sábado, 31 de outubro de 2015

Constatação simples

Há um bando de tipos talentosos e pontualmente inspirados que nos engana. O Benfica não ganha jogos, o Benfica limita-se a confirmar desfechos inevitáveis. O mais doloroso no meio de tudo isto é que não senti pena dos adeptos do Tondela - merecedores de todo o orgulho que possam ter sentido por terem defrontado o Benfica num jogo da primeira liga; senti antes pena de todos os benfiquistas que possam ter sentido alegria nesta vitória robustinha num jogo absolutamente miserável contra uma equipa cuja existência se desenrola numa realidade paralela, num universo muito abaixo do nosso padrão de exigência e de competência.

Não estou a perseguir Rui Vitória. Dispensam-se perseguições pessoais. A única coisa que persigo é a necessidade de excelência - porque é do Benfica que se trata; porque me habituei a tê-la com regularidade. Aquilo que vejo varia entre o medíocre inspirado e sem oposição e a esperança numa inspiração que é rapidamente aniquilada pela competência científica de quem sabe compreender, programar e concretizar o jogo de futebol. No meio existirão nuances - derrotas curtas, derrotas embaraçosas, empates patéticos e vitórias quase sempre gordas contra adversários necessariamente débeis.

É com tristeza que o escrevo: este Benfica não dá para mais. E pensar no episódio de Madrid como exemplo é acreditar que a excepção sortuda algum dia fará jurisprudência e, assim, se tornará regra. Desenganem-se. O jogo de hoje foi embaraçoso de tão mal jogado. Não estou a ser pessimista nem do contra, estou apenas a experimentar a sensação de ver a bola enquanto vejo o Benfica jogar. E não é bonito.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Incidente de trabalho

Ele há coincidências. Soube do sorteio da Taça de Portugal quando estava a escrever o texto que se segue para um próximo trabalho:

"O primeiro derby lisboeta foi disputado a 1 de Dezembro de 1907. O Sporting venceu por 2 – 1, nem eles sabem como. Este derby selou definitivamente uma rivalidade que nascera meses antes, quando os riquinhos manhosos do Sporting haviam aliciado vários jogadores do Benfica – oito desses peseteros miseráveis de merda mudaram-se mesmo para o Sporting.

-Desde 1907, realizaram-se 295 jogos oficiais entre os dois clubes. O Benfica ganhou a maior parte deles, o Sporting ganhou alguns mas com sorte e com aquelas ajudas e ainda houve 61 empates, porque de vez em quando as equipas empatam, mesmo quando são de categorias muito distintas. O Benfica marcou 505 golaços e o Sporting teve sorte pouco mais de 400 vezes.

-Para o campeonato nacional, disputaram-se 161 jogos. O Benfica ganhou quase todos, o Sporting nem chegou aos 50 e houve 41 empates.

[ESTES NÚMEROS TÊM DE SER ACTUALIZADOS DOMINGO CERCA DAS 19.00]"

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Em busca do Zen

A minha samana de derby começou muito mal. Fiquei sem meias, por causa da chuva. Choveu tanto que nem deu para lavar e estender roupa. Então só me sobraram daquelas peúgas anãs que não chegam nem ao tornozelo. Os soquetes, como se diz no Brasil. E estes já são velhotes, o elástico perdeu a força. Então vim trabalhar com metade dos soquetes debaixo dos calcanhares, tudo enrolado dentro das sapatilhas. A primeira coisa que fiz quando cheguei ao trabalho foi descalçar-me e puxar as mini-peúgas para cima.

Eu levo estas coisas a sério. Para a maioria, pode parecer ridículo ou sem importância. Mas eu acho pouco digno. Começar um derby desconfortável dos pés não é o melhor dos presságios. Naturalmente, estou agitado. Não vai ser fácil dormir com tranquilidade até domingo. Parece que há jogo da Champions a meio da semana. O ideal seria enviar a equipa B para a Turquia e poupar os titulares para domingo.

Há uma semana acordei - isto é tão verdade que quase sinto vergonha - com um grito. Um grito meu. Acordei a berrar "caralho pró Sporing!" e fiquei assustado com o sobressalto, com o próprio grito e com o conteúdo do grito. E depois lembrei-me do sonho: o Benfica perdia um a zero, outra vez, e aparecia uma retrospectiva na televisão "desde que Jorge Jesus chegou ao Sporting, o clube de Alvalade bateu sempre o seu rival por um a zero".

Estou inquieto. Apreensivo estava na sexta-feira, antes de o Jardel marcar aquele golo à campeão. Agora estou muito pior. E pior ainda é que acho que estas premonições estão todas erradas e vamos ganhar à antiga. Isso dá-me esperança. E ter esperança é uma enormíssima merda. O melhor antes de um grande jogo é não querer nada e não pensar em nada, é transformarmo-nos num receptáculo cósmico onde tudo cabe e tudo se digere.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Do maravilhoso imprevisível

Se há coisa que um dia posso vir a agradecer a Rui Vitória é a devolução do futebolismo ao futebol do Benfica. Não, ainda não estou na fase de dar palmadinhas nas costas do nosso treinador. Quando chegar o dia - se esse dia chegar - de engolir os sapos por tudo o que penso, disse e escrevi sobre Vitória, sugiro que troquem os tais sapos por pernas de rã (e então abro uma garrafa de champgne sério e caro e atiro-me ao castigo com a gula do perdedor que, no fim das contas, saiu claramente a ganhar).

Mas não chegámos tão longe, o nosso caminho ainda é curto. Estou a falar de futebolismo. Ontem, respondendo a várias solicitações do tipo "então e logo?", reagi com a ingenuidade legítima de quem não faz ideia do que pensar sobre "logo". E é a recuperação desse lado místico e indecifrável que eu poderei um dia agradecer a Rui Vitória.

O passado recente habituou-me a sistemas lógicos em que o Benfica ganhava uma enormíssima percentagem dos jogos que tinha que ganhar e em que nunca conseguia contrariar as probabilidades e desfazer as derrotas que se adivinhavam no horizonte. O futuro era simples, as previsões eram fáceis: se era de ganhar, ganhávamos quase sempre; se era de perder, perdíamos sem oscilações ou sobressaltos. O Benfica era científico, metódico e rigoroso, concretizava expectativas sem espaço para devaneios, variações ou exuberâncias. E agora tudo mudou.

Bem sei que escrever a posteriori soa sempre a prognóstico de João Pinto. Mas acreditem que não é o caso. Tive esta conversa várias vezes ao longo do dia de ontem. Não sei muito bem onde está o segredo esotérico de tudo isto (porém, alguma coisa há-de estar bem feita, concedo). Mas eu ontem acreditava que era possível - embora altamente improvável - ganhar ao Atlético de Madrid. Porquê? Sei lá. Porque às vezes acontecem coisas.

Não estou com cabeça para explicar muito melhor o que quero dizer. Passei uma manhã nas finanças a tentar perceber como funciona isso do IVA e, antes disso, fiquei uma hora à espera do metro na Linha Azul - até que desisti e pedi o livro de reclamações, enfim, passei uma manhã entre a indignação, a incompreensão e a sensação de estar a ser profundamente injustiçado pelo mundo. Felizmente, levava comigo A Bola e, a cada contrariedade, respondia com uma espreitadela à capa, com Jonas e Gaitán à solta, em festejos.

No fundo, encanta-me esta dimensão em que o Benfica não cria expectativas mas permite ter esperanças legítimas. Não saber o que esperar é muito melhor do que ter exactamente aquilo que se espera, a toda a hora. Percebo agora que tinha, por pudor e excesso de realismo, censurado os meus desejos Benfiquistas. Andava aqui só a ser espectador. Tinha as minhas superstições, claro, calçava as sapatilhas certas, enfiava as meias certas, levava o casaco certo, bebia a cerveja certa - tudo para que nada falhasse. Mas sabia que era a ciência quem mandava, permitia e explicava tudo o que acabava por acontecer. Hoje sinto-me mais livre. Permito-me certos optimismos e tudo. Porque não? A ideia é desfrutar. Às vezes, isto é tudo tão bonito.