sexta-feira, agosto 31, 2007
Na morte de Alberto de Lacerda
Do muito que se passou nestes dias de férias, a morte de Alberto de Lacerda foi o que mais me tocou. Era o meu poeta preferido, dos vivos, & agora um entre os mortos. Autor da palavra justa, precisa, essencial, musical, oficinal como encaixes perfeitos. As palavras, «quase todas a mais» no meio da adiposidade verbal contemporânea, da banalidade, do lugar-comum que carregamos, como um castigo. Tive a honra de o antologiar, com José Duarte, no Poezz ; e a desfaçatez de incluí-lo aqui, na «Antologia Improvável», onde continuará a aparecer, e um pouco por todo o blogue.
sexta-feira, agosto 17, 2007
sublime porta
Amolece-te a vontade
o vapor do banho turco.
A memória de há pouco
todo o querer já passou.
o vapor do banho turco.
A memória de há pouco
todo o querer já passou.
quinta-feira, agosto 16, 2007
Tele-tabloidismo
Passo os olhos pelos telejornais e vejo um alinhamento inane no da RTP1: ao Iraque segue-se a ambulância de Arcozelo, mais o fogo-posto em Macinhata que antecede o alarme do Dow Jones. O da RTP2, depois que liquidaram o interessante projecto de Henrique Garcia (síntese do dia, seguido de tema de desenvolvimento com entrevista), está remetido à irrelevância do seu formato e das suas apresentadoras. Os da RTPN, pese embora o profissionalismo de Ana Fonseca, não descola do pecado original daquela informação do Monte da Virgem, que aos vinte minutos já está a tratar das transferências futebolísticas. Paupérrimo. Depois há o da tvi, que nem sei como é. Quando, à terça, me lembro de Miguel Sousa Tavares, oiço-o, sempre com interesse, faço outra coisa nos intervalos e quando ele acaba desando, que não tenho pachorra para as duas jarrinhas que o pontuam (do Peres Metelo, esqueço-me sempre...). Resta a sic, a negregada sic, com o refocilar na lama das desgraças alheias. E o pior, é que fazem aquilo por puro arrebanhar de audiências, com ar tristonho, cabisbaixo, resignado; sem o entusiasmo grunho da tvi, que julga estar a informar, tal como pensava que podia dar (e deu) notícias do big brother no seu simulacro de telejornal. Mas o que me compunge verdadeiramente é aquela prosápia de grande jornalismo a que a sic-notícias deita mão, para depois se ficar por mais umas mortes no ip3, nas criancinhas maltratadas, nos doentinhos miseráveis. Não fora o Mário Crespo no jornal das 9 (quem (me) diria!?), e não haveria nada apresentável em serviço diário noticioso nos canais portugueses. Mas eu a essa hora estou a jantar, e não vejo televisão.
quarta-feira, agosto 15, 2007
domingo, agosto 12, 2007
Antologia Improvável #248 - Francisco Bugalho
OBSESSÃO
Dentro de mim canta, intenso,
Um cantar que não é meu:
Cantar que ficou suspenso,
Cantar que já se perdeu.
Onde teria eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido:
Cantar que passa perdido,
Que não é meu estando em mim.
Depois, sonâmbulo, sonho:
Um sonho lento, tristonho,
De nuvens a esfiapar...
E, novamente, no sonho
Passa de novo o cantar...
Sobre um lago onde, em sossego,
As águas olham o céu,
Roça a asa de um morcego...
E ao longe o cantar morreu.
Onde teria eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido...
E este cenário partido
Volta a voltar, repetido,
E o cantar recanta em mim.
Margens / Líricas Portuguesas. 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)
Dentro de mim canta, intenso,
Um cantar que não é meu:
Cantar que ficou suspenso,
Cantar que já se perdeu.
Onde teria eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido:
Cantar que passa perdido,
Que não é meu estando em mim.
Depois, sonâmbulo, sonho:
Um sonho lento, tristonho,
De nuvens a esfiapar...
E, novamente, no sonho
Passa de novo o cantar...
Sobre um lago onde, em sossego,
As águas olham o céu,
Roça a asa de um morcego...
E ao longe o cantar morreu.
Onde teria eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido...
E este cenário partido
Volta a voltar, repetido,
E o cantar recanta em mim.
Margens / Líricas Portuguesas. 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)
sábado, agosto 11, 2007
Figuras de estilo - Antunes da Silva
As terras, com o decorrer das horas, ficam empapadas de água, sufocadas de um mistério destemido por um largo intervalo, e as nuvens, como que guiadas por um vento de almas, vêm de casco de rolha à desfilada, juntando-se todas por cima da herdade, manchando-a de negume. Fogem os bichos das encostas, acoitando-se na largura da paisagem; encolhem as aves os bicos nas ramagens. Ao longe, com a névoa da tarde o dia fez-se noite por um espaço de minutos, e um vento leonardo regouga ao rés da terra, uh! uh! uh!, num vaivém preverso, inquietante -- e parece que o vento insulta os homens que estão no monte, reunidos num almoço tranquilo.
Suão
sexta-feira, agosto 10, 2007
quinta-feira, agosto 09, 2007
Antologia Improvável #247 - Armindo Rodrigues (2)
JORNAL
De ponta a ponta do jornal
percorro o mundo de ponta a ponta.
Por toda a parte,
por toda a parte,
há ódios, vergonhas, assassinatos,
traições, misérias, desastres, guerras,
chapadas de sol e pastas de esterco,
pessoas que morrem com medo ou com esperança,
que valem o mesmo à hora da morte,
crianças que nascem alheias a tudo
e em breve andarão no mesmo tumulto.
Por toda a parte,
por toda a parte,
a vida me chama
com milhões de vozes.
Voz Arremessada ao Caminho
De ponta a ponta do jornal
percorro o mundo de ponta a ponta.
Por toda a parte,
por toda a parte,
há ódios, vergonhas, assassinatos,
traições, misérias, desastres, guerras,
chapadas de sol e pastas de esterco,
pessoas que morrem com medo ou com esperança,
que valem o mesmo à hora da morte,
crianças que nascem alheias a tudo
e em breve andarão no mesmo tumulto.
Por toda a parte,
por toda a parte,
a vida me chama
com milhões de vozes.
Voz Arremessada ao Caminho
quarta-feira, agosto 08, 2007
Figuras de estilo - João Sarmento Pimentel
-- Como?!
-- Pois é verdade, Senhor Major. Aquele refinado tratante fez mal aqui à minha filha, e agora, pelos modos, está-se nas encolhas para o que prometeu.
-- Não diga! e voltando-se para a cachopa que, de olhos baixos e lenço embiocado fingia vergonha: a menina como se chama?
-- Casimira, uma sua criada, senhor Major.
-- Boa fazenda, não há dúvida nenhuma, boa fazenda! mas estraga-se muito entre as pernas. Todavia eu vou já mandar chamar esse grandíssimo putanheiro e se ele não reparar o bem que fez, qual mal, nem qual carapuça, que lhes soube, a ambos a favos de mel, adivinho eu e a menina Casimira com essa afoiteza o confirma! leva correccional pelo lombo, olá se leva, pois um bocado destes, quem é o safado que atreve a passá-lo ao estreito sem a vaselina da Santa Madre Igreja?!
Memórias do Capitão
terça-feira, agosto 07, 2007
Esta luta pelo poder no bcp entre dois membros do opus dei -- os tais que procuram alcançar a santidade pelo trabalho -- é tudo menos beatífica. Se houvesse dúvidas a respeito da natureza humana, o espectáculo que dá o banco, urbi et orbi, no meio de muitas persignações e genuflexões, calculo, seria suficientemente esclarecedor. O mando, o doce mando é que nos move; nas tintas para nosso senhor, ámen. Se calhar foi ELE, enjoado, que deu cabo do sistema informático na ag de ontem. Muita vez terão de cingir o cilício para remissão, deus lhes valha.
segunda-feira, agosto 06, 2007
domingo, agosto 05, 2007
Antologia Improvável #246 - Sidónio Muralha
ROMANCE
Depois daquela noite os teus seios incharam,
as tuas ancas alargaram-se;
e os teus parentes admiraram-se
e falaram, falaram...
Porque falaram duma coisa tão bela,
tão simples, tão natural?
Tu não parias uma estrela,
nem uma noite de vendaval...
Mas tudo terminou porque falaram.
Tu fraquejaste e tudo terminou.
-- Os teus seios desincharam,
só a tristeza ficou.
Ficou a tristeza duma coisa tão bela,
tão simples, tão natural...
-- Tu não parias uma estrela,
nem uma noite de vendaval...
Passagem de Nível
(desenho de Fernando Lemos)
Depois daquela noite os teus seios incharam,
as tuas ancas alargaram-se;
e os teus parentes admiraram-se
e falaram, falaram...
Porque falaram duma coisa tão bela,
tão simples, tão natural?
Tu não parias uma estrela,
nem uma noite de vendaval...
Mas tudo terminou porque falaram.
Tu fraquejaste e tudo terminou.
-- Os teus seios desincharam,
só a tristeza ficou.
Ficou a tristeza duma coisa tão bela,
tão simples, tão natural...
-- Tu não parias uma estrela,
nem uma noite de vendaval...
Passagem de Nível
(desenho de Fernando Lemos)
sábado, agosto 04, 2007
Caracteres móveis - E. H. Gombrich
É mais importante conhecer Shakespeare ou Miguel Ângelo do que «fazer investigação» a respeito deles. Pode a investigação não fazer surgir nada de novo, mas do conhecimento brota sempre prazer e enriquecimento. Parece mil vezes lamentável que as nossas universidades estejam tão organizadas que não se dê por esta diferença. Muito do mal-estar das ciências humanas poderia desaparecer do dia para a noite se se tornasse claro que não precisam imitar as ciências exactas para continuarem a ser respeitáveis. Pode haver uma ciência da cultura, mas pertence à antropologia e à sociologia. O historiador cultural quer ser um académico, não um cientista. [...] Podemos ter desconfiança quanto às intepretações actuais de Shakespeare ou ao modo como Bach é hoje executado e querer chegar à verdade nessas matérias. Todavia, em toda esta investigação o que o historiador cultural verdadeiramente ambiciona é servir a cultura, e não alimentar a indústria académica.
Para uma História Cultural
(tradução de Maria Carvalho)
sexta-feira, agosto 03, 2007
quinta-feira, agosto 02, 2007
Antologia Improvável #245 - João de Barros (5)
POEMA D'AMOR
Não me andais vós a enganar
olhos que tanto me olhais?
Quase que morro ao pensar
se é meu vosso doce olhar
ou se comigo brincais.
Abandonei meus cuidados
ao ver-vos, Senhora minha;
julguei de todo passados
os dias amargurados,
duma tristeza daninha...
...Que não podia cuidar
que os olhos com que me olhais,
me pudessem enganar,
ou me pudessem matar
não me olhando nunca mais.
Descuidoso e alegre via
só risos no pensamento;
o meu coração vivia
sem sombra de dor sombria,
sem sombra de sofrimento.
Vivia só para amar
vosso olhar com que me olhais,
não me podendo lembrar
que se podiam tornar
vossos olhos desleais.
Um dia -- porquê bem sei --
imaginei-vos traidora;
meus cuidados retomei,
a minha tristeza achei
por vossa causa, Senhora.
Hoje sofro ao duvidar
-- olhos que tanto me olhais --
se é meu vosso doce olhar
ou se me andais a enganar
ou se comigo brincais.
Algas
Não me andais vós a enganar
olhos que tanto me olhais?
Quase que morro ao pensar
se é meu vosso doce olhar
ou se comigo brincais.
Abandonei meus cuidados
ao ver-vos, Senhora minha;
julguei de todo passados
os dias amargurados,
duma tristeza daninha...
...Que não podia cuidar
que os olhos com que me olhais,
me pudessem enganar,
ou me pudessem matar
não me olhando nunca mais.
Descuidoso e alegre via
só risos no pensamento;
o meu coração vivia
sem sombra de dor sombria,
sem sombra de sofrimento.
Vivia só para amar
vosso olhar com que me olhais,
não me podendo lembrar
que se podiam tornar
vossos olhos desleais.
Um dia -- porquê bem sei --
imaginei-vos traidora;
meus cuidados retomei,
a minha tristeza achei
por vossa causa, Senhora.
Hoje sofro ao duvidar
-- olhos que tanto me olhais --
se é meu vosso doce olhar
ou se me andais a enganar
ou se comigo brincais.
Algas
quarta-feira, agosto 01, 2007
Figuras de estilo - Eugénio de Andrade
Em frente da porta de entrada havia uma arca enorme. Sei que nessas arcas arrumam os pobres tudo o que têm: a roupa do corpo, a roupa da cama, o milho para moer, o pão e a faca embrulhados num pano de linho grosseiro. Lembro-me do cheiro que sai da arca ao abrir -- e é um cheiro forte, são, de frutos naturais que a terra dá.
Prefácio a Os Amantes Sem dinheiro
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