A Suiça é seguramente
um dos países mais admirados do mundo. Mas é também um dos mais detestados.
Mais detestado do que
os EUA, do que a Rússia, do que a China? Mais detestado do que a União
Europeia?
Seja qual for a
resposta a esta questão, o país helvético é um exemplo que merece ser
reflectido a propósito da democracia e dos poderes que mandam around the world.
A Confederação
Helvética tem pouco mais de 8 milhões de habitantes. Comparada com Portugal
quase se poderia dizer que é um pequeno país. Um pequeno país com altas
montanhas. Nós temos a ilha do Pico e a Serra da Estrela, 2.000 metros de
altitude, que eu saiba, no Pico nunca neva.
Politicamente, vale a
pena comparar Portugal com a Suiça?
Sim, acho que vale a
pena.
Portugal é um país
com um glorioso passado de descobridor das sete partidas do mundo, a Suiça não
descobriu nada, nem sequer tem mar. Como disse o Orson Wells, descobriu o
relógio de cuco.
Portugal não teve propriamente
guerras de religião, a Suiça teve o Jean Calvin e os seus seguidores e outros
da mesma estirpe, durante imenso tempo andaram-se a matar uns aos outros por
causa de questões teológicas.
As nossas guerras
teológicas, conduzidas pela inquisição espanhola, elegeram uma vítima
privilegiada, os judeus. Uma guerra com fogueiras, torturas, massacres,
expulsões. Entre o Jean Calvin e a Inquisição, venha o diabo e que escolha.
Portugal é um país
falido, sem indústria, sem pescas, sem agricultura, tem mais de um milhão de
desempregados e, pelo menos, dois milhões de pobres com fome.
A Suiça é um dos
países mais ricos do mundo, domina as indústrias farmacêutica e alimentar, é
rainha da relojoaria, do queijo gruyère e da raclette. Tem a Nestlé e a Migros,
é o país das grandes multinacionais. Tem o segredo bancário e os bancos, claro.
Nós temos o Jerónimo
Martins que imigrou para a Holanda. Somos um país especializado na emigração. É
quase certo que os pouco mais de dez milhões de habitantes que temos
actualmente desaparecerão até ao final do séc. XXI, talvez, na melhor das
hipóteses, até 2.150. O último sobrevivente que apague a luz.
Voltemos ao princípio.
A Suiça é detestada por muita gente, sobretudo de esquerda, não há volta a dar.
Portugal nem é detestado, nem é amado. Para todos os efeitos, este país, como
diria a Ivone Silva é um colosso, está tudo grosso, está tudo grosso! Um país
de sarjeta, que desperta em alguns passantes mais atentos e caridosos vagos sentimentos
maternais e cristãos, coitados dos portugueses!
A Suiça é rica, é
próspera, defende com unhas e dentes o segredo dos cofres dos seus bancos da
Bahnhoffstrasse de Zurique, os quais acolhem de braços abertos as fortunas de
todos os ditadores, torcionários, capitalistas delinquentes, ladrões da alta
finança, traficantes de armas, et j’en passe.
Zurique é a capital
do arquipélago da roubalheira off shore. Off shore, fora da lei, fora da
decência e da justiça, paraíso para criminosos. Sendo a capital deste
arquipélago internacional da finança fora da lei, é supremamente justo que a
Suiça figure no ranking dos países mais detestáveis. Detestemos, então, também
as outras ilhas do arquipélago europeu desta roubalheira: Luxemburgo, Reino
Unido, Liechtenstein, San Marino.
Portugal também tem
ilhas, sobretudo ilhas falidas como a Madeira, mas a zona franca que por lá foi
instalada não chega ao patamar superior do off shore, está limitada a corruptos
nacionais. Por tudo isso, ficamos moralmente em vantagem em relação à Suiça. Não
seria justo que alguém nos incluísse no ranking capitaneado pela
Bahnoffstrasse.
Até a este momento da
nossa comparação, ganhamos à Suiça, a zona franca da Madeira não é a
Banhoffstrasse e Portugal não pertence à confraria mundial dos fazedores de
miséria, de guerras e de pobreza. Valha-nos isso, é uma espécie de vitória
moral.
Mas, se passarmos à
comparação do sistema político dos dois países, penso que Portugal perde a
vantagem.
A Suiça tem quatro
línguas oficiais e uma longa história de desentendimentos internos entre latinos
e germânicos, entre protestantes e católicos, entre culturas opostas. Mas,
talvez por estarem entalados entre grandes potências europeias que ameaçavam a
sua autonomia, esses povos resolveram tomar juízo e decidiram unir-se, superando
as divergências e as diferenças que os separavam. Com o tempo, tornaram-se um
país soberano, com fronteiras internacionalmente reconhecidas e um estatuto,
que é excepcional e que o próprio Hitler teve que reconhecer, de neutralidade.
A construção da
confederação helvética foi um longo processo de unificação dos seus 26 cantões
num único país. O milagre que deu vida a esta unidade chama-se democracia
directa.
Os detentores
oficiais da democracia que vigora em Portugal, os jornalistas, os comentadores,
os feitores de opinião, os políticos encartados, quando ouvem falar de
democracia directa sacam logo da pistola, como se estivessem num filme do
Sergio Leone.
Toda essa panóplia de
gente, que concentra os poderes implícitos e explícitos que governam Portugal, leva
muito a sério a célebre afirmação de Winston Churchill, citada a propósito e a
despropósito de tudo e de nada: “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas
que têm sido experimentadas de tempos a tempos”. E concluem: não há alternativa
à democracia representativa.
Democracia
representativa, coisa simples e exemplar: de 4 em 4 anos vota-se, escolhem-se
os representantes, que vão para o parlamento, ou que vão para as assembleias
municipais e para as autarquias. Alguns desses felizes eleitos acabam no
governo. De 5 em 5 anos, escolhe-se o Presidente da República. Eleição por
sufrágio universal. Já lá vão quase 40 anos e ainda não se percebeu muito bem
para que serve tão alto personagem.
No seu conjunto,
todas estas eleições da democracia representativa representam muitos e bons anos
durante os quais muitos dos dignos representantes eleitos acham que chegaram ao
topo da elite local ou nacional e, ao mesmo tempo, aproveitam para ir enchendo
os bolsos propriamente ditos e, porventura, os de alguns amigos do coração.
A democracia
representativa assenta num princípio basicamente exorbitante, irracional e
completamente fantasista: eu, eleitor, confio neste tipo em quem vou votar, não
o conheço, nunca me foi apresentado, não conheço nem as suas ideias nem a sua
ética pessoal, mas estou certo em consciência que durante os próximos 4 ou
cinco anos, ele vai seguir escrupulosamente, embora também nunca o tenha lido,
o programa político que o partido dele apresentou a esta eleição. Acredito
piamente que o homem vai cumprir fielmente com as obrigações inerentes ao cargo
que vai ocupar, acredito que não vai favorecer ninguém em particular, que não
vai roubar, acredito que vai apenas servir o país. Estou certo que, quando
acabar o seu mandato, não vai ser mais rico do que era antes de para lá entrar.
Sejamos sensatos e comedidos.
Para quem não andar por aí apenas para ver passar comboios, se bem que eles
sejam cada vez mais raros, é certo que vivemos no pior dos mundos possíveis. Um
mundo onde, em continuum, tende a pontificar o mal absoluto. Não há santos
profissionais que nos valham, lembremo-nos do Vaticano, do Banco Ambrosiano, da
Máfia, do Pio XII, do Hitler, do Estaline, do Mao e seus seguidores, do
imperador Hiroito, do George W. Bush, do Bashar Al Assad…
A lista não tem fim,
cada dia a história confirma a opinião do historiador católico britânico Lord Acton: “O poder tende
a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes
homens são quase sempre homens maus”(1897).
Infelizmente, não são
se trata apenas dos grandes homens, muitas vezes os piores e mais maléficos são
os “pequenos” homens, pequenos deputados, pequenos vereadores, pequenos chefes,
pequenos ministros, pequenos presidentes de câmara, pequenos representantes
disto e daquilo.
A democracia dita representativa é o caldo
venenoso que alimenta essa gente alvoroçada, todo esse mundo deslumbrada pelo
poder. Um veneno que os torna a todos capazes de todas as patifarias.
Viva então a democracia representativa, é o
melhor dos sistemas que os humanos conseguiram inventar. Triste constatação.
Voltemos, então à Suiça. Tem os lagos, tem as
montanhas, a neve, a Banhoffstrasse. E tem a democracia directa.
O último exemplo de democracia directa suiça deu para
o torto. É o resultado tangencialmente favorável ao controle da imigração
oriunda da união europeia.
Este texto já vai longo, por isso, não me vou
referir às implicações e ao significado desta decisão colectiva. Os suiços não
têm, não podem ter razões de queixa da imigração, a sua decisão é puramente xenófoba,
é arrogante e economicamente errada. Problema deles? Não é apenas um problema suíço.
Se olharmos à volta, reparemos no que se tem passado em Itália, em França, no
Reino Unido, na Alemanha e por aí adiante. Há uma xenofobia europeia.
Aprofundemos, então, a questão da democracia
directa.
Um dos instrumentos principais da democracia
directa é o referendo de iniciativa popular. Através deste tipo de referendo, o
povo intervém na política, impõe soluções, corrige, incentiva, defende
direitos. O povo deve ser inteiramente soberano. Mas o povo não é o Papa do
Vaticano. Enquanto o Papa é infalível, o povo pode enganar-se. Os suiços
enganaram-se, cometeram um erro grave no referendo sobre a imigração. Mas
noutros referendos, foi o povo que impôs políticas e decisões socialmente mais
justas e “progressistas”.
A lição que importa sublinhar é que, através do
referendo, o povo mantém os órgãos de governo sob permanente escrutínio.
Quem governa, sabe que “we are watching you”, é o
big brother democrático.
Há quem goze com a
Suiça, dizendo que o desporto nacional suíço são os referendos.
Em Portugal, onde o
desporto nacional é o futebol, temos referendos de iniciativa parlamentar.
Na Suiça, um
referendo popular pode ser lançado por qualquer cidadão ou cidadã com direito
de voto, contra qualquer decisão de órgãos de governo.
A democracia directa
não se esgota no direito ao referendo, mas começa num direito elementar que
deve ser reconhecido a qualquer cidadão. Direito que consiste em ter o poder de
intervir na vida política através de iniciativas que procurem corrigir, sancionar,
inovar, moderar a actividade dos políticos e dos órgãos de governo, a todos os
níveis, local, regional, nacional.
A democracia
representativa tornou-se uma espécie de barbitúrico, que serve para adormecer o
povo e confortar na sua mediocridade e ignorância a gente que nos governa. Eles
andam por aí à rédea solta, têm que ser travados. Travados, como?
Comecemos, por
exemplo, pelo topo da hierarquia que nos está a destruir enquanto país,
enquanto pessoas e enquanto sociedade. Reclamemos um referendo para destituir o
Presidente da República, por incompetência e conluio com os inimigos do país e
do povo.