PEDALAR É PRECISO!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

LIÇÕES BRITÂNICAS SOBRE AS CRISES DE SOBERANIA


Os resultados da cimeira europeia de 9 de Dezembro, apresentada por Sarkozy como a cimeira da última oportunidade, suscitaram uma torrente de comentários entusiásticos. Pareceu-me tudo um bocado forçado e prematuro.


Passado o fim-de-semana, a maré dos encómios parece ter arrefecido.


Na segunda-feira, as bolsas avermelharam, na terça continuam vermelhas.


Ainda na segunda-feira, o provável próximo presidente francês François Hollande veio declarar quase solenemente que, se for eleito, vai renegociar aquela coisa que foi acordada na dita cimeira, sob imposição da Alemanha, coisa que não é um tratado, mas que alguns insistem em designar como tratado inter-governamental, como se tal coisa existisse.


Mas a nota dominante do pós-cimeira foi a grande ofensiva mediática contra o Cameron inglês. O próprio vice-primeiro-ministro inglês liberal malhou no homem.


Tudo muito sintomático do clima de medo e de pânico a que chegaram os euro-entusiastas.


Propaganda anti-inglesa à parte, ainda não se sabe quantos países é que afinal vão assinar a tal coisa. São 26 ou, afinal apenas 23, ou, sabe-se lá, talvez menos?


O que é que se deve reter de toda esta história de cimeiras da última oportunidade? Por mim, vale a pena reter principalmente algumas lições britânicas.


Primeira lição: quando, no início do século XIII, o parlamento inglês impôs a Magna Carta ao rei João Sem Terra, ficou então assente que ninguém, seja quem for e quaisquer que sejam as circunstâncias, está mandatado para exercer o principal acto de soberania de um país, o qual consiste em fixar e aprovar impostos. E ficou escrito que tal acto pertence exclusivamente ao parlamento.


Na circunstância da dita cimeira de 9 de Dezembro, poderia o primeiro-ministro inglês, Cameron or not, convidar a doutora chanceler alemã Merkel para ser ela a decidir sobre o orçamento do Reino Unido, país que teve o privilégio histórico de impor há oito séculos a Magna Carta ao Joãozinho sem terra?


Segunda lição, que não foi devidamente ponderada, apesar do actual desastre resultante de anos e anos de fantasias comunitárias europeias.


Os mandões da chamada união europeia, cujo aparelho de propaganda desencadeou uma operação sem precedentes contra o primeiro-ministro inglês, deviam dar-se por felizes por terem o Cameron em Downing Street. É que, no limite a que as coisas chegaram e face ao que pensa a opinião pública britânica, ele é o único político que tem neste momento capacidade para impedir que o United Kingdom saia da tal de união europeia.


Porém – e essa é a grande, a verdadeira grande questão - resta saber de que união se trata.


A ocasião é propícia para se debater, pela primeira vez discute-se a Europa. Debata-se, então, a Europa, ou seja, passemos das abstracções que nos têm sido impingidas pelos burocratas de Bruxelas ao longo dos anos e pensemos a Europa real.


A Europa não existe, existem várias e elas são todas muito diferentes. Existem interesses comuns? Existem alguns, claro, esqueçamos as guerras. O principal e óbvio interesse comum inter-europeu, o interesse decisivo é o comércio.


O comércio não envolve apenas transacções de coisas e de serviços, o comércio tem a ver com pessoas e com culturas, ele é a mais pacífica e profícua das actividades inventadas pelos homens. Sejamos, pois, realistas, apostemos no comércio entre europeus como base para um entendimento pacífico entre as nações do velho continente. Aprofundemos esse entendimento em bases sólidas.


Terceira lição inglesa, consequência da anterior. Os british estão muito interessados em pertencer a um conglomerado europeu, que dantes se chamava Mercado Único Europeu e que depois derivou para perigosas fantasias, a mais perigosa das quais é a chamada moeda única, o fatídico euro.


Estão interessados em comerciar com os outros europeus, mas não prescindem da sua moeda. Estão interessados em manter relações económicas e culturais com os seus vizinhos do continente, mas não aderiram nem vão aderir ao chamado espaço Shengen.


Talvez outros países queiram ter entre si uma moeda comum, talvez não se importem de abrir as suas fronteiras. Entendam-se, aprendam a conhecer-se. Mas, para isso, não é preciso fundar um bloco granítico, estilo império germânico.


O Cameron e a maioria dos ingleses estão interessados na convivência com o pessoal do “continente”, mas não querem blocos, querem continuar a ser british, não querem patrões. Querem continuar livres e soberanos.


Nunca renunciarão aos princípios básicos da democracia moderna que eles fundaram.


Continuam a ser uma peça-chave da liberdade dos povos europeus e, por isso, de algum modo todos os europeus se devem sentir ingleses. Os europeus com memória continuam a reverenciar Winston Churchill.


Esperemos que os povos do continente apreendam a lição da democracia britânica e não se deixem intimidar pela polícia germânica.


Polícia germânica, vem a propósito para um último comentário.


Talvez a cimeira de 9 de Dezembro tenha sido a da última oportunidade.
Da última oportunidade para a Alemanha, entenda-se.


A chanceler Merkel conseguiu nessa reunião do tudo ou nada exactamente tudo o que queria, impôs a sua vontade, esticou a corda até aos limites. Penso, no entanto, que foi uma jogada demasiado arriscada, que poderá virar-se contra os interesses da vontade de poder germânica.


A disciplina, as invasões de soberania e as punições impostas pelos alemães vão ser um fiasco. A disciplina alemã não vai resolver a crise chamada de dívida soberana, que na realidade é uma crise social que não contempla últimas oportunidades para muitos e muitos desgraçados. Vai provocar revolta e miséria, miséria e revolta. Belo cocktail!


Falhando a disciplina alemã da última oportunidade imposta aos países europeus com a corda na garganta, o que é que tem a Alemanha para oferecer? Terá um plano B (C, D…)?



sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

GOD SAVE THE QUEEN!


Quatro da manhã, hora fatídica, apareceu-me o Sarkozy na televisão. A culpa não será apenas da insónia propriamente dita. Porque cada insónia tem a sua explicação. Talvez tenha que desligar na minha cabeça o interruptor das cimeiras da chamada união europeia. Porque daí não sai nada que valha a pena e muito menos coisa que substitua uma noite de descanso.


Lá estava o Nicolas dos anúncios do licor beirão, em Bruxelas eram cinco da matina, o homem tinha um ar cansado mas estava perfeitamente desbarbeado e penteado, imagino que terá também sido massajado, ser presidente tem exigências mas também as suas compensações.


Estava em Bruxelas e apareceu no ecrã emoldurado pela bandeira francesa tricolor, parecia que estava em casa. Nos últimos tempos, esta cena tem-se repetido, ele com a bandeira tricolor ao lado a explicar o inexplicável e a defender tudo e mais alguma coisa e o seu contrário.


No meio da minha insónia, esforcei-me por perceber o que é que o homem tinha de importante para anunciar.


Respondeu a muitas perguntas de jornalistas, repetiu-se, mas as perguntas que eu gostaria de lhe fazer não tiveram resposta.


Sobre o reforço do papel do BCE e sobre as euro-bonds, o homem não foi explícito.


Deixou cair a certa altura que o BCE ia passar a emprestar directamente dinheiro aos bancos europeus à taxa de 1% e que esses bancos poderiam comprar dívida aos respectivos governos, o que obviamente teria inúmeras vantagens, em particular a de por à disposição dos governos em dificuldade taxas de juro muito mais favoráveis do que as que são praticadas pelos famigerados mercados.


O Nicolas disse isto entre as quatro e as cinco da manhã, hora portuguesa, mas esta versão não foi confirmada por mais ninguém. Deve, pois, ser treta explicável pelo adiantado da hora.


Nesta sexta-feira negra anunciada como a da salvação do euro, o que eu ouvi, algumas horas depois da performance sarkosiana, é que o BCE ia emprestar até 200 mil milhões de euros ao FMI, para que, na posse de tão extraordinária quantia, essa venerável instituição se digne impor a alguns países europeus em dificuldades a oportunidade de se submeterem às draconianas condições, incluindo taxa de juros, do fundo da sra. Lagarde, sucessora do saudoso DSK.


Ò Sarkozy, apesar de devidamente escanhoado e maçajado às 5 da manhã, hora de Bruxelas, não conseguiste, em directo para as televisões, disfarçar que estavas mesmo chateado. Tinhas razões de sobra.


Chateado, impotente e a fazer um triste papel.


É inevitável, a cimeira desta negra madrugada de 9 de Dezembro de 2011 vai ser uma triste recordação para ti, Nicolas.


Repara bem, a doutora em Física, ex cidadã RDA e actualmente chanceler alemã Angela Merkel conseguiu obter nesta infernal cimeira aquilo que nenhum outro chanceler alemão seu antecessor conseguiu. A mulher tem mérito, conseguiu pôr a Europa de joelhos. E tu ajudaste, Nicolas, é o teu karma!


Repara bem, Nicolas, não houve propriamente nada de novo quanto aos tratados europeus de que tanto se tem falado.


O que foi decidido nesta madrugada negra quanto ao essencial das punições, regras e consequências para quem não cumpre os pactos de estabilidade e crescimento, vulgo PEC’S, tudo isso já está previsto no tratado de Maastrich, cidade holandesa de triste memória.


Os primeiros e únicos que prevaricaram contra esse tratado foram, aliás, a Alemanha e a França.


Resumamos, Alemanha e França têm esta tradição de países com aspirações imperialistas que é a de imporem regras e castigos aos países menores que não sabem obedecer às regras. Obviamente, essas regras não são aplicáveis a quem tem autoridade para mandar.


O que é que há então de novo no novo projecto de tratado?


O que há de novo é que quem assinar o dito tratado vai assumir explicitamente e sem qualquer margem para dúvidas que doravante se submete ao domínio germânico sobre a Europa. Passa a haver uma lei, a lei de Berlim e em breve a língua dominante passará a ser o alemão.


Percebo que estejas chateado, Nicolas. Tens andado a fazer figura de parvo e, nas próximas eleições, em Abril vai-te acontecer o mesmo que aconteceu ao Lionel Jospin em 2002, quando ele ficou atrás do LePen e não foi à segunda volta das eleições com o Chirac.


Talvez porque estava apanhado no meio da minha insónia televisiva, tive a sensação de que havia muitas coisas importantes que estavam a acontecer e sobre as quais não conseguia encontrar explicação. É natural, a televisão é apenas uma mise-en-scène para durar meia hora, é coisa que se usa e logo a seguir se deita fora, prazo de validade efémero.


Mas, antes de voltar a adormecer, ficou a trotar na minha cabeça uma questão óbvia.


Os países que vão assinar, até Março, o tal de novo tratado – que, de facto, não é novo – aceitam ser punidos por incumprimento das regras estipuladas pelo tal tratado – regras que já existem desde Maastrich. As punições poderão ir desde o pagamento de multas até a perda de direitos de voto e coisas no género.


Mas o que é que acontece se um determinado país chegar à conclusão que já não está interessado em continuar no euro ou na UE?


O tratado é omisso sobre essa hipótese.


Quando foi da história do referendo grego do Papandreou, a Merkel e o Sarkozy deram a sua sentença: se a resposta grega fosse desfavorável, os gregos tinham que sair do euro. Ora isso, não estava previsto nos tratados e o primeiro a chamar a atenção para a incongruência franco-germânica foi o novo presidente do BCE, o italiano Mário Draghi.


O que é que diz o novo trado sobre isso? É omisso, ou seja, se assinas o tratado germânico-francês, sujeitas-te para toda a vida a andar a pagar multas e a ser escravo, sem direitos, só obrigações, só punições. Ou obedeces, ou és invadido e ocupado.


A União Soviética, ao pé disto, foi um império democrático.

Por outras palavras, saberão os países europeus, que não pertencem à elite dos países nórdicos virtuosos que, no momento em que assinarem o supostamente novo tratado, estarão a assinar a sentença de morte da sua liberdade e da sua soberania?


Perceberão que essa assinatura não lhes deixa qualquer margem de recuo em relação às imposições do euro e da ditadura germânica?


Não, a maior parte dos representantes dos países que estiveram na cerimónia da sexta-feira negra de Bruxelas não conseguem ou não querem perceber, fazem cálculos, fantasiam, para eles o euro é uma espécie de pai natal, acreditam, fazem sorrisos parvos.


Ò Nicolas, fizeste um triste papel e tens consciência disso.


Mas, o que te custou mais a engolir foi que o Cameron inglês te tenha mandado dar uma volta a ti e ao teu tratado germânico. Será que pensaste em Vichy e no Pétain?


O Cameron é o Cameron, é a burguesia conservadora britânica, a da Thatcher. Deus lhes perdõe.


Mas, no transe que estamos a viver neste para já desgraçado novo século e milénio, tal como em 1939, do que precisamos é duma frente de recusa de ditaduras continentais e de neo-fascismos.


Valha-nos, pois, a velha Albion. God save the Queen!