Esta história dos feriados que o governo quer abolir é uma triste história. Triste história dum país cada vez mais triste.
Temos um governo de direita dura, direita duramente neo-liberal. Há muitos governos desses por aí, por essa Europa à deriva e à beira do abismo do default.
Ainda hoje uma das célebres agências de salteadores internacionalmente reconhecidas e receadas, a Moody’s, veio anunciar que o tal de default, falência, bancarrota, falta de dinheiro é o que quer dizer a palavra inglesa, o tal default ameaçava toda a zona euro, incluindo obviamente a Deutschland über alles.
A Moody´s não mencionou explicitamente os outros 10 países europeus da ex-CEE. Esqueceu-os, mas não devia esquecer, porque esses países estão todos na bicha (passe a palavra) do tal de default. Como por exemplo, a Inglaterra e a Hungria, já para não falar da Roménia e da Bulgária, mas estes são países onde 99% da população há muitos anos vive na miséria do default, ou seja, gente que não tem que comer. Adelante.
Temos então o nosso democrático governo de direita, fidelíssimo governo de sua majestade frau Merkel, ela diz mata-se, o Coelho diz esfola-se (credo, sr. Coelho, que raio de ideia!). A sra. Merkel é contra os eurobonds, o sr. Coelho acrescenta: abaixo essa perigosa heresia! A sra. Merkel bate com o punho na mesa, o BCE apenas tem que se preocupar com a inflação e a estabilidade dos preços, o sr. Passos aplaude desmedido e eufórico.
A CGTP e a UGT organizam a greve geral, muito povo segue, muito povo luta e até alguns vêm para a rua, o sr. Coelho não fica nada preocupado, sente que tem o dever cumprido, é um bom aluno mais merkelista e troikista do que os seus patronos.
Mas tudo isto, esta história da euro-zona, da UE, está tudo a ir na enxurrada duma tempestade tsunâmica que ninguém já consegue evitar, nem o Obama, nem a Merkel, nem o Monti, nem o fantasma do Mao Tse Tung. E nada do que se passa aqui neste Portugal à beira do mar da palha e do fado património “mundial”, nada é relevante, tudo o que vier a acontecer vai acontecer vindo de fora. Vai vir de onde? Sabe-se lá? Do Olimpo dos deuses do rating, da especulação, da ladroagem, aceitam-se apostas.
Quantos viverão para contar tal história só digna de Ulisses e de Homero?
O primeiro-ministro português impõs o seu orçamento made by the troika, discutiu-se, mas só se falou dos cortes dos subsídios de natal e de férias, falou-se dos cortes contra os quais o novo líder do povo da esquerda popular e democrática PS concentrou os seus esforços tácticos de político que quer sobreviver.
Mas não se falou do resto, dos cortes na educação, na saúde, na cultura, nos transportes públicos and so on e principalmente esqueceu-se o mais importante: por que hão-de ser os reformados e os baixos salários a pagar a crise?
Trabalham ou trabalharam pouco, trabalham ou trabalharam mal e, por isso, têm que ser castigados?
A classe dominante tem todos os poderes, não apenas o de ter muito dinheiro e muito poder sobre o dinheiro, sobre os empregos, sobre os benefícios, sobre os tachos, sobre os subsídios, sobre as derrogações aos planos municipais para favorecer os amigos que querem construir um pequeno empreendimento turístico em zona ambiental protegida.
Têm esses e muitos outros poderes, mas de todos o mais criminoso é o que consiste em conseguir convencer, através das suas televisões e outros mass media, aqueles que são a maioria da população, aqueles pobres desgraçados, que trabalharam uma vida inteira, que mal ganhavam ou mal ganham para se sustentarem a si próprios e à sua família, conseguir convencê-los que eles não trabalham ou não trabalharam o suficiente.
Convencê-los que eles são os responsáveis do “empobrecimento” de que nos fala com voz meiga o sr. Coelho primeiro-ministro, e que, assim sendo, têm que se esforçar e que se sacrificar muito mais.
Que poder o dessa gente que apenas tem sabido roubar e explorar, o poder de serem capazes de conseguir que os desgraçados que exploraram e que continuam a explorar se deixem convencer e assumir que têm a obrigação de aguentar e de se sacrificarem mais ainda. Tenho assistido a exemplos disso na televisão. Grau máximo da ignomínia.
Têm que trabalhar mais tempo, é isso, têm que se sacrificar muito mais, Deus é grande!
Mais meia-hora diária, talvez uma ou duas horas daqui a uns meses, o patrão agradece, obrigado sr. Coelho!
Trabalhar mais dias por ano, ter menos feriados, menos pontes.
Acabe-se, pois, com os feriados.
Triste história, diria triste fado, este dos feriados.
Vivemos num estado laico, mas é um estado laico com muitas excepções vaticânicas.
Nas cerimónias oficiais, lá temos quase sempre numa mesinha ao lado mas em cima do palco o sr. Bispo da diocese ou o sr. Cardeal. Tudo como no tempo do dr. Salazar.
Dos mesmos tempos, herdámos o Dia do Corpo de Deus – alguém sabe o que é que isso quer dizer? – e o dia da Nossa Senhora da Assunção (15 de Agosto). Nesse dia de ferragosto, pico do Verão, o povo fica a olhar para o céu tentando vislumbrar o foguetão que leva os anjos que seguram a Nossa Senhora em direcção ao céu. Valha-nos a Virgem Santíssima!
Nunca percebi por que razão é que em vez deste dia 15 de Agosto, não se celebrava o dia anterior, 14 de Agosto, aniversário da grande batalha de Aljubarrota, que selou para sempre o destino de Portugal.
Em Dezembro temos mais um feriado religioso, em que se comemora a mesma senhora santa da dita assunção.
Mas nesta data, a santa senhora chama-se Senhora da Conceição. Conceição, concepção, nunca percebi como é que a mãe de Jesus Cristo conseguiu ficar grávida no dia 8 de Dezembro e dar à luz passadas pouco menos de duas semanas. O Papa é infalível, deve ter uma resposta.
A esta lista de feriados religiosos acrescem ainda a sexta-feira santa e a Páscoa (mas este é um feriado que calha sempre ao domingo), o dia de Natal e o 1º de Janeiro que também é um feriado religioso, dia da paz ou coisa parecida.
Todo este calendário de feriados religiosos já vem muito de trás. Não tenho nada contra, nada contra o direito à preguiça, como diria o ilustre Paul Lafargue, ilustre genro do ilustre Karl Marx.
Mas, se querem acabar com os feriados e castigar o desgraçado povo que trabalha todos os dias úteis do anos, castigá-lo com a sem esperança de um pequeno feriado de tempos a tempos, então acabem com todos os feriados religiosos. Deixem-nos apenas o Natal, pois, além de feriado religioso, é um dia feriado que alimenta muitos empregos.
Mas, atenção srs. vassalos da Frau Merkel, não toquem nos feriados civis. Pequena excepção: porque se trata de um feriado concebido para que a nomenklatura que nos explora se possa pavonear em nome da nação que eles desprezam, não tenho nada contra que acabem com o 10 de Junho, dia da raça, Cavaco dixit, dia de Camões e de mais não sei o quê.
Nos tempos que correm, tempos de abismo euro-europeu, com as fronteiras que de novo de vão fechar e de nacionalismos à solta, não nos retirem os símbolos da nossa independência e da nossa identidade, não toquem no 25 de Abril nem no 1º de Maio. E, em homenagem à República laica de 1910 deixem em paz o 5 de Outubro.
Quanto ao 1º de Dezembro, dia da restauração, mais do que nunca se impõe que se mantenha esse símbolo da nossa sofrida história, para que continuemos independentes e orgulhosos da nossa soberania.
Se querem ir mais longe na memória do país mais antigo da Europa, então substituam o 1º de Dezembro pelo dia 6 de Abril, dia que evoca o ano de 1385, quando o povo português, contra as pretensões do rei de Castela, proclamou nas Cortes de Coimbra o Mestre de Avis como Rei de Portugal e dos Algarves.
A história deste antigo país recordar-vos-á, sr. Coelho e apaniguados, em três linhas de nota de pé de página. Resta-me, pelo menos, essa consolação.