Meu querido Pai,
Escrevo-lhe finalmente esta carta após
meses a escrever-lhe na minha cabeça. Vou ter que dizer algumas palavras no lançamento
do seu livro daqui a umas semanas e há tanta coisa que eu gostaria de dizer.
Sei que não conseguirei dizer nessa noite aquilo que eu gostaria de lhe dizer.
Sei também que a emoção será muita.
Há uma semana foram os meus anos. Os meus
primeiros anos sem o Pai. Com certeza teríamos falado ao telefone, tal como falámos
naquele Domingo antes do Pai nos deixar. Foi uma conversa tão boa. O Pai
contou-me do seu romance, foi uma conversa tranquila e longa. Faz agora cinco
meses. Foi pouco antes desse fatídico dia 1 de Maio, quando o Pai nos deixou
assim de repente sem um ultimo adeus. Se o Pai tivesse podido escolher um dia
para nos deixar teria sido esse dia com certeza, o dia do trabalhador, o dia
dos direitos sociais, um dia a’ sua medida. Entretanto ficou o seu livro (or rather, os seus livros), o Pai foi-se
embora, for ter com a Avó Maria. Como a sua Tia de Coimbra nos disse, estão
agora os dois juntos a rirem-se um com o outro.
Passavam-se meses sem que falássemos um
com o outro e não tínhamos sequer um contacto regular. Mas o Pai era uma parte
de mim. Muito do que eu sou hoje é o Pai; os seus gostos, os seus genes, a sua
calma, o seu jeito. Claro que sou também muito de outras pessoas, como a Leonor.
Perder alguém não é só perder essa pessoa, perder a sua presença, e saber que há
agora apenas ausência. É também perder alguém que nos ama. O Pai não era
perfeito (but then again, who is?) e nós
que convivíamos com o Pai sabemos como podia ser por vezes uma pessoa difícil,
mas também sabemos o quão especial o Pai era; o seu vasto conhecimento, a sua
inteligência, a sua sensibilidade, o seu carinho. Não falávamos com
regularidade e claro está há 20 anos que parti para Inglaterra (tal como o Pai
partiu para França em anos idos), mas eu sempre soube que o Pai me amava muito
e que tinha muito orgulho em mim, e mais fundamentalmente que eu era uma parte importante
da sua vida, da sua existência.
Perder alguém a quem pertencemos, é perder
uma parte importante da nossa vida. É fechar uma porta a parte da nossa
identidade. Ficam claro as memórias (recorda-se dos nossos almoços às sextas-feiras?
Quando o Pai esperava por mim a’ porta do liceu francês? Lembra-se quando
ofereceu-me a mim e ao meu namorado um bilhete par irmos ver Gone With the Wind no grande auditório
da Gulbenkian? Lembra-se dos concertos todos a que fomos juntos? Lembra-se dos
nossos passeios no Jardim Luxembourg? Lembra-se de ter chamado Besta Quadrada
ao Henrique VIII, não se apercebendo que o meu marido inglês o percebia?
Lembra-se daquelas refeições todas maravilhosas que partilhámos?) – ficam
também os gostos e os jeitos, que continuam a ser parte de mim e dos meus
filhos, os seus netos que tanto têm do Pai.
Entretanto, durante o verão, li o seu
livro, o romance; Amor e Utopias. O livro é o Pai, e sinto que o livro é o seu
legado para nós. O livro é o Pai through and through. Mais uma vez, se pudéssemos
prever estas coisas, este teria sido com certeza o legado que o Pai quereria
ter-nos deixado. Obrigada. Fica esse bom legado connosco.
Entretanto vou continuando a escrever-lhe;
se não for aqui, no seu blogue, será na minha cabeça. Sei que o Pai me escuta;
as minhas palavras de estrangeirada, onde o português me vai faltando, mas onde
a memória ficara cá sempre. Sei que não tenho o dom da palavra que o Pai tinha,
mas sei também que o Pai sabe o quanto o amo e quanto as minhas palavras são
sinceras. Escrevo-lhe e imagino-o naquela encosta de Lisboa, onde tudo é mais
calmo, o céu azul, sempre, e o rio lá ao fundo.
Muitos beijinhos Pai,
Cristina
PS: Para todos que seguiam o Blogue do meu
Pai, as minhas desculpas por ter usurpado este espaço, mas para mim é uma forma
de comunicar mais directamente com ele. Para todos potencialmente interessados
no romance que o meu pai escreveu, o lançamento terá lugar a 29 de Outubro. Se
quiserem mais informações, entrem em contacto comigo: c.c.leston-bandeira@hull.ac.uk
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