismo de acreditar no futuro de uma sociedade mais justa, igualitária e livre. Aceitar os desafios das mudanças mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis. Trabalhar sempre o melhor que estiver ao alcance de cada um. Abrir caminho para que o maior número encontre trabalho digno.
sexta-feira, agosto 8
agosto - dia 8
De férias a sul como sempre aconteceu desde que me conheço, nem que tenha sido por um só dia como, excepcionalmente, em 1975. Próximo das terras, e praias, (mais terras, que praias) frequentadas pelos meus antepassados do lado materno e paterno. Toda a minha ascendência nasceu a sotavento deste Algarve nome que incorporou até há bem pouco tempo a designação do Reino de Portugal (e dos Algarves). Não me espreguiço, pois, em simples veraneio envolvido que me sinto pelas ressonâncias de gerações nas quais correu, e corre, sangue do meu sangue. A paisagem está por dentro de mim como estão os odores, os rostos, as vozes, os dizeres, as manhas e tudo o que resiste às facetas perversas da globalização. Caminho de pé por entre memórias felizes o que reconstrói a minha vontade de continuar a percorrer esta vida povoada de enganos.
quinta-feira, agosto 7
segunda-feira, agosto 4
agosto - dia 4
Banco Bom, Banco Mau, acabou mais um episódio da maior crise de uma instituição financeira nos últimos (muitos) anos em Portugal. Outros se seguirão. Não tenho conta no BES nem nunca tive. Nenhuma instituição que tenha estado sob minha gestão alguma vez teve conta no BES. Não tenho, pois, queixas nem experiência directa de lidar com o BES. Não deveria escrever nem uma palavra acerca deste assunto, além do mais, porque tendo obtido uma formação académica em finanças, não me imagino como administrador de falências... Somente a escala dos números envolvidos, a nível nacional, é muito grande. E passamos a vida, todos nós, a ouvir falar em números de uma escala muito inferior como salário mínimo, pensões de sobrevivência, tudo o que toca ao mundo do trabalho ou das pensões, quantas vezes, apresentados como excessivos. Exigem-se reformas e todos clamam por justiça no âmbito do Estado Social. Nesse mundo conhecem-se os esquemas para obter benefícios ilegítimos, desde os beneficiários, aos fornecedores de bens e serviços. Abundam as fugas, e lateralidades, que prejudicam os cidadãos e as entidades cumpridoras. Sabemos todos que tolerar o incumprimento das obrigações de uns significa o sacrifício da obtenção de legítimos benefícios sociais de outros. Mas o sector financeiro tem gozado de uma infinita tolerância e compreensão por parte da sociedade e de todos os responsáveis dos poderes públicos seja qual for a sua natureza e cor ideológica e politica. Pela sua escala o caso BES, que se desenrola debaixo dos nossos olhos, hoje, aqui e agora, produz um efeito de descredibilização do sector financeiro e, em particular, da banca comercial que impõe uma acção rápida, diria fulminante, na investigação das suspeitas de ilícitos e de crimes. O governador do BP não pode falar deles - e falou - sem que hajam consequências imediatas. Sou contra a justiça popular ou mediática mas é preciso fazer funcionar o estado direito e, em consequência, proteger a democracia dos seus inimigos.
domingo, agosto 3
VIVER POR CIMA
A qualquer hora do dia, em mim próprio e entre os outros, eu subia às alturas, acendia aí fogueiras bem visíveis e alegres saudações subiam até mim. Era assim que eu tomava gosto à vida e à minha própria excelência.
A minha profissão satisfazia, felizmente, esta vocação das alturas. Ela livrava-me de toda a amargura em relação ao próximo, que eu sempre obsequiava, sem nunca lhe dever nada. Colocava-me acima do juiz, que, por minha vez, eu julgava, acima do réu que eu forçava ao reconhecimento. Pondere bem nisto, meu caro senhor: eu vivia impunemente. Nenhum julgamento me dizia respeito, não me encontrava no palco do tribunal, mas em qualquer outra parte, nos urdimentos, como esses deuses que, de tempos a tempos, são descidos por meio de um maquinismo, para transfigurar a acção e dar-lhe o seu sentido. No fim de contas, viver por cima é ainda a única maneira de ser visto e saudado pela maioria.
Albert Camus, in A Queda
A minha profissão satisfazia, felizmente, esta vocação das alturas. Ela livrava-me de toda a amargura em relação ao próximo, que eu sempre obsequiava, sem nunca lhe dever nada. Colocava-me acima do juiz, que, por minha vez, eu julgava, acima do réu que eu forçava ao reconhecimento. Pondere bem nisto, meu caro senhor: eu vivia impunemente. Nenhum julgamento me dizia respeito, não me encontrava no palco do tribunal, mas em qualquer outra parte, nos urdimentos, como esses deuses que, de tempos a tempos, são descidos por meio de um maquinismo, para transfigurar a acção e dar-lhe o seu sentido. No fim de contas, viver por cima é ainda a única maneira de ser visto e saudado pela maioria.
Albert Camus, in A Queda
sábado, agosto 2
agosto - dia 1
O BES, em menos de nada, afundou-se. Um banco de referência, com história e mercado, está a estrebuchar caído no chão dando a sensação, a quem assiste de fora, que afastada a família que lhe dá o nome, ninguém sabe o que fazer dele. Pode ser que esteja enganado, assim espero, mas o Estado vai socorrê-lo, em linguagem comum, "entrará com o dinheiro", "uma pipa de massa", diria o Dr. Barroso. Estou a ser simplista, está bem de ver, pois a fórmula para a entrada temporária do Estado será engenhosa e sempre teria de o ser. Nada de novo. A tralha dos Espíritos Santos, diabolizados como é da praxe, dará lugar a quem? Para já, quer dizer, depois de amanhã, ao Estado, salvo qualquer milagre de última hora. Os jornalistas das economias surgiram hoje, pelo menos a meus olhos, nervosos e hesitantes como o verão que teima em não despontar. Nada de nacionalização do BES. De acordo, que não é solução. Resta explicar, bem explicado, como é que um banco privado, representando 20% do mercado nacional, uma grossa fatia do crédito concedido, milhões de depositantes, continuará a ser privado se a maioria do capital passar a ser público. E caso a explicação corresponda à operação de salvamento em curso, que desejo seja bem sucedida, como será apresentada a saída pós intervenção do Estado. A que prazo e em que condições. E qual a medida das consequências dessa intervenção na economia e na vida quotidiana dos cidadãos. O problema do BES, a partir de hoje, deixou, em definitivo, de ser privado, tornando-se público. Um problema de todos nós.
Fotografia de Hélder Gonçalves
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