terça-feira, dezembro 30

Fim do ano 2003

Como sempre, nos últimos anos, à vista do mar nas proximidades do ponto mais ocidental da Europa. O oceano atlântico, em toda a sua plenitude, à nossa vista. O cheiro intenso a maresia. O mar nestas costas é forte quando batido pelo vento. Não havemos de olhar demasiado para trás. Faltam alguns amigos mas juntaram-se outros novos. A vida é feita de mudança. E a olhar o futuro o mundo avança. Eduardo Lourenço fala numa entrevista recente que os portugueses se preocupam mais com parecer bem e menos com fazer obra. Têm medo de tomar posição. Arriscar nas empreitadas do progresso. Esperam que a obra surja feita. As palavras são minhas. Não tenho a entrevista na minha frente. Lourenço não diz, mas digo eu, que fazer obra para os portugueses é algo estranho e potencialmente perigoso. Pode por em causa o equilíbrio necessário ao triunfo do espírito conservador. Esta filosofia de vida está devidamente documentada pela nossa história ? salvo em raros períodos ? e pela pena dos nossos maiores: Camões (Luís), Pessoa (Fernando), Sena (Jorge de) ? Os governos querem-se modestos nos grandes desígnios e sem vistas largas não vá o engrandecimento do País ferir as cordatas relações de poder com as grandes famílias instaladas e fazer perigar as dependências face aos interesses estrangeiros. Dizem os tecnocratas, mais cultos, que falta músculo ao capital e massa crítica à inteligência. Dito do ponto de vista do humanismo o que falta, em regra, é decência aos dirigentes, civismo, educação e cultura ao povo. Certamente se encontrarão formas originais e renovadas de trilhar, no futuro, um novo caminho de progresso. Mas este simples blog confirma, como tantas outras formas de expressão, em finais de 2003, um princípio que convém preservar, a todo o custo, que Camus sintetizou numa frase que nunca mais esqueci:
?Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.

Citação 3

"É sempre um grande crime destruir a liberdade de um povo sob o pretexto de que ele a utiliza mal"
Tocqueville

segunda-feira, dezembro 29

Ideias para o futuro-2

Uma ideia para o futuro em Portugal é a criação, na estrutura do Governo de uma “Secretaria de Estado para as Pessoas Idosas”.

O envelhecimento da população é um forte desafio que se coloca à sobrevivência das sociedades democráticas. Todos os indicadores apontam no sentido da população idosa se tornar, a médio prazo, maioritária nas sociedades ocidentais. Trata-se de um fenómeno que impõe a adopção de medidas inovadoras em diversas áreas cruciais da organização das nossas sociedades.

O modelo de financiamento da segurança social ocupa o centro dessas mudanças. Um dos grandes desafios das políticas sociais, que valorizem a dignidade do homem acima dos interesses financeiros da banca e das seguradoras, é a criação de um novo modelo de solidariedade intergeracional.

Este desafio exige que sejam repensadas questões tais como a idade de reforma, a duração da jornada de trabalho e sua flexibilização, assim como políticas de imigração, integradas, justas e aceitáveis por todos os cidadãos.

Muitos acontecimentos recentes – desde a persistência de João Paulo II, ostentando em público a sua velhice, até aos efeitos calamitosos das “vagas de incêndios e de calor” - colocaram em destaque a urgência da definição de políticas autónomas para os cidadãos idosos.

O combate à tragédia silenciosa da solidão e abandono dos idosos exige a serena coragem de mudanças em que o Estado, os empresários e as entidades de vocação social, estabeleçam pactos de solidariedade honrando a dignidade da vida, vivida até ao fim, por todos os cidadãos.

O Estado, em particular, tem de assumir plenamente a sua responsabilidade na criação de condições para o desenvolvimento de políticas activas de integração dos mais idosos numa sociedade em que o culto da juventude impera, cada vez mais competitiva, xenófoba, insensível ás diferenças, hipócrita e hostil aos idosos.

domingo, dezembro 28

Regresso

De regresso de umas pequenas férias, voluntariamente, sem computador. Nestes dias nada queria inscrever nestas páginas dedicadas ás viagens na nossa terra a propósito das tradicionais festas de família que a época convoca. Fazem-se envios de votos de Natal Feliz. Tomam-se refeições demais (os que podem ter aceso a elas) e escondem-se, o melhor possível, os dramas do quotidiano. Em Faro uma mulher passa por mim na rua, a chorar, enquanto fala ao telemóvel: deixem-me ficar só, só…e sente-se o frio da rua entrar dentro de nós. Nesta quadra festiva, este ano, respira-se um ar mais pesado que é difícil de esconder.

Citação 2

Pranto pelo dia de hoje

Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que não podem sequer ser bem descritas.

Sophia de Melo Breyner Andresen
In “Livro Sexto” – 1962

terça-feira, dezembro 23

Ideias Para o Futuro - 1

Muito interessante entrevista de Rui Vieira Nery à revista “Pública” de 21 de Dezembro de 2003. O mais interessante, para mim, resume-se à defesa do reforço do papel da música na escola. A ideia “da massificação do ensino da música desde o início da escolaridade” não é original, como refere, apontando o caso da Hungria, mas é uma ideia forte para o futuro. É uma ideia a abordar e aprofundar no âmbito científico e político. Os argumentos a favor da bondade da ideia são expostos de forma breve mas entende-se que se estribam num vasto conjunto de boas e fundamentadas razões: a música favorece a aprendizagem da matemática e, em geral, das ciências; é um potente veículo de equilíbrio emocional; é uma arte potenciadora da sociabilização das crianças; é um factor de formação ética e cívica e é uma “componente fundamental do património cultural da Humanidade”. Também concordo que existem, hoje, em Portugal, recursos humanos e técnicos que permitiriam forjar um projecto viável para a generalização do ensino da música nas escolas.

Coincidências

TURISMO (1942) - Título da obra poética de estreia de Carlos de Oliveira.

Cinza,
os sinos dobrados
já pela tarde fria.

Porque arde em mim ainda,
de mágoa e bronze,
o sol do dia?

(Poema VIII, In Turismo
Trabalho Poético - Circulo de Leitores)


TURISMO (2003)

Actividade de grande relevância na vida social e na economia portuguesa contemporânea mas que só ganhou expressão, como fenómeno de massas, a partir dos anos 60.
O Turismo tinha ganho, na Europa, uma nova natureza, a partir de 1936, com a institucionalização das “férias pagas”, conquista popular adoptada legalmente pelo Governo da Frente Popular, em França, logo seguida pela Bélgica.
À época o título da obra de Carlos de Oliveira
é, pois, de uma ousadia extraordinária.

Eis como um título une duas áreas tão distintas
interessando à reflexão de tantas e diversificadas
pessoas.
Eu sou uma delas. Por isso a poesia e o turismo vão
surgir com frequência entre os temas a tratar na
programação do Absorto.

segunda-feira, dezembro 22

Comentário: ainda o jantar

Já pus o ABSORTO nos meus Favoritos; boa sorte!
É, é isso mesmo; os jantares são mesmo para isso. Eu acho que até podia não haver comida (hi!hi!hi!)...de contrário come-se imenso e assim podemos ter menos jantares. Isso se nos preocuparmos em manter a boa saúde física...A ideia das saladas da tua mulher é óptima, o pior é que para além das saladas comem-se muitas outras coisas ...Eu tinha anunciado que era um jantar soft! E fiz um esforço...mas...
Beijos
MM

Poema

Fatal

Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.

Adélia Prado

domingo, dezembro 21

Citação

"O tempo não corre depressa quando o observamos. Sente-se vigiado. Mas tira partido das nossas distracções. Talvez haja mesmo dois tempos, o que observamos e o que nos transforma."
Camus

sábado, dezembro 20

Jantar com os amigos

O jantar de ontem. Com uma conversa mais detalhada acerca de blogs. O meu amigo editor do www.turing-machine.blogspot.com foi solicitado a falar da sua experiência. Foi num jantar entre mil milhões de jantares, por esse mundo, além de almoços, ceias, pequenos-almoços, jejuns, penitências, sopas, fomes … conforme a hora, o lugar e a condição económica, social, crença e religião das gentes desses lugares. A diferença é que fomos nós que estivemos no jantar de ontem. Eu estive lá. Em todos e em cada um de nós, os que estivemos lá, subsistem uma multidão de diferenças – disposição pessoal, disponibilidade afectiva, interesse intelectual... – sem as quais não teria sentido o gesto humano de jantar em comum. Não sei discorrer acerca de blogs. O meu acabou de nascer um pouco por acaso. Embora um acaso pensado. O meu blog nasceu da necessidade de criar um espaço de liberdade para a minha participação individual na vida pública. Em comunicação com os outros. Ponto final. Estou de acordo, pelo menos, em que o blog permite a expressão livre de uma complexidade de interesses que coexistem em cada um de nós. Claro que depende de uma tecnologia. Gera desconfianças e perplexidades? Mas todo o progresso foi assim construído. É o risco de uma qualquer forma de participação humana, seja qual for a sua expressão, poder conduzir ao disparate e ao erro. Resta intacto o critério decisivo para avaliar o interesse em utilizar uma tecnologia, ou em participar de um projecto, que é o de acrescentar algo ao valor da liberdade. Estou convicto que neste caso a resposta é afirmativa. O jantar foi agradável.

sexta-feira, dezembro 19

Deixar uma marca

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.

(um programa para o absorto)

Estreia absoluta. Um lugar de comunicação. Experiência para a primeira impressão dos outros. Uma primeira audição para inicio de trabalho.