terça-feira, 27 de dezembro de 2011
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Os jogadores pelos nomes
Se o futebolista é brasileiro, é bem mais provável que se chame Erivelton Anderson do que João Carlos. Há no Brasil não só um fascínio pelo nome amodernado e criativo, que apresenta claras marcas de importação – as terminações em “on” abundam, por exemplo -, como existe até uma espécie de culto. Não é qualquer António Manuel que chega a craque do Palmeiras. Já um Giovani Edmilson tem tudo para vencer no Inter de Porto Alegre. Se o negócio é futebol, o nome é requisito essencial.
Vem este raciocínio a propósito de uma votação que decorre no inspirado(r) blogue do Constantino e que consiste em eleger o mais criativo nome português da história do futebol nacional. Fica aqui o reparo: mais criativo do que Cristiano Ronaldo é difícil. Tenho para mim que se trata de um caso em que a inspiração na escola brasileira é bastante clara.
Impossibilitados de rivalizar com Rivelinos e Edsons, Rivaldos e Hallisons, os portugueses não se apresentam, no entanto, modestos na competição. Tamagnini Nené ou Minervino Pietra são designações para intimidar até Jocivaltéres e Denilsons. Pessoalmente, divido-me precisamente entre o Minervino e o Tamagnini – estão também, mas com mais modéstia, a concurso João Persónio e Domiciano Cavém. Entre os primeiros dois, não sei quem eleger. Votei no Nené – se ele na dúvida, fazia golo, eu pela dívida só posso elegê-lo.
Com toda esta problemática a envolver-me o espírito, dei comigo em Mafra, para celebração natalícia, e a concluir o que me parece óbvio, claro: a classe média (e alta) urbana está a arruinar o futuro do futebol nacional – e depois queixam-se que temos poucos portugueses nos dois grandes e no Sporting. É que também por cá o nome é requisito. Futebolista tem de ter nome de jogador da bola.
Por exemplo, quando me apresentei no Torreense e me perguntaram o nome, respondi serena e convictamente “Diego” – a contra-resposta foi um olhar unânime, esperançoso, embevecido, cheio de fé de toda a equipa técnica. “Tem nome” diz o espantado adjunto. E todos os outros acenam que sim, ainda um pouco deslumbrados. O massagista quase se ajoelhou, em hipnose autência. A reacção não demorou muito a esbater-se, já que, 10 minutos mais tarde, eu lhes mostrava o meu talento futebolístico. Mas, durante esses ternos dez minutos, eu fui o Messias daquele clube.
Este meu efémero mas pungente sucesso aconteceu graças a um detalhe nada irrelevante. É que eu venho de Mafra. Em Mafra nós chamamo-nos Fábio ou Ruben, Cláudio ou Bruno, Diego ou Renato, ou ainda, mais recentemente, Ivan ou Leocarlos, dependendo da ascendência. Em Mafra somos menos que suburbanos e pouco mais que provincianos. E a classe média destes sítios não vem de famílias de nome tradicional – os nossos pais chamam-se Santos e Sousa e Silva e Torres e Ferreira. É essa a nossa identidade rarefeita porque ainda está em processamento – ali sempre se pertenceu a alguém, desde o feudalismo até ao Estado Novo. E é por isso que é em Mafra que está (até ver) o futuro do futebol nacional – e muito me aborrece que o Dépór ande a comprar chineses e coreanos, Zhangs e Wang Dongs, com tanto Márcio à disposição.
Mas, ainda pior que isto, a tal propagação da tradição da classe média urbana – que, vá lá saber-se porquê, está a mudar a nossa própria tradição de não ter tradição alguma e de se ser sempre o mais criativo progenitor lá da rua – está a colocar em risco a produção do jogador da bola nacional num futuro próximo. Porque quem se chamava Domingos era o meu avô paterno – distinto Benfiquista e trabalhador do campo; quem se chama Evaristo é o meu avô materno – sportinguista sem direito a adjectivo, trabalhou a vida toda numa cerâmica a fazer tijolo (dos poucos que pode gabar-se de o ter feito em vida). E a nossa tradição mafrense diz que devemos mudar, emodernar, evoluir. Não estagnar ou repetir o que já foi feito, chamar o que já foi chamado.
Chamemo-nos Igor ou Weldon. O salvador do nosso futebol não pode chamar-se Salvador; o nosso Dom Sebastião do esférico tem de chamar-se outra coisa, Sebastião é que não. Franciscos e Bernardos dão bons advogados – mas falta-lhes uma designação adequada para darem bons extremos. Cada coisa tem seu nome. E o futebolista português não pode chamar-se Afonso – é desprestígio para o nome e desperdício para o jogador.
Vem este raciocínio a propósito de uma votação que decorre no inspirado(r) blogue do Constantino e que consiste em eleger o mais criativo nome português da história do futebol nacional. Fica aqui o reparo: mais criativo do que Cristiano Ronaldo é difícil. Tenho para mim que se trata de um caso em que a inspiração na escola brasileira é bastante clara.
Impossibilitados de rivalizar com Rivelinos e Edsons, Rivaldos e Hallisons, os portugueses não se apresentam, no entanto, modestos na competição. Tamagnini Nené ou Minervino Pietra são designações para intimidar até Jocivaltéres e Denilsons. Pessoalmente, divido-me precisamente entre o Minervino e o Tamagnini – estão também, mas com mais modéstia, a concurso João Persónio e Domiciano Cavém. Entre os primeiros dois, não sei quem eleger. Votei no Nené – se ele na dúvida, fazia golo, eu pela dívida só posso elegê-lo.
Com toda esta problemática a envolver-me o espírito, dei comigo em Mafra, para celebração natalícia, e a concluir o que me parece óbvio, claro: a classe média (e alta) urbana está a arruinar o futuro do futebol nacional – e depois queixam-se que temos poucos portugueses nos dois grandes e no Sporting. É que também por cá o nome é requisito. Futebolista tem de ter nome de jogador da bola.
Por exemplo, quando me apresentei no Torreense e me perguntaram o nome, respondi serena e convictamente “Diego” – a contra-resposta foi um olhar unânime, esperançoso, embevecido, cheio de fé de toda a equipa técnica. “Tem nome” diz o espantado adjunto. E todos os outros acenam que sim, ainda um pouco deslumbrados. O massagista quase se ajoelhou, em hipnose autência. A reacção não demorou muito a esbater-se, já que, 10 minutos mais tarde, eu lhes mostrava o meu talento futebolístico. Mas, durante esses ternos dez minutos, eu fui o Messias daquele clube.
Este meu efémero mas pungente sucesso aconteceu graças a um detalhe nada irrelevante. É que eu venho de Mafra. Em Mafra nós chamamo-nos Fábio ou Ruben, Cláudio ou Bruno, Diego ou Renato, ou ainda, mais recentemente, Ivan ou Leocarlos, dependendo da ascendência. Em Mafra somos menos que suburbanos e pouco mais que provincianos. E a classe média destes sítios não vem de famílias de nome tradicional – os nossos pais chamam-se Santos e Sousa e Silva e Torres e Ferreira. É essa a nossa identidade rarefeita porque ainda está em processamento – ali sempre se pertenceu a alguém, desde o feudalismo até ao Estado Novo. E é por isso que é em Mafra que está (até ver) o futuro do futebol nacional – e muito me aborrece que o Dépór ande a comprar chineses e coreanos, Zhangs e Wang Dongs, com tanto Márcio à disposição.
Mas, ainda pior que isto, a tal propagação da tradição da classe média urbana – que, vá lá saber-se porquê, está a mudar a nossa própria tradição de não ter tradição alguma e de se ser sempre o mais criativo progenitor lá da rua – está a colocar em risco a produção do jogador da bola nacional num futuro próximo. Porque quem se chamava Domingos era o meu avô paterno – distinto Benfiquista e trabalhador do campo; quem se chama Evaristo é o meu avô materno – sportinguista sem direito a adjectivo, trabalhou a vida toda numa cerâmica a fazer tijolo (dos poucos que pode gabar-se de o ter feito em vida). E a nossa tradição mafrense diz que devemos mudar, emodernar, evoluir. Não estagnar ou repetir o que já foi feito, chamar o que já foi chamado.
Chamemo-nos Igor ou Weldon. O salvador do nosso futebol não pode chamar-se Salvador; o nosso Dom Sebastião do esférico tem de chamar-se outra coisa, Sebastião é que não. Franciscos e Bernardos dão bons advogados – mas falta-lhes uma designação adequada para darem bons extremos. Cada coisa tem seu nome. E o futebolista português não pode chamar-se Afonso – é desprestígio para o nome e desperdício para o jogador.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Momento pedagógico
A imagem do meu perfil não é clara por ser demasiado pequena. Aparentemente, trata-se de um gajo bastante elegante a tocar uma guitarra lindíssima - o que não faz sentido para ilustrar o ilustre autor deste blogue quase de futebol mas muito Benfiquista. Ora, desenganem-se: atentem na fotografia colada na guitarra (cliquem que ela aumenta, suponho). É lá que reside o segredo.
(foto da Marina Guerreiro)
(foto da Marina Guerreiro)
domingo, 18 de dezembro de 2011
Roswell da Alameda das Linhas de Torres
Sportinguistas, alguns ilustres, outros regulares, assinalaram a semana passada a efeméride: fez 25 anos que o Sporting ganhou ao Benfica. E logo por 7 a 1.
É justo que celebrem. Imagino o Benfica de hoje a bater o Real Madrid de agora por 7 a 1 e sei que o episódio, a concretizar-se, marcaria para sempre a minha memória. Não sei se faria jantares comemorativos daqui a 25 anos, mas não descarto essa possibilidade.
O 7 a 1 ficou na história pela mesma razão que Roswell ficou no mapa: são fenómenos potencialmente embaraçosos e difíceis de explicar. Há, no entanto, uma série de sub-fenómenos associados que dão que pensar.
Por exemplo, há 25 anos o Sporting festejava o seu grande feito. Na mesma época, o Porto conseguiu o maior feito da sua história, conquistando a Taça dos Campeões em Viena, diante do Bayern de Munique. Em simultâneo, o Benfica limpou - o termo não é leviano - campeonato e Taça de Portugal.
Há qualquer coisa aqui que sugere teoria da conspiração, que se insinua para que suspeitas se levantem, esquemas se desenhem, previsões se alinhem. Dá ideia de uma qualquer espécie de ordem cósmica, até. Atentem: há 25 anos, nesse ano em que o Benfica conseguiu mais uma - mas também a sua última, entretanto - dobradinha, Sporting e Porto atingem o seu expoente máximo. O Benfica, por seu turno, festejava o 25.º aniversário do seu maior feito: a conquista do título de bi-campeão Europeu, frente ao colossal Real de Madrid.
Há elementos aqui que se repetem, que se entrelaçam. Eu pus a negrito, para que os mais distraídos não se perdessem. Prossigamos. 7 a 1 é um resultado familiar ao Sporting. Há três épocas atrás, o Sporting perdeu por esse bonito número assimétrico com o Bayern Munique.
Olhando para este levantamento, deitei-me a pensar: o que significará cosmicamente tudo isto, todos estes factos, números e coincidências? É mais do que claro que existe aqui uma mensagem, trata-se de uma espécie de código... Eis o que concluí:
-em Maio, 25 anos depois de duas coisas e duas vezes 25 anos depois de outra coisa, em Munique, o Benfica vencerá o Real Madrid. Por 7 a 1.
Se a minha previsão falhar, participo no jantar do 100.º aniversário da vitória do Sporting sobre o Benfica - palavra de honra.
É justo que celebrem. Imagino o Benfica de hoje a bater o Real Madrid de agora por 7 a 1 e sei que o episódio, a concretizar-se, marcaria para sempre a minha memória. Não sei se faria jantares comemorativos daqui a 25 anos, mas não descarto essa possibilidade.
O 7 a 1 ficou na história pela mesma razão que Roswell ficou no mapa: são fenómenos potencialmente embaraçosos e difíceis de explicar. Há, no entanto, uma série de sub-fenómenos associados que dão que pensar.
Por exemplo, há 25 anos o Sporting festejava o seu grande feito. Na mesma época, o Porto conseguiu o maior feito da sua história, conquistando a Taça dos Campeões em Viena, diante do Bayern de Munique. Em simultâneo, o Benfica limpou - o termo não é leviano - campeonato e Taça de Portugal.
Há qualquer coisa aqui que sugere teoria da conspiração, que se insinua para que suspeitas se levantem, esquemas se desenhem, previsões se alinhem. Dá ideia de uma qualquer espécie de ordem cósmica, até. Atentem: há 25 anos, nesse ano em que o Benfica conseguiu mais uma - mas também a sua última, entretanto - dobradinha, Sporting e Porto atingem o seu expoente máximo. O Benfica, por seu turno, festejava o 25.º aniversário do seu maior feito: a conquista do título de bi-campeão Europeu, frente ao colossal Real de Madrid.
Há elementos aqui que se repetem, que se entrelaçam. Eu pus a negrito, para que os mais distraídos não se perdessem. Prossigamos. 7 a 1 é um resultado familiar ao Sporting. Há três épocas atrás, o Sporting perdeu por esse bonito número assimétrico com o Bayern Munique.
Olhando para este levantamento, deitei-me a pensar: o que significará cosmicamente tudo isto, todos estes factos, números e coincidências? É mais do que claro que existe aqui uma mensagem, trata-se de uma espécie de código... Eis o que concluí:
-em Maio, 25 anos depois de duas coisas e duas vezes 25 anos depois de outra coisa, em Munique, o Benfica vencerá o Real Madrid. Por 7 a 1.
Se a minha previsão falhar, participo no jantar do 100.º aniversário da vitória do Sporting sobre o Benfica - palavra de honra.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
A goleada já está!
Agora só falta ganhar ao Rio Ave por um a zero. Festejemos!
Decidi editar isto e tirar aquele código feio do post. Assim, basta clicar aqui a na frase O Diego está contente para chegar ao sítio.
Decidi editar isto e tirar aquele código feio do post. Assim, basta clicar aqui a na frase O Diego está contente para chegar ao sítio.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Esboço de ensaio sobre ir só ali ver a bola
Supondo que, precisamente à hora de um Benfica - Gil Vicente, vá, acontecia uma importantíssima Assembleia Geral da ONU: no momento em que a moeda fosse atirada ao ar a meio-campo, a minha preocupação seria somente esta: "espero que comecemos de Sul para Norte, caramba!". A questão "Será que a Palestina já é um Estado independente e reconhecido oficialmente pelos seus pares?" era coisa para me ocupar os pensamentos bastante mais tarde. Quem diz Assembleia Geral da ONU, diz Conselho de Estado em Belém ou reunião de emergência do BCE para rever as taxas de juro.
Esta suposição é uma falsa hipérbole: à luz do que é tido como razoável, a importância de um e de outro eventos não é comparável, sequer. No entanto, a verdade é que esta suposição é fidelíssima à realidade. E serve simplesmente para introduzir um texto sem falsos pudores nem hipocrisias de salão, um texto acerca da importância real do futebol enquanto elemento supostamente extra-real na minha vida.
No outro dia, falava eu com uma amiga – uma espécie de minha patroa da música – a propósito de umas quantas entrevistas recentes que dei relacionadas com música. E surpreendia-se ela, com certa indignação, «epá, em praticamente todas, têm de falar no Benfica, bolas!...» Por que razão há-de o Benfica ocupar um lugar tão importante na minha vida, a ponto de ser não só pertinente, como até relevante, num retrato que se quer para um músico? A conversa foi evoluindo até àquele ponto crítico: o futebol e a vida ou o comum mortal apaixonado por uma bola.
Pensei sobre o tema e as conclusões não podem ser definitivas – recolhi apenas pistas que agora tento organizar. Mas julgo que a generalidade das pessoas parte de um equívoco. Gente que nunca perdeu tempo a pensar seriamente sobre a vida, tende a julgar como acessórias determinadas actividades apenas porque dessas não depende directamente a existência. Concebeu-se uma sociedade em que o ser humano tem um papel tanto mais fundamental quanto a sua importância para, presume-se, a sobrevivência da espécie.
Ora, para começar, a sobrevivência da espécie é claramente sobrevalorizada. Isto é coisa passageira, amigos, uma gotinha de água, uma poeira. Daqui a 50 milhões de anos, não haverá sequer marca ou sinal da nossa há muito pretérita existência, exceptuando, talvez, uma ou outra ruína indecifrável: uma pedra de um resquício de uma ameia da Muralha da China, parte do esqueleto fossilizado do Luisão, a bancada Sagres do Estádio da Luz… Não mais que isto – e sei que estou a ser optimista, uma vez que a Grande Muralha já leva certa idade e muito desgaste de avanço. Pensem comigo: o que são 50 milhões de anos para todo o cosmos? Hum? Peanuts. Micro-peanuts, aliás. Nada. O que é que somos nós para tudo isto, para o todo, para o imenso, o infinito, o perpétuo?
A verdade é que nós somos só homens a fazer coisas, aqui e agora. Homens e mulheres a fazer coisas e a pensar em coisas durante um curto, efémero, ínfimo período de tempo. Tudo o que cremos ter importância é tão importante quanto a existência de pessoas a atribuir-lhe essa importância: as ideias, as memórias, os feitos - tudo existe apenas nas cabeças dos homens e das mulheres que aqui andam, a fazer coisas, a pensar em coisas, a gostar de coisas, a relembrar coisas. Quando não houver pessoas ou quando as pessoas deixaram de pensar nas coisas que outras pessoas fizeram, essas coisas, esses feitos, expiram – puff, evaporam, é como se nunca tivessem existido.
No entanto, as pessoas tendem a crer que os grandes feitos em áreas essenciais lhes concedem qualquer coisa ilusoriamente mais aproximada à imortalidade, ao eterno. Cuidais que a figura de Gengis Khan perdurará – isto, numa escala real e verdadeira: a astronómica? Ou a poesia de Homero ou a sabedoria de Aristóteles? O génio de Da Vinci, o rosto de Marilyn, as canções dos Beatles, a teoria da relatividade, a criação da vacina, a descoberta do fogo ou a invenção da roda – tudo efémero. O Cristianismo, o Budismo, o Hinduísmo, o Islamismo – tão perecíveis quanto o seu último crente. Os pontapés de Eusébio, as fintas de Maradona, o voo da águia, o terceiro anel ao rubro – apenas memórias de humanos, mortais, apaixonados pelo futebol.
E eu disse à minha amiga «ser do Benfica, ser do futebol, é ter uma fé imensa, é viver uma parte da minha vida com paixão pura, sem pedir em troca, sendo apenas devoto – é ser religioso». E ela estranhou. Considerou que eu exagerava. Mas eu não exagero. Exagerar é dar demasiada importância às coisas. Qualquer que seja a coisa. Não há imortalidade no futebol – pois não; tal como não há imortalidade em qualquer outra coisa: tudo finda, tudo expira. E diz-me ela «ah, mas e que te traz o futebol?». O futebol traz-me aquilo que Nietzsche – ele, como mais ninguém, percebeu isto – considerou ser a função primordial do homem neste mundo: o deleite. Que mais posso fazer eu neste universo imenso e implacável? Que tenho eu para acrescentar que seja perene ou relevante? Posso apenas ser feliz e tentar fazer feliz quem me é próximo. Tudo o resto são exageros. Enganos e exageros. Agora, posso ver a bola em paz?
Esta suposição é uma falsa hipérbole: à luz do que é tido como razoável, a importância de um e de outro eventos não é comparável, sequer. No entanto, a verdade é que esta suposição é fidelíssima à realidade. E serve simplesmente para introduzir um texto sem falsos pudores nem hipocrisias de salão, um texto acerca da importância real do futebol enquanto elemento supostamente extra-real na minha vida.
No outro dia, falava eu com uma amiga – uma espécie de minha patroa da música – a propósito de umas quantas entrevistas recentes que dei relacionadas com música. E surpreendia-se ela, com certa indignação, «epá, em praticamente todas, têm de falar no Benfica, bolas!...» Por que razão há-de o Benfica ocupar um lugar tão importante na minha vida, a ponto de ser não só pertinente, como até relevante, num retrato que se quer para um músico? A conversa foi evoluindo até àquele ponto crítico: o futebol e a vida ou o comum mortal apaixonado por uma bola.
Pensei sobre o tema e as conclusões não podem ser definitivas – recolhi apenas pistas que agora tento organizar. Mas julgo que a generalidade das pessoas parte de um equívoco. Gente que nunca perdeu tempo a pensar seriamente sobre a vida, tende a julgar como acessórias determinadas actividades apenas porque dessas não depende directamente a existência. Concebeu-se uma sociedade em que o ser humano tem um papel tanto mais fundamental quanto a sua importância para, presume-se, a sobrevivência da espécie.
Ora, para começar, a sobrevivência da espécie é claramente sobrevalorizada. Isto é coisa passageira, amigos, uma gotinha de água, uma poeira. Daqui a 50 milhões de anos, não haverá sequer marca ou sinal da nossa há muito pretérita existência, exceptuando, talvez, uma ou outra ruína indecifrável: uma pedra de um resquício de uma ameia da Muralha da China, parte do esqueleto fossilizado do Luisão, a bancada Sagres do Estádio da Luz… Não mais que isto – e sei que estou a ser optimista, uma vez que a Grande Muralha já leva certa idade e muito desgaste de avanço. Pensem comigo: o que são 50 milhões de anos para todo o cosmos? Hum? Peanuts. Micro-peanuts, aliás. Nada. O que é que somos nós para tudo isto, para o todo, para o imenso, o infinito, o perpétuo?
A verdade é que nós somos só homens a fazer coisas, aqui e agora. Homens e mulheres a fazer coisas e a pensar em coisas durante um curto, efémero, ínfimo período de tempo. Tudo o que cremos ter importância é tão importante quanto a existência de pessoas a atribuir-lhe essa importância: as ideias, as memórias, os feitos - tudo existe apenas nas cabeças dos homens e das mulheres que aqui andam, a fazer coisas, a pensar em coisas, a gostar de coisas, a relembrar coisas. Quando não houver pessoas ou quando as pessoas deixaram de pensar nas coisas que outras pessoas fizeram, essas coisas, esses feitos, expiram – puff, evaporam, é como se nunca tivessem existido.
No entanto, as pessoas tendem a crer que os grandes feitos em áreas essenciais lhes concedem qualquer coisa ilusoriamente mais aproximada à imortalidade, ao eterno. Cuidais que a figura de Gengis Khan perdurará – isto, numa escala real e verdadeira: a astronómica? Ou a poesia de Homero ou a sabedoria de Aristóteles? O génio de Da Vinci, o rosto de Marilyn, as canções dos Beatles, a teoria da relatividade, a criação da vacina, a descoberta do fogo ou a invenção da roda – tudo efémero. O Cristianismo, o Budismo, o Hinduísmo, o Islamismo – tão perecíveis quanto o seu último crente. Os pontapés de Eusébio, as fintas de Maradona, o voo da águia, o terceiro anel ao rubro – apenas memórias de humanos, mortais, apaixonados pelo futebol.
E eu disse à minha amiga «ser do Benfica, ser do futebol, é ter uma fé imensa, é viver uma parte da minha vida com paixão pura, sem pedir em troca, sendo apenas devoto – é ser religioso». E ela estranhou. Considerou que eu exagerava. Mas eu não exagero. Exagerar é dar demasiada importância às coisas. Qualquer que seja a coisa. Não há imortalidade no futebol – pois não; tal como não há imortalidade em qualquer outra coisa: tudo finda, tudo expira. E diz-me ela «ah, mas e que te traz o futebol?». O futebol traz-me aquilo que Nietzsche – ele, como mais ninguém, percebeu isto – considerou ser a função primordial do homem neste mundo: o deleite. Que mais posso fazer eu neste universo imenso e implacável? Que tenho eu para acrescentar que seja perene ou relevante? Posso apenas ser feliz e tentar fazer feliz quem me é próximo. Tudo o resto são exageros. Enganos e exageros. Agora, posso ver a bola em paz?
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
O dia dos pesadelos
- Sonhei que o Jorge Jesus tinha morrido :( Assim, sem mais: "Jorge Jesus morreu", dizia nas notícias. E depois havia uma polémica em torno do aspecto do morto no féretro, n' O Jogo (claro...). E então, no velório, abriam o caixão e Jesus tinha o cabelo rapado. Foi horrível :(
- No trabalho, há minutos, olho e quem é que eu vejo? O Bruno Prata :( Com medo, saí da secretária, fui à casa de banho. Fazer tempo até ele se ir embora. Estava lá e ele entrou! Em pânico, terminei o que tinha a fazer e voltei a correr para o meu lugar. E lá veio ele de novo :( Não sei o que fazer. Devo ficar ou devo ir-me? Continua ali. Às vezes olha para aqui. E se aparece aí o Manuel Mendes?...
- O Eduardo Barroso escreveu que tem um amigo «à mais de 60 anos!» e não consegui continuar a ler a crónica dele - e isto aconteceu logo há quarta linha.
-A Bola publica uma foto de rosto do Ansaldi. Na primeira página.
-E diz que faz 25 anos de uma palermice qualquer que agora não me ocorre. Estou farto deste dia! Farto! E com medo do que poderá acontecer até à meia-noite :(
- No trabalho, há minutos, olho e quem é que eu vejo? O Bruno Prata :( Com medo, saí da secretária, fui à casa de banho. Fazer tempo até ele se ir embora. Estava lá e ele entrou! Em pânico, terminei o que tinha a fazer e voltei a correr para o meu lugar. E lá veio ele de novo :( Não sei o que fazer. Devo ficar ou devo ir-me? Continua ali. Às vezes olha para aqui. E se aparece aí o Manuel Mendes?...
- O Eduardo Barroso escreveu que tem um amigo «à mais de 60 anos!» e não consegui continuar a ler a crónica dele - e isto aconteceu logo há quarta linha.
-A Bola publica uma foto de rosto do Ansaldi. Na primeira página.
-E diz que faz 25 anos de uma palermice qualquer que agora não me ocorre. Estou farto deste dia! Farto! E com medo do que poderá acontecer até à meia-noite :(
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
O óbvio ululante
Nelson Rodrigues trata assim as coisas que são tão claras que praticamente gemem, ganem pela nossa atenção, uivam lânguida e prolongadamente pela nossa compreensão – são coisas tão nítidas, tão explícitas, que poderiam bailar diante de nós. E, no entanto, há qualquer coisa em nós, talvez um artifício primitivo, ou talvez apenas alguma estupidez, que nos impede de compreender o óbvio, por mais que este ulule.
Gostava de ver Nelson Rodrigues escrever sobre Oscar Cardozo. Perante esta impossibilidade, tomo-lhe descaradamente as palavras, bebo-lhe desavergonhadamente a paciência para explicar aos menos aptos, com detalhe, aquilo que é imediato e natural para os bafejados de bom senso e percepção mediana (ou superior), e tento, ainda que timidamente, ter nem que seja um pouco da graça que Rodrigues sempre teve, mesmo quando escrevia acabrunhado por uma derrota dolorosa.
Tacuara. Chamam-lhe assim lá no Paraguai, porque é alto e vergado para a frente e é esguio, fazendo lembrar uma cana – vi na Wikipédia – específica da região. A tal tacuara. Fosse ele português e chamar-se-ia “Eucalipto”, sendo que hoje seria terceira opção numa União Desportiva Sousense, por exemplo – onde actua o melhor jogador que alguma vez defrontei: Filipe Cândido (depois de ter passado pelo Real Madrid, com 16 anos). Mas não. Tacuara tem a sorte de ser estrangeiro e de ter jogado na Argentina. Ao serviço do Newell’s Old Boys brilhou e o Benfica não foi de modas: 11 milhões em cima da mesa pelo cepo mais esguio que havia na América do Sul a jogar à bola.
É que o homem não sabe fazer uma finta. Minto. Sabe fazer uma finta: aquela. Vocês sabem do que eu estou a falar – ele faz assim, assim, assim, e passa à frente do defesa que, incrédulo, quase cai para trás. Resulta sempre quando o Tacuara faz “aquela”.
A verdade é que Tacuara, para além de ser grande, poucas qualidades tem. Faz uma média de seis golos por cada dez jogos. Tem um pé esquerdo poderoso, é certo. E, sim, claro, bate livres como poucos. Fora isso, lá marca de cabeça de vez em quando – pudera, com quase um metro e noventa -, faz golos de penalty – que grande dificuldade: ainda por cima, chuta quase sempre com demasiada força – e, de há uns tempos para cá, lá faz um ou outro golo fácil de pé direito. Como aquele ao Manchester United, para a Champions, por exemplo.
Tacuara dificilmente dá dois toques elegantes numa bola. E não o ponham a distribuir jogo ou a cruzar para os companheiros. Não o metam no lugar do Aimar. Nem do Nolito, que velocidade não é o seu forte. O Tacuara é um gajo pejado de defeitos. E disto eu não tenho qualquer dúvida. É que os tem mesmo!
Fora isso, é aquele gajo que fez 111 golos em 188 jogos. É também aquele que o Aimar ou o Nolito não poderiam substituir, nunca – nem às cavalitas um do outro. Nem o Rodrigo ou o Saviola ou Nelson Oliveira, já agora – todos de mãos dadas. Por cada vez que me leva ao desespero e à incredulidade, Oscar Cardozo acrescenta umas vinte em que me faz vibrar e nos faz ganhar. Se há nesta terra e nesta equipa alguém que merece a minha tolerância e o meu apoio, esse alguém é quem me dá pontos. E Oscar, o Tacuara, Cardozo é, de facto, um desses que me dá pontos. Às dezenas deles.
Se o Nelson Rodrigues cá estivesse e lhe pedissem uma definição para o “óbvio ululante”, não tenho dúvidas que a sua resposta seria “Oscar Cardozo, está na cara, até minha vizinha gorda e patusca sabe”. Mas isto só para quem não é lorpa nem pascácio.
Gostava de ver Nelson Rodrigues escrever sobre Oscar Cardozo. Perante esta impossibilidade, tomo-lhe descaradamente as palavras, bebo-lhe desavergonhadamente a paciência para explicar aos menos aptos, com detalhe, aquilo que é imediato e natural para os bafejados de bom senso e percepção mediana (ou superior), e tento, ainda que timidamente, ter nem que seja um pouco da graça que Rodrigues sempre teve, mesmo quando escrevia acabrunhado por uma derrota dolorosa.
Tacuara. Chamam-lhe assim lá no Paraguai, porque é alto e vergado para a frente e é esguio, fazendo lembrar uma cana – vi na Wikipédia – específica da região. A tal tacuara. Fosse ele português e chamar-se-ia “Eucalipto”, sendo que hoje seria terceira opção numa União Desportiva Sousense, por exemplo – onde actua o melhor jogador que alguma vez defrontei: Filipe Cândido (depois de ter passado pelo Real Madrid, com 16 anos). Mas não. Tacuara tem a sorte de ser estrangeiro e de ter jogado na Argentina. Ao serviço do Newell’s Old Boys brilhou e o Benfica não foi de modas: 11 milhões em cima da mesa pelo cepo mais esguio que havia na América do Sul a jogar à bola.
É que o homem não sabe fazer uma finta. Minto. Sabe fazer uma finta: aquela. Vocês sabem do que eu estou a falar – ele faz assim, assim, assim, e passa à frente do defesa que, incrédulo, quase cai para trás. Resulta sempre quando o Tacuara faz “aquela”.
A verdade é que Tacuara, para além de ser grande, poucas qualidades tem. Faz uma média de seis golos por cada dez jogos. Tem um pé esquerdo poderoso, é certo. E, sim, claro, bate livres como poucos. Fora isso, lá marca de cabeça de vez em quando – pudera, com quase um metro e noventa -, faz golos de penalty – que grande dificuldade: ainda por cima, chuta quase sempre com demasiada força – e, de há uns tempos para cá, lá faz um ou outro golo fácil de pé direito. Como aquele ao Manchester United, para a Champions, por exemplo.
Tacuara dificilmente dá dois toques elegantes numa bola. E não o ponham a distribuir jogo ou a cruzar para os companheiros. Não o metam no lugar do Aimar. Nem do Nolito, que velocidade não é o seu forte. O Tacuara é um gajo pejado de defeitos. E disto eu não tenho qualquer dúvida. É que os tem mesmo!
Fora isso, é aquele gajo que fez 111 golos em 188 jogos. É também aquele que o Aimar ou o Nolito não poderiam substituir, nunca – nem às cavalitas um do outro. Nem o Rodrigo ou o Saviola ou Nelson Oliveira, já agora – todos de mãos dadas. Por cada vez que me leva ao desespero e à incredulidade, Oscar Cardozo acrescenta umas vinte em que me faz vibrar e nos faz ganhar. Se há nesta terra e nesta equipa alguém que merece a minha tolerância e o meu apoio, esse alguém é quem me dá pontos. E Oscar, o Tacuara, Cardozo é, de facto, um desses que me dá pontos. Às dezenas deles.
Se o Nelson Rodrigues cá estivesse e lhe pedissem uma definição para o “óbvio ululante”, não tenho dúvidas que a sua resposta seria “Oscar Cardozo, está na cara, até minha vizinha gorda e patusca sabe”. Mas isto só para quem não é lorpa nem pascácio.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Algumas das coisas mais importantes da vida
«A importância da vitória». Foi assim mesmo que a frase me ressoou na cabeça, um dia depois do concerto que me consumiu toda a semana – privando-me de todo e qualquer acesso ao futebol (Champions League incluída), transformando o Belo Desporto num anexo irrelevante da vida à séria. Mentira, claro. Na vida, aquilo que amamos é sempre o que mais importa.
Esta privação, este alheamento forçado do encanto da bola sobre a relva, correndo, rolando, deslizando até ao fundo da rede, deram-me que pensar. Ora na função essencial do futebol em todo o cosmos, ora na relevância relativa que o jogo tem na minha vida. Já tenho princípios e sugestões de caminhos para o tema, mas ainda não consegui atingir a conclusão satisfatória. Lá chegarei.
O concerto foi uma vitória e o Benfica vinha de uma outra vitória, que pouco contava, e de uma derrota que contou muito, com o adversário que se seguiu. Enquanto isso, eu cumpria uma espécie de penitência – ou, em alternativa, oferecia-me em sacrifício: «pelo que verdadeiramente importa, não vejo o jogo com o Otelul». Assim foi. Enfiei-me numa sala com mais três músicos para me distrair do desafio que decorria e o sucesso, suado mas merecido, apareceu, com Cardozo a empurrar a bola a cinco minutos do final e a sete centímetros da linha de golo – distância que ainda assim comportava algum risco para o paraguaio.
«A importância da vitória» - assim, exactamente assim, me ressoou na cabeça a frase que me questionava. E pensei e deixei-me levar pelos pensamentos. Fui sentindo coisas e apreciando o que sentia, imaginando os momentos de explosão e os de desilusão, recordando os feitos e os defeitos, mergulhando em trevas que julgava já ter esquecido e terminando quase em choro alegre ao revisitar gestos de celebração, gritos eufóricos e braços no ar daquelas grandes figuras, daqueles grandes homens que fizeram o Grande Benfica dentro das quatro linhas.
A vitória é um bem imaterial ao alcance, em cada momento, apenas dos melhores. Cada vitória é única, irrepetível, inimitável, intransmissível e indelével. Assim, a vitória é a terceira coisa mais importante do mundo. Estou a escrever e sinto o texto atabalhoado, as ideias vêm mas as palavras que as ligam não me chegam, sou como Aimar jogando ao lado de um Witsel paralisado, de um Cardozo desastrado e de um Rodrigo inconsequente: na ideia, tudo vem correcto; na prática, nada resulta que me satisfaça.
A primeira coisa mais importante é o conhecimento profundo da vitória. Sabê-la, em cada circunstância, de ponta a ponta, profundamente. Tê-la festejado com fervor, ter-lhe sentido o ardor e a loucura, dar-lhe a erupção que ela merece. E, depois, compreendê-la em todo o seu esplendor, calmamente assimilá-la e saber-lhe os detalhes e os contornos.
A segunda coisa mais importante é a consciência plena da derrota. Reconhecê-la ainda ao longe, adivinhá-la. E, quando ela chega, senti-la com peso e com luto. Sofrer por ela e nela, no momento, em toda a tragédia que ela comporta. E, depois da apatia, aceitá-la, entendê-la, decifrá-la, assimilando cada sensação que provocou e etiquetando cada razão que a fez existir.
Sem estas duas sabedorias, toda a vitória será fortuita ou, pelo menos, ininteligível. Desse modo, não serão profundamente vitórias, mas apenas vitórias à superfície, passíveis até de não deixar rasto nem memória.
E foi sobre isto que eu pensei ao longo da minha semana de boas vitórias – devidamente festejadas e sentidas, já agora. Só me falta compreendê-las bem nos próximos dias.
Esta privação, este alheamento forçado do encanto da bola sobre a relva, correndo, rolando, deslizando até ao fundo da rede, deram-me que pensar. Ora na função essencial do futebol em todo o cosmos, ora na relevância relativa que o jogo tem na minha vida. Já tenho princípios e sugestões de caminhos para o tema, mas ainda não consegui atingir a conclusão satisfatória. Lá chegarei.
O concerto foi uma vitória e o Benfica vinha de uma outra vitória, que pouco contava, e de uma derrota que contou muito, com o adversário que se seguiu. Enquanto isso, eu cumpria uma espécie de penitência – ou, em alternativa, oferecia-me em sacrifício: «pelo que verdadeiramente importa, não vejo o jogo com o Otelul». Assim foi. Enfiei-me numa sala com mais três músicos para me distrair do desafio que decorria e o sucesso, suado mas merecido, apareceu, com Cardozo a empurrar a bola a cinco minutos do final e a sete centímetros da linha de golo – distância que ainda assim comportava algum risco para o paraguaio.
«A importância da vitória» - assim, exactamente assim, me ressoou na cabeça a frase que me questionava. E pensei e deixei-me levar pelos pensamentos. Fui sentindo coisas e apreciando o que sentia, imaginando os momentos de explosão e os de desilusão, recordando os feitos e os defeitos, mergulhando em trevas que julgava já ter esquecido e terminando quase em choro alegre ao revisitar gestos de celebração, gritos eufóricos e braços no ar daquelas grandes figuras, daqueles grandes homens que fizeram o Grande Benfica dentro das quatro linhas.
A vitória é um bem imaterial ao alcance, em cada momento, apenas dos melhores. Cada vitória é única, irrepetível, inimitável, intransmissível e indelével. Assim, a vitória é a terceira coisa mais importante do mundo. Estou a escrever e sinto o texto atabalhoado, as ideias vêm mas as palavras que as ligam não me chegam, sou como Aimar jogando ao lado de um Witsel paralisado, de um Cardozo desastrado e de um Rodrigo inconsequente: na ideia, tudo vem correcto; na prática, nada resulta que me satisfaça.
A primeira coisa mais importante é o conhecimento profundo da vitória. Sabê-la, em cada circunstância, de ponta a ponta, profundamente. Tê-la festejado com fervor, ter-lhe sentido o ardor e a loucura, dar-lhe a erupção que ela merece. E, depois, compreendê-la em todo o seu esplendor, calmamente assimilá-la e saber-lhe os detalhes e os contornos.
A segunda coisa mais importante é a consciência plena da derrota. Reconhecê-la ainda ao longe, adivinhá-la. E, quando ela chega, senti-la com peso e com luto. Sofrer por ela e nela, no momento, em toda a tragédia que ela comporta. E, depois da apatia, aceitá-la, entendê-la, decifrá-la, assimilando cada sensação que provocou e etiquetando cada razão que a fez existir.
Sem estas duas sabedorias, toda a vitória será fortuita ou, pelo menos, ininteligível. Desse modo, não serão profundamente vitórias, mas apenas vitórias à superfície, passíveis até de não deixar rasto nem memória.
E foi sobre isto que eu pensei ao longo da minha semana de boas vitórias – devidamente festejadas e sentidas, já agora. Só me falta compreendê-las bem nos próximos dias.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Nas palavras do Profeta
Por uma pouco verosímil mas muito feliz sucessão de acasos e coincidências, veio parar-me às mãos O Profeta Tricolor – Cem Anos de Fluminense, de Nelson Rodrigues. Antes de mais, há que agradecer e sublinhar a gentileza de quem, conhecendo o meu gosto pela literatura do futebol, fez questão de me enviar o livro. Recebi-o com enorme surpresa e ainda maior satisfação. Um abraço e tentarei ser breve na sua leitura, para que a devolução não demore. E aqui ficam, logo no ponto de partida, as minhas desculpas pelos cantos dobrados. Ao longo dos tempos, fui-me especializando nesta área do futebol: a marcação dos cantos.
O título do livro não diz muito, mas deixa antever o que lá vem dentro: uma reunião de crónicas desse “profeta” apaixonado pelo futebol – mas, alto!, primeiramente casado com o Fluminense. É charmoso no domínio da palavra, tem suavidade. Escreve sem pressa porque o golo pode esperar. O seu discurso exibe-se digno, escorreito, limpo, claro, bem elaborado, bem distribuído e, claro, apaixonado. Sem paixão o futebol não tem beleza.
Não tenho afinidade com o Fluminense. Nenhuma. No Brasil, existem poucos clubes com os quais tenho algum tipo de relação. Há, dos paulistas, o Santos, pelo nome e por Pelé, e a Portuguesa, por ser a lusa e ter resultado da fusão de associações portuguesas; dos cariocas, sempre me vi mais Flamengo, rubro-negro, a alma do Rio. Em miúdo, sempre que ouvia falar em “Flá-Flu”, nunca tinha dúvidas: era Flamengo. É, portanto, com alguma estranheza que leio, pela primeira vez, o relato das paixões de um adepto que tem em comum comigo apenas o facto de ser adepto apaixonado. Das leituras anteriores, havia sempre outro elemento a acrescentar a este – o clube, aquele treinador, o próprio universo do futebol inglês de 70 e 80. Algo que me era próximo. Neste caso, é como se tivesse ido assistir a um desafio ao estádio de um rival – mas um em que o meu clube não participasse. O mais impressionante é que recebi o livro há umas 20 horas e já vou na página 60.
Há uma passagem que li com especial prazer e regozijo. Diria mesmo deleite. Este derby, este Benfica – Sporting, tem sido muito mal tratado fora do campo. Foi tão bem disputado (é diferente de “bem jogado”), teve tanta alma, tanto querer, durante aqueles 90 minutos, e tem sido jogado com tão pouco brio por quem não toca na bola. Mudemos isso. Pela minha parte, farei tudo por me focar no que importa: a bola, as balizas, o jogo, a relva, os cânticos, os aplausos. O sonho do futebol naquele preciso momento em que é apenas futebol.
Vou transcrever a passagem a que fiz referência, com a vossa licença. Escreve Nelson Rodrigues, em reposta a um amigo que o provoca «vocês só sabem ganhar de um a zero?», depois de uma vitória do Tricolor (gostei tanto de saber que também são “pó-de-arroz”) por um a zero, lá está, sobre o grande rival Botafogo:
«(…) tudo valoriza o nosso feito. E eu quero aqui tirar o meu chapéu ao Botafogo. Muitos alvinegros saíram, de campo, amargurados. Mas sem razão, amigos, sem razão. A verdade é que o Botafogo teve uma bela atuação. No primeiro tempo, nós, tricolores, conseguimos uma regular preponderância. Depois, porém, a equipe de General Severiano fez uma força tremenda e o Fluminense teve que usar toda a sua potencialidade defensiva. Vencemos. Mas justiça se lhe faça: - embora derrotado, o Botafogo mostrou que tem um time considerável.»
E é assim que o “profeta” resume aquilo que eu gostaria de resumir em relação ao duelo de sábado. Foi uma vitória valorosa sobre um adversário valoroso. Houve homens em campo, leais, competitivos, desportistas. Lutou-se e jogou-se, houve esforço. Uns ganharam e outros perderam, mas todos tiveram mérito, honra e foram dignos, defendendo a camisola e o símbolo, mostrando que merecem vestir uma e ostentar o outro. A melhor sensação do mundo, quando é de futebol que se trata, será porventura aquela que se tem quando se vence com mérito; a segunda melhor, digo eu, será a que nos invade quando perdemos com honra, de consciência tranquila, aquela que vem e que, apesar da tristeza da hora, nos reconforta e anima, porque fomos dignos.
E era isso que eu queria dizer, porque é isso que me importa: estou grato a esta equipa do Sporting por ter valorizado, no relvado, a escassa – como diria o Nelson Rodrigues «somos humildes» - mas merecida e suada vitória do Benfica.
O título do livro não diz muito, mas deixa antever o que lá vem dentro: uma reunião de crónicas desse “profeta” apaixonado pelo futebol – mas, alto!, primeiramente casado com o Fluminense. É charmoso no domínio da palavra, tem suavidade. Escreve sem pressa porque o golo pode esperar. O seu discurso exibe-se digno, escorreito, limpo, claro, bem elaborado, bem distribuído e, claro, apaixonado. Sem paixão o futebol não tem beleza.
Não tenho afinidade com o Fluminense. Nenhuma. No Brasil, existem poucos clubes com os quais tenho algum tipo de relação. Há, dos paulistas, o Santos, pelo nome e por Pelé, e a Portuguesa, por ser a lusa e ter resultado da fusão de associações portuguesas; dos cariocas, sempre me vi mais Flamengo, rubro-negro, a alma do Rio. Em miúdo, sempre que ouvia falar em “Flá-Flu”, nunca tinha dúvidas: era Flamengo. É, portanto, com alguma estranheza que leio, pela primeira vez, o relato das paixões de um adepto que tem em comum comigo apenas o facto de ser adepto apaixonado. Das leituras anteriores, havia sempre outro elemento a acrescentar a este – o clube, aquele treinador, o próprio universo do futebol inglês de 70 e 80. Algo que me era próximo. Neste caso, é como se tivesse ido assistir a um desafio ao estádio de um rival – mas um em que o meu clube não participasse. O mais impressionante é que recebi o livro há umas 20 horas e já vou na página 60.
Há uma passagem que li com especial prazer e regozijo. Diria mesmo deleite. Este derby, este Benfica – Sporting, tem sido muito mal tratado fora do campo. Foi tão bem disputado (é diferente de “bem jogado”), teve tanta alma, tanto querer, durante aqueles 90 minutos, e tem sido jogado com tão pouco brio por quem não toca na bola. Mudemos isso. Pela minha parte, farei tudo por me focar no que importa: a bola, as balizas, o jogo, a relva, os cânticos, os aplausos. O sonho do futebol naquele preciso momento em que é apenas futebol.
Vou transcrever a passagem a que fiz referência, com a vossa licença. Escreve Nelson Rodrigues, em reposta a um amigo que o provoca «vocês só sabem ganhar de um a zero?», depois de uma vitória do Tricolor (gostei tanto de saber que também são “pó-de-arroz”) por um a zero, lá está, sobre o grande rival Botafogo:
«(…) tudo valoriza o nosso feito. E eu quero aqui tirar o meu chapéu ao Botafogo. Muitos alvinegros saíram, de campo, amargurados. Mas sem razão, amigos, sem razão. A verdade é que o Botafogo teve uma bela atuação. No primeiro tempo, nós, tricolores, conseguimos uma regular preponderância. Depois, porém, a equipe de General Severiano fez uma força tremenda e o Fluminense teve que usar toda a sua potencialidade defensiva. Vencemos. Mas justiça se lhe faça: - embora derrotado, o Botafogo mostrou que tem um time considerável.»
E é assim que o “profeta” resume aquilo que eu gostaria de resumir em relação ao duelo de sábado. Foi uma vitória valorosa sobre um adversário valoroso. Houve homens em campo, leais, competitivos, desportistas. Lutou-se e jogou-se, houve esforço. Uns ganharam e outros perderam, mas todos tiveram mérito, honra e foram dignos, defendendo a camisola e o símbolo, mostrando que merecem vestir uma e ostentar o outro. A melhor sensação do mundo, quando é de futebol que se trata, será porventura aquela que se tem quando se vence com mérito; a segunda melhor, digo eu, será a que nos invade quando perdemos com honra, de consciência tranquila, aquela que vem e que, apesar da tristeza da hora, nos reconforta e anima, porque fomos dignos.
E era isso que eu queria dizer, porque é isso que me importa: estou grato a esta equipa do Sporting por ter valorizado, no relvado, a escassa – como diria o Nelson Rodrigues «somos humildes» - mas merecida e suada vitória do Benfica.
terça-feira, 29 de novembro de 2011
Piromanias
Não percebo muito do assunto, mas já li, sobretudo no Correio da Manhã, várias notícias sobre o tema. Isso não faz de mim expert na matéria, mas como a matéria em questão é a "escrita" (perdoem-me a hipérbole) do Miguel Sousa Tavares, não só se dispensam os experts, como se abdica de qualquer semelhança com rigor, à imagem do objecto da croniqueta - para fazer jus ao sujeito.
Refiro-me aos pirómanos, claro. No tal Correio da Manhã, os gajos que pegam fogo ao pinhais durante o Verão são sempre maluquinhos lá da aldeia, uma espécie de Emplastros do Campo, que se ocupam de guardar o gado e, nas horas livres, de brincar com fósforos. Pelo menos, é assim que vem nas notícias. Ora, o incendiário de hoje tem mais de parvo do que de maluquinho. E, que eu saiba, gado não guarda - o mais próximo que tem de afecto pelos animais são as paixões pela caça ao javali e pela tourada. Mas muito gosta ele de atear o fogo.
Na merda de prosa (vão desculpar-me o eufemismo) que hoje tem o desplante e o mau gosto de mostrar ao mundo n' A Bola, este palerma tenta atiçar Benfiquistas (por causa da sala de pânico, num discurso que me recuso a reproduzir), sem deixar de finalizar com a alfinetada ao Sporting (a quem só falta chamar de incompetentes).
Parvalhão como é, não me espantaria se a esta hora fôssemos dar com o homem sentadinho na ponta da antena de Monsanto a olhar para a cidade, à espera que as chamas lavrem.
Refiro-me aos pirómanos, claro. No tal Correio da Manhã, os gajos que pegam fogo ao pinhais durante o Verão são sempre maluquinhos lá da aldeia, uma espécie de Emplastros do Campo, que se ocupam de guardar o gado e, nas horas livres, de brincar com fósforos. Pelo menos, é assim que vem nas notícias. Ora, o incendiário de hoje tem mais de parvo do que de maluquinho. E, que eu saiba, gado não guarda - o mais próximo que tem de afecto pelos animais são as paixões pela caça ao javali e pela tourada. Mas muito gosta ele de atear o fogo.
Na merda de prosa (vão desculpar-me o eufemismo) que hoje tem o desplante e o mau gosto de mostrar ao mundo n' A Bola, este palerma tenta atiçar Benfiquistas (por causa da sala de pânico, num discurso que me recuso a reproduzir), sem deixar de finalizar com a alfinetada ao Sporting (a quem só falta chamar de incompetentes).
Parvalhão como é, não me espantaria se a esta hora fôssemos dar com o homem sentadinho na ponta da antena de Monsanto a olhar para a cidade, à espera que as chamas lavrem.
Com uma vénia
Este texto do senhor João Gonçalves deve ser lido. Tem de ser lido. Mais: deve ser lido por Benfiquistas e sportinguistas. Quanta nobreza, meus senhores...
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Só tens a estupidez que mereces
Ao longo dos dias de ontem e de hoje assisti, um pouco incrédulo, a umas quantas reacções um bocadinho anormais. Por exemplo, se uma pessoa diz "epá, os gajos que incendiaram as cadeiras são uns arruaceiros, é gente que não merece sequer sair de casa", sujeita-se a receber como resposta "ah e vocês? Vocês mataram um homem com um very light!". Ó meus amigos...
Não tenho pena de quem argumenta assim, tentando defender o que não tem defesa. Ninguém tem culpa de ser estúpido; já a vaidade é condenável. Se a condição natural não permite inteligência para mais, já o pudor exige que este tipo de pensamento seja guardado para consumo próprio, em silêncio e em isolamento.
Não me merecem resposta. Mas, considerando que quem argumenta mostra clara e orgulhosamente o esplendor do cretinismo, julgo que importa explicar um detalhe relevante: quem matou um homem com um very light foi outro homem, um assassino. Se o fez a coberto de uma manifestação futebolística, tal só pode entristecer ainda mais, pois magoa da forma mais grave e mais vil um espectáculo que se quer de cavalheiros e não de criminosos. Em relação à vítima, importa-me pouco a cor da camisola na hora de a lamentar; e ao homicida, só posso desejar-lhe o castigo adequado. Agora, por favor não sejam indecentes. Não sejam rasteiros. Vocês conseguem melhor. Eu sou do Benfica e nunca fiz mal a ninguém.
[Perdoem-me esta interrupção com um post explicativo acerca do que é óbvio. Mas estou farto de ler essa resposta um pouco por todo o lado.]
Não tenho pena de quem argumenta assim, tentando defender o que não tem defesa. Ninguém tem culpa de ser estúpido; já a vaidade é condenável. Se a condição natural não permite inteligência para mais, já o pudor exige que este tipo de pensamento seja guardado para consumo próprio, em silêncio e em isolamento.
Não me merecem resposta. Mas, considerando que quem argumenta mostra clara e orgulhosamente o esplendor do cretinismo, julgo que importa explicar um detalhe relevante: quem matou um homem com um very light foi outro homem, um assassino. Se o fez a coberto de uma manifestação futebolística, tal só pode entristecer ainda mais, pois magoa da forma mais grave e mais vil um espectáculo que se quer de cavalheiros e não de criminosos. Em relação à vítima, importa-me pouco a cor da camisola na hora de a lamentar; e ao homicida, só posso desejar-lhe o castigo adequado. Agora, por favor não sejam indecentes. Não sejam rasteiros. Vocês conseguem melhor. Eu sou do Benfica e nunca fiz mal a ninguém.
[Perdoem-me esta interrupção com um post explicativo acerca do que é óbvio. Mas estou farto de ler essa resposta um pouco por todo o lado.]
Derby: primeira impressão
Que tenham perdido, tudo bem, aceitam com razoável tranquilidade; agora, não lhes venham cá contestar a "superioridade em campo". Isso é que não! Aparentemente, pôr em causa a sua suposta vitória moral afecta-os mais do que a MERECIDA perda dos três pontos. Mas não quero estar aqui a incendiar o ambiente, esse departamento é de outros funcionários.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Poesia?! Ok, vamos a isso
«Pela primeira vez em Portugal perto de três milhares de adeptos serão enjaulados. Como se estivessem em Guantánamo...»
O poder da metáfora é finito - por mais que o Mia Couto a redesarranje e a desredesinvente -, já que o Peixoto todos os dias trata de, religiosamente, a saturar e afogar e besuntar de matéria pegajosa. Porém, a imaginação lírica não conhece fronteiras nos cérebros dos homens de génio. Há quem seja naturalmente inspirado. Com esta tirada - aquela que acima se reproduz, salvo seja -, José Manuel Freitas (A Bola) conseguiu pôr-me a imaginar 3 mil homens barbudos de fato-macaco côr-de-laranja, mas às riscas horizontais, ajoelhados, algemados e vendados, a gritar «só eu sei por que não fico em casa», tentando saltar desajeitadamente, o que se compreende dadas as circunstâncias. O poder da metáfora é finito mas, ainda assim, não tem vergonha dos seus próprios limites, o que se saúda.
[Aproveito para fazer uma singela chamada de atenção: "só eu sei por que não fico em casa" significa que só eu conheço a razão misteriosa que me levou a sair à rua; "só eu sei porque não fico em casa" significa que sou o único que sabe qualquer coisa precisamente porque não fiquei em casa, sugerindo-se que a explicação para o mistério esteja na rua, portanto; aproveitem se quiserem, sei que gostam de fazer t-shirts e cachecóis com isto.]
Sempre que se justificar, voltaremos a este tema tão bonito e que, aparentemente, tanto sensibiliza alguns dos nossos leitores. Também eu gosto muito disso da poesia.
O poder da metáfora é finito - por mais que o Mia Couto a redesarranje e a desredesinvente -, já que o Peixoto todos os dias trata de, religiosamente, a saturar e afogar e besuntar de matéria pegajosa. Porém, a imaginação lírica não conhece fronteiras nos cérebros dos homens de génio. Há quem seja naturalmente inspirado. Com esta tirada - aquela que acima se reproduz, salvo seja -, José Manuel Freitas (A Bola) conseguiu pôr-me a imaginar 3 mil homens barbudos de fato-macaco côr-de-laranja, mas às riscas horizontais, ajoelhados, algemados e vendados, a gritar «só eu sei por que não fico em casa», tentando saltar desajeitadamente, o que se compreende dadas as circunstâncias. O poder da metáfora é finito mas, ainda assim, não tem vergonha dos seus próprios limites, o que se saúda.
[Aproveito para fazer uma singela chamada de atenção: "só eu sei por que não fico em casa" significa que só eu conheço a razão misteriosa que me levou a sair à rua; "só eu sei porque não fico em casa" significa que sou o único que sabe qualquer coisa precisamente porque não fiquei em casa, sugerindo-se que a explicação para o mistério esteja na rua, portanto; aproveitem se quiserem, sei que gostam de fazer t-shirts e cachecóis com isto.]
Sempre que se justificar, voltaremos a este tema tão bonito e que, aparentemente, tanto sensibiliza alguns dos nossos leitores. Também eu gosto muito disso da poesia.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Da esperança e do sofrimento
A Bwin dá odds de 1,85 para um pela vitória do Benfica no sábado (4,1 para 1 pela do Sporting), já me passou a indisposição – dormi até muito pacificamente esta noite – e os meus amigos sportinguistas vão estar abrigadinhos, protegidos do vandalismo tipicamente Benfiquista, numa confortável e arejada sala de pânico criada exclusivamente para os receber – quanta honra, hein? –, esse mesmos sportinguistas que estão cheios de moral, acreditando piamente numa vitória fácil-fácil em plena Luz… ou seja: será que se pode pedir mais?
Não, não, não, não… Isto é tudo demasiado bom para ser verdade. É tudo muito perfeitinho. A situação chegou ao ponto de termos a dona Regina, abençoada Mãe do grande David Luiz, a puxar pelo Benfica, em tempo real, em pleno facebook, enquanto assiste ao jogo, ao nosso jogo. Isto começa a ser simplesmente demais.
A pior coisa que me podem fazer é dar-me esperança. “A esperança é a última a morrer”, “enquanto há vida, há esperança”, blábláblá – conversa de enganos, motivação para masoquistas. Ricardo Reis escrevia “quem nada tem e nada deseja, homem, é igual aos deuses”, sendo que estes estão num patamar superior ao dos homens livres (esses, que nada querem mas que - e porque - possuem). A falta de esperança, no futebol, é a essência que permite ao aficionado sentir-se um deus – um deus barbudo e vestido com um lençol, sem preocupações, a comer uvas brancas debruçado numa chaise longue e a pensar “ora deixa cá ver”.
O contorcionismo que me ia nas entranhas e a agitação que me tornava o sono febril tinham uma origem saudável: eram feitos de tristeza e de perda, brotavam da minha dificuldade em resignar-me com o fado da derrota, com o fim da linha como destino próximo; o que me saía pelos poros, o que me subia ao esófago, tudo eram restos do meu espírito vencedor. A paz estava já ali, ao virar da esquina. Expelidos que fossem os demónios da ambição, restava-me fruir do futebol como se fosse apenas um desporto muito belo. Faltam três dias para o derby dos derbies e o que é que acontece? O Benfica sai de Old Trafford não com a pressentida derrota de peso, mas antes com um empate de equipa vencedora.
E eis que a agitação das noites se apronta para regressar e o estômago para se contorcer, a língua para gerir o excesso de saliva, a respiração para se desregular, tornar-se ora apressada, ora tão profunda e alongada que se esquece de inspirar. Tremem-me os dedos, misturam-se-me os pensamentos. Queria ser como Miller, não desejar coisas, aceitá-las apenas. Mas não consigo, sou demasiado fraco, demasiado pequeno. Demasiado humano. Sou de novo um Benfiquista perfeito e isso é tremendo: sinto uma angústia do tamanho do mundo porque hoje é quarta-feira e ainda não ganhámos o jogo de sábado!
Não, não, não, não… Isto é tudo demasiado bom para ser verdade. É tudo muito perfeitinho. A situação chegou ao ponto de termos a dona Regina, abençoada Mãe do grande David Luiz, a puxar pelo Benfica, em tempo real, em pleno facebook, enquanto assiste ao jogo, ao nosso jogo. Isto começa a ser simplesmente demais.
A pior coisa que me podem fazer é dar-me esperança. “A esperança é a última a morrer”, “enquanto há vida, há esperança”, blábláblá – conversa de enganos, motivação para masoquistas. Ricardo Reis escrevia “quem nada tem e nada deseja, homem, é igual aos deuses”, sendo que estes estão num patamar superior ao dos homens livres (esses, que nada querem mas que - e porque - possuem). A falta de esperança, no futebol, é a essência que permite ao aficionado sentir-se um deus – um deus barbudo e vestido com um lençol, sem preocupações, a comer uvas brancas debruçado numa chaise longue e a pensar “ora deixa cá ver”.
O contorcionismo que me ia nas entranhas e a agitação que me tornava o sono febril tinham uma origem saudável: eram feitos de tristeza e de perda, brotavam da minha dificuldade em resignar-me com o fado da derrota, com o fim da linha como destino próximo; o que me saía pelos poros, o que me subia ao esófago, tudo eram restos do meu espírito vencedor. A paz estava já ali, ao virar da esquina. Expelidos que fossem os demónios da ambição, restava-me fruir do futebol como se fosse apenas um desporto muito belo. Faltam três dias para o derby dos derbies e o que é que acontece? O Benfica sai de Old Trafford não com a pressentida derrota de peso, mas antes com um empate de equipa vencedora.
E eis que a agitação das noites se apronta para regressar e o estômago para se contorcer, a língua para gerir o excesso de saliva, a respiração para se desregular, tornar-se ora apressada, ora tão profunda e alongada que se esquece de inspirar. Tremem-me os dedos, misturam-se-me os pensamentos. Queria ser como Miller, não desejar coisas, aceitá-las apenas. Mas não consigo, sou demasiado fraco, demasiado pequeno. Demasiado humano. Sou de novo um Benfiquista perfeito e isso é tremendo: sinto uma angústia do tamanho do mundo porque hoje é quarta-feira e ainda não ganhámos o jogo de sábado!
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Há dias em que sabe muitíssimo bem estar redondamente enganado
Parabéns, rapazes! E obrigado.
Deste que muito se orgulha de vós,
Diego, n.º 227218
Deste que muito se orgulha de vós,
Diego, n.º 227218
Serviço ocasional
Chegou-me às mãos um cartão de sócio correspondente, com o número 44017. Sei que a visibilidade deste ponto é reduzida e que a probabilidade de este post dar frutos é ligeiramente superior à de a chave 1, 2, 3, 4, 5 + 6, 7 sair no próximo sorteio do Euromilhões, daqui a pouco... Mas vale sempre a pena tentar.
Caso não haja resposta, como é provável que aconteça, entregá-lo-ei no próximo sábado no Estádio da Luz. A caminho do derby.
Caso não haja resposta, como é provável que aconteça, entregá-lo-ei no próximo sábado no Estádio da Luz. A caminho do derby.
Más pré-notícias
Os rapazes estão confiantes, o Jesus está confiante, eu tenho vestidos a t-shirt encarnada da sorte e aqueles boxers especiais cor-de-laranja com o bonequinho de neve que nos fazem ganhar sempre. Aparentemente, está tudo bem, tudo tranquilo. Mas infelizmente a verdade é negra: esta noite fartei-me de ter pesadelos, dói-me a barriga e sinto uma azia absolutamente vintage. Eu não vos queria assustar, mas isto é arrepiante. E estou negativo e deprimido e preocupado. E tinha de desabafar convosco.
Vocês não irão entender-me, eu sei que o caso é paranormalóide. Mas estas premonições são extraordinariamente assustadoras. E até fico grato àquele rapaz da Casa dos Segredos, aquele que tem poderes mediúnicos e que consegue prever as mortes dos amigos, da família e das pessoas com quem contacta, porque se sente mal a seguir ao almoço: alguém tem de, de uma vez por todas, mostrar ao mundo que isto de sentir coisas de adivinhar sim, é possível. Eu estou mal disposto já desde o pequeno-almoço de ontem! Eu acabei de usar um ponto de exclamação sem motivo aparente! Ó não, outra vez! Eu estou em pânico!!!
Estou em pânico e estou a escrever este texto porque tenho urgência de deixar escrito que «estamos a 22 de Novembro e o Benfica ainda não perdeu qualquer jogo oficial esta época em todas as provas que disputa» e deixar esta ideia registada para a posteridade - assim intocável, incontestável, imaculada. Antes que seja tarde.
Só peço a Jesus que me mostre que estou errado e que os meus refluxos sejam alcalinos ou gastroesofágicos ao invés de mediúnicos ou premonitórios.
Vocês não irão entender-me, eu sei que o caso é paranormalóide. Mas estas premonições são extraordinariamente assustadoras. E até fico grato àquele rapaz da Casa dos Segredos, aquele que tem poderes mediúnicos e que consegue prever as mortes dos amigos, da família e das pessoas com quem contacta, porque se sente mal a seguir ao almoço: alguém tem de, de uma vez por todas, mostrar ao mundo que isto de sentir coisas de adivinhar sim, é possível. Eu estou mal disposto já desde o pequeno-almoço de ontem! Eu acabei de usar um ponto de exclamação sem motivo aparente! Ó não, outra vez! Eu estou em pânico!!!
Estou em pânico e estou a escrever este texto porque tenho urgência de deixar escrito que «estamos a 22 de Novembro e o Benfica ainda não perdeu qualquer jogo oficial esta época em todas as provas que disputa» e deixar esta ideia registada para a posteridade - assim intocável, incontestável, imaculada. Antes que seja tarde.
Só peço a Jesus que me mostre que estou errado e que os meus refluxos sejam alcalinos ou gastroesofágicos ao invés de mediúnicos ou premonitórios.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Lionel quem? Cristiano quê?
«Não é verdade que não goste de falar, mas a verdade é que nem sempre temos algo interessante para dizer. Não podemos estar a falar a qualquer hora e sobre qualquer assunto.»
Não é preciso creditar a frase, pois não?
Não é preciso creditar a frase, pois não?
Correio dos leitores
Depois de uma semana agitada, tive um fim-de-semana com o sabor do fel. Aparentemente, as minhas estimadas leitoras encontraram neste humilde recanto razões mais que suficientes para se indignarem – e fizeram-no com alguma rudeza e admirável persistência.
A culpa foi, sobretudo, do arroz. A Dona Paulina, das Mercês, escreve-me um pouco exaltada e diz que “um arroz desses nunca na vida pode ser malandrinho – nunca! Sai todo empapado”. Minha cara Paulina, a nota, como pode ver, foi registada e está publicada. Fica a dica para os mais “criativos” que insistem em inventar na hora de ir direito ao assunto. Mas não foi apenas a Dona Paulina a indignar-se. A minha caixa de e-mail estava bastante recheada. De Sacavém – e noto aqui uma certa tendência suburbana nas minhas leitoras que me causa regozijo -, Ana Luísa diz-me o seguinte “leio assiduamente este blogue e costumo gostar, mas não entendo por que raio não publica a receita completa. Queria convidar a secretária do meu marido para jantar e, assim, como é que posso dar-lhe o arroz?”. Querida Ana Luísa, queira contactar a Dona Paulina. Eu passo-lhe o contacto por e-mail.
Eu podia continuar, mas a ideia não varia muito. Entre ingredientes a mais e a falta deles, o visado acaba por ser sempre o mesmo: este vosso esforçado mensageiro. Mas nem todas as reclamações foram de índole gastronómica. Ao engano, algumas das minhas exigentes analistas vieram ao 227218 em busca de “futebol”. Debalde, como é evidente. Quando falei do Cristiano Ronaldo e daquela pessoazinha irritante e sonsa que joga maravilhosamente à bola, julgaram tratar-se de assunto futebolístico. Mea culpa, poderia e deveria ter-me explicado melhor.
Cristina dos Santos, da bonita localidade de Fogueteiro (ou será “do” Fogueteiro?), diz o que se segue: “é inacreditável, é uma falta de vergonha… comparar o montanheiro do Pico Ruivo com aquele amor de pessoa, aquela fofura, aquele docinho… eu… eu nem acredito! Nunca mais cá ponho os olhos!”. Cristina, se reconsiderar e permitir que os seus olhos aqui regressem, queira saber que não foi minha intenção ofendê-la. Cumprimentos.
Isabel R., da Nazaré, em vez de andar a ver as ondas gigantes, prefere vir para a Internet ler acerca do seu querido Lionel, parece. E também se indigna: “ó Diego, ó Diego, ó Diego! Então tem lá comparação aquele mal educadão, convencido e putanheiro com aquela jóia de rapaz, que fosse eu casadoira e não me escapava?! O meu Mário João que me perdoe, mas o Leo é um xuxu!” Há coisas que me causam espanto e esta é uma delas: chamar-se “Leo” a alguém cujo nome se escreve “Lionel”. E ondas com 30 metros também me impressionam um pouco.
Há mais. A que aí vem é a minha preferida. Aparentemente, trata-se de uma jovem portuguesa em Erasmus por Barcelona. Enfim, Hospitalet de Llobregat, tal como manda o perfil-padrão. Chama-se Liliana e estuda Ciências da Comunicação: “O Messi é uma excelente pessoa, fica sabendo! E veste-se muito melhor do que o Cristiano! E é o melhor jogador do mundo que eu jamais alguma vez vi! E ama os seus adeptos, não joga pelo dinheiro! E respeita o futebol, não o suja! E não usa Linic! Estúpido!” Minha exclamativa Liliana, não quis melindrá-la, a sério…
Vamos lá ver… minha senhoras, eu gosto muito de vocês. E quero que aqui fique bem claro uma série de coisas. Primeiro que tudo, de futebol não percebo grande coisa, não é ciência que domine. Gosto de ver e de ir ao estádio. Mas, por norma, só percebo que foi golo porque vejo as pessoas a gritar à minha volta, muito eufóricas. Como gosto de me sentir integrado, imito-lhes os gestos e comporto-me como um primata pouco desenvolvido. De resto, a coisa acaba aí. Este blogue é um sítio de partilha e desabafos, sim. Mas o que eu prefiro mesmo é a culinária – embora também não seja especialista na matéria, como pôde ver-se pelo episódio do arroz.
O que defendi relativamente ao affair Messi – Ronaldo não passava de um desabafo do momento. Irrita-me sobretudo que o mundo inteiro seja tão beatamente devoto ao argentino e tão obstinadamente anti-Cristiano. Mas que fique claro que a minha compaixão pelo madeirense se esgota no ponto preciso em que a minha raiva se desvanece. Com ele partilho a nacionalidade e até essa de um modo meio enviesado e sem grande prazer no assunto.
Sobre o ungido das pampas, é com enorme angústia que me vejo obrigado a aceitar que entrou definitivamente no panteão dos desuses da bola. Porque lhe falta aquele ingrediente que faz dos reis, mais que adorados, temidos: o carisma de um líder. Lionel, bem feitas as contas, tem o carisma de um copo de plástico o que torna a nossa relação – entre mim e ele – uma impossibilidade.
Se o universo do futebol fosse uma turma do 6.º ano, o Messi seria aquele gajo que tira 20 a tudo e que é o nerd da turma, que não se dá com ninguém que não seja igualmente nerd e cujo sentido de “estilo” se resume à ambição de possuir uma mochila com mais de três cores fluorescentes. Nessa mesma turma, haveria um bully. Quem melhor para o papel do bronco cheio de mania do que o Cristiano, não é? Aposto que o Cristiano todos os dias roubaria o pacotinho de leite achocolatado ao mariquinhas do Lionel só para escrever na parede do ginásio “Kristiano teve aki” como se estivesse a mijar.
Se eu fosse da turma deles, não seria amigo de nenhum. Mas iria, apesar de tudo, achar mais graça ao analfabeto com músculos. Espero que a analogia vos tenha apelado ao sentimento e que tenhamos ficado esclarecidos.
A culpa foi, sobretudo, do arroz. A Dona Paulina, das Mercês, escreve-me um pouco exaltada e diz que “um arroz desses nunca na vida pode ser malandrinho – nunca! Sai todo empapado”. Minha cara Paulina, a nota, como pode ver, foi registada e está publicada. Fica a dica para os mais “criativos” que insistem em inventar na hora de ir direito ao assunto. Mas não foi apenas a Dona Paulina a indignar-se. A minha caixa de e-mail estava bastante recheada. De Sacavém – e noto aqui uma certa tendência suburbana nas minhas leitoras que me causa regozijo -, Ana Luísa diz-me o seguinte “leio assiduamente este blogue e costumo gostar, mas não entendo por que raio não publica a receita completa. Queria convidar a secretária do meu marido para jantar e, assim, como é que posso dar-lhe o arroz?”. Querida Ana Luísa, queira contactar a Dona Paulina. Eu passo-lhe o contacto por e-mail.
Eu podia continuar, mas a ideia não varia muito. Entre ingredientes a mais e a falta deles, o visado acaba por ser sempre o mesmo: este vosso esforçado mensageiro. Mas nem todas as reclamações foram de índole gastronómica. Ao engano, algumas das minhas exigentes analistas vieram ao 227218 em busca de “futebol”. Debalde, como é evidente. Quando falei do Cristiano Ronaldo e daquela pessoazinha irritante e sonsa que joga maravilhosamente à bola, julgaram tratar-se de assunto futebolístico. Mea culpa, poderia e deveria ter-me explicado melhor.
Cristina dos Santos, da bonita localidade de Fogueteiro (ou será “do” Fogueteiro?), diz o que se segue: “é inacreditável, é uma falta de vergonha… comparar o montanheiro do Pico Ruivo com aquele amor de pessoa, aquela fofura, aquele docinho… eu… eu nem acredito! Nunca mais cá ponho os olhos!”. Cristina, se reconsiderar e permitir que os seus olhos aqui regressem, queira saber que não foi minha intenção ofendê-la. Cumprimentos.
Isabel R., da Nazaré, em vez de andar a ver as ondas gigantes, prefere vir para a Internet ler acerca do seu querido Lionel, parece. E também se indigna: “ó Diego, ó Diego, ó Diego! Então tem lá comparação aquele mal educadão, convencido e putanheiro com aquela jóia de rapaz, que fosse eu casadoira e não me escapava?! O meu Mário João que me perdoe, mas o Leo é um xuxu!” Há coisas que me causam espanto e esta é uma delas: chamar-se “Leo” a alguém cujo nome se escreve “Lionel”. E ondas com 30 metros também me impressionam um pouco.
Há mais. A que aí vem é a minha preferida. Aparentemente, trata-se de uma jovem portuguesa em Erasmus por Barcelona. Enfim, Hospitalet de Llobregat, tal como manda o perfil-padrão. Chama-se Liliana e estuda Ciências da Comunicação: “O Messi é uma excelente pessoa, fica sabendo! E veste-se muito melhor do que o Cristiano! E é o melhor jogador do mundo que eu jamais alguma vez vi! E ama os seus adeptos, não joga pelo dinheiro! E respeita o futebol, não o suja! E não usa Linic! Estúpido!” Minha exclamativa Liliana, não quis melindrá-la, a sério…
Vamos lá ver… minha senhoras, eu gosto muito de vocês. E quero que aqui fique bem claro uma série de coisas. Primeiro que tudo, de futebol não percebo grande coisa, não é ciência que domine. Gosto de ver e de ir ao estádio. Mas, por norma, só percebo que foi golo porque vejo as pessoas a gritar à minha volta, muito eufóricas. Como gosto de me sentir integrado, imito-lhes os gestos e comporto-me como um primata pouco desenvolvido. De resto, a coisa acaba aí. Este blogue é um sítio de partilha e desabafos, sim. Mas o que eu prefiro mesmo é a culinária – embora também não seja especialista na matéria, como pôde ver-se pelo episódio do arroz.
O que defendi relativamente ao affair Messi – Ronaldo não passava de um desabafo do momento. Irrita-me sobretudo que o mundo inteiro seja tão beatamente devoto ao argentino e tão obstinadamente anti-Cristiano. Mas que fique claro que a minha compaixão pelo madeirense se esgota no ponto preciso em que a minha raiva se desvanece. Com ele partilho a nacionalidade e até essa de um modo meio enviesado e sem grande prazer no assunto.
Sobre o ungido das pampas, é com enorme angústia que me vejo obrigado a aceitar que entrou definitivamente no panteão dos desuses da bola. Porque lhe falta aquele ingrediente que faz dos reis, mais que adorados, temidos: o carisma de um líder. Lionel, bem feitas as contas, tem o carisma de um copo de plástico o que torna a nossa relação – entre mim e ele – uma impossibilidade.
Se o universo do futebol fosse uma turma do 6.º ano, o Messi seria aquele gajo que tira 20 a tudo e que é o nerd da turma, que não se dá com ninguém que não seja igualmente nerd e cujo sentido de “estilo” se resume à ambição de possuir uma mochila com mais de três cores fluorescentes. Nessa mesma turma, haveria um bully. Quem melhor para o papel do bronco cheio de mania do que o Cristiano, não é? Aposto que o Cristiano todos os dias roubaria o pacotinho de leite achocolatado ao mariquinhas do Lionel só para escrever na parede do ginásio “Kristiano teve aki” como se estivesse a mijar.
Se eu fosse da turma deles, não seria amigo de nenhum. Mas iria, apesar de tudo, achar mais graça ao analfabeto com músculos. Espero que a analogia vos tenha apelado ao sentimento e que tenhamos ficado esclarecidos.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Ronaldo, desta vez estamos juntos, meu
Começo a ficar verdadeiramente farto desta devoção a Messi. Sim, ele é um génio sem par. Mas, por outro lado, também é das figurinhas mais sonsas da história do futebol, um rapaz sem piada nenhuma, o bonzinho, o perfeito, o elevado, o santo. Não faz mal a uma mosca, não parte um prato, não diz palavrões, não mete os cotovelos na mesa. Irrita-me.
Não sou nem nunca fui admirador do Cristiano (ao nível da personalidade, entenda-se) mas, entre um e outro, prefiro a falta de maneiras e a vaidade sincera e frontal do madeirense. Não posso com gajos perfeitinhos.
Não sou nem nunca fui admirador do Cristiano (ao nível da personalidade, entenda-se) mas, entre um e outro, prefiro a falta de maneiras e a vaidade sincera e frontal do madeirense. Não posso com gajos perfeitinhos.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Texto muito mal educado sobre pessoas muito mal educadas
Eu não quero soar repetitivo, mas isto da selecção e das paragens no campeonato desinspira-me. Por mais que tente, não arranjo assunto de bola que tenha interesse. Procuro na imprensa e o máximo que consigo é uma burrice de um redactor d’ A Bola que nem tem feedback que se veja. Talvez devesse ter colocado a bold aquilo que me levou a publicar o excerto. Ora… hum… bold em português diz-se negrito. Entremos por aí.
Aparentemente, o Javi Garcia sublinhou o negrito do Alan. Isto teria muito mais piada se o Javi, em vez de ser espanhol, fosse italiano. Mas deixemo-nos de estilos. O Alan podia simplesmente ser um “gajo de merda” que isso não o ofendia. Mas tocaram-lhe lá naquilo da cor e ele sentiu-se. É justo. Eu, no lugar dele, não me teria ressentido, devo dizer. Se me chamassem “branco de merda”, responderia qualquer coisa como o Dude respondeu ao Jesus em The Big Lebowski: “err… that’s like… your opinion, man”. A malta leva as coisas demasiado a sério. Se a intenção das palavras era mesmo racista, então sentir-me-ia verdadeiramente superior ao suposto ofensor que, dando voz a esse impulso primitivo, verbalizara o seu preconceito relativamente a raças.
Assim, estas coisas nem merecem resposta. Mas vá, sabendo que o Alan se melindra com a mera existência de Javi, é natural que lhe tenha apetecido responder-lhe. Já pensei em várias respostas possíveis. Há uma que é muito digna e, creio eu, bastante ofensiva, sem nunca perder a compostura: “e tu és um racista”. Parece-me bem mais eficiente do que “preto de merda”, mas isto sou só eu a dizer.
Quem jogou à bola, saberá que ali o discurso e o léxico não são nem brilhantes nem para meninos. De filho da puta para baixo e damo-nos todos bem. Há quem alegue, no entanto e sobre este caso do Javi e do Alan, que o ofendido “não tem a culpa da cor com que nasceu”. E eu acrescento que nem ele nem ninguém tem a culpa da cor com que nasce. Já dou de barato a parte da “culpa” por se ter uma cor, como se uma ou outra significassem mais ou menos valor ou justificassem mais ou menos pesar por serem, ou não, aquela que temos. Mas cada um pensa como quer e não quero discriminar as pessoas por serem mais ou menos obtusas. Agora, se vamos pela culpa, então tenho a dizer que da próxima vez que me quiserem ofender por causa da cor, que se dirijam ao verdadeiro responsável pela minha vergonha: o meu pai.
Com o seu sangue misto de mouro com branco, o meu pai teve a culpadíssima ideia de escolher a minha mãe, branca, alva, clara e quase luminosa, para companheira de procriação. E da sua insidiosa relação, nasci eu, um branquela sem graça. Um branco de merda. Portanto, da próxima que quiserem insultar-me, experimentem, por exemplo, “o teu pai fez um branco de merda”, porque a culpa é toda dele, não é minha. Aliás, não fez só um: fez dois! Vejam bem onde chega o desplante.
Isto tudo porque, realmente, as pessoas não têm culpa da maneira como nascem. Nem dos pais que têm, já agora. Nem das mães. E as mães são das figuras mais presentes num relvado de futebol, como toda a gente sabe. Que me lembre, a única mãe de um adversário que defrontei que vim a “conhecer” (como quem diz, “vim a saber quem era pela televisão e pelas revistas”) foi a mãe do Simão Sabrosa. Senhora respeitável, claro está, e acima de tudo cidadã digna de respeito, como qualquer um de nós, até prova em contrário. No entanto, quando o Simão marcou pela quinta ou sexta vez contra a minha equipa no pelado do Paúl, não senti o menor peso na consciência ao deixar escapar um “ai, a puta qu’o pariu, foda-se!...” Nunca conheci a mãe do Filipe Cândido – e ainda bem.
No campo as coisas aquecem. É certo que o respeito e o bom trato são essenciais, que a origem do desporto é o embate entre cavalheiros. Mas não me parece que, quando a coisa resvala no calor da luta – e sobretudo quando há um historial de atrito entre contendores –, as coisas devam ser levadas à letra ou demasiado a peito (e se são demasiado ofensivas para não serem levadas à letra, sejamos Zinedines de cabeça quente no peito do outro, tudo o resto soa a mariquice). Neste caso, não estamos a falar de discursos ensaiados nem premeditados – é uma tentativa de ofensa até bastante rudimentar, parece-me. E eu já ouvi alguns discursos premeditados. Certos deles, quase iluminados. O melhor pior de todos é “matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta”. É tão mau, tão mau, tão mau, que se mo dissessem o mais provável seria eu rir-me. Porque a frase é elaborada e – apesar de bastante macabra e, ao nível do subtexto, profundamente desrespeitosa – engraçada. A mim lembra-me logo coisas da banda desenhada, tipo o Tintin a ser cozinhado num caldeirão de selvagens para fazerem um arrozinho de repórter. Mas isto sou só eu a pensar. Porque vá, a frase é ofensiva, sim senhor.
Se o Javi e o Alan têm muito problema com a história da cor, a coisa devia ter-se ficado nesse nível rasteirinho e apenas entre eles. Por exemplo, o Javi chamava preto de merda ao Alan e este respondia-lhe na mesma moeda, mas com maior potencial ofensivo, “eu até matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta, mas tenho nojo de carne branca”. Isto sim, seria pesadíssimo. Tenham em conta que isto sou eu a supor coisas, apenas. É o chamado “supônhamos”. Vejam bem que eu até sou capaz de supor que o Javi e o Alan tinham tido a decência de poupar o país inteiro a este episódio um bocado parvo (acerca do qual eu não escreveria se houvesse campeonato esta semana).
Tenho pena da falta de educação dos intervenientes, no fundo. Porque, se o Alan tivesse mesmo nível, em vez de dizer aquelas coisas que eu disse acima e que são terrivelmente deselegantes, ter-se-ia chegado ao Javi e dito «como é que sabes? As luzes estão apagadas, ó palerma» e morria ali o assunto.
Aparentemente, o Javi Garcia sublinhou o negrito do Alan. Isto teria muito mais piada se o Javi, em vez de ser espanhol, fosse italiano. Mas deixemo-nos de estilos. O Alan podia simplesmente ser um “gajo de merda” que isso não o ofendia. Mas tocaram-lhe lá naquilo da cor e ele sentiu-se. É justo. Eu, no lugar dele, não me teria ressentido, devo dizer. Se me chamassem “branco de merda”, responderia qualquer coisa como o Dude respondeu ao Jesus em The Big Lebowski: “err… that’s like… your opinion, man”. A malta leva as coisas demasiado a sério. Se a intenção das palavras era mesmo racista, então sentir-me-ia verdadeiramente superior ao suposto ofensor que, dando voz a esse impulso primitivo, verbalizara o seu preconceito relativamente a raças.
Assim, estas coisas nem merecem resposta. Mas vá, sabendo que o Alan se melindra com a mera existência de Javi, é natural que lhe tenha apetecido responder-lhe. Já pensei em várias respostas possíveis. Há uma que é muito digna e, creio eu, bastante ofensiva, sem nunca perder a compostura: “e tu és um racista”. Parece-me bem mais eficiente do que “preto de merda”, mas isto sou só eu a dizer.
Quem jogou à bola, saberá que ali o discurso e o léxico não são nem brilhantes nem para meninos. De filho da puta para baixo e damo-nos todos bem. Há quem alegue, no entanto e sobre este caso do Javi e do Alan, que o ofendido “não tem a culpa da cor com que nasceu”. E eu acrescento que nem ele nem ninguém tem a culpa da cor com que nasce. Já dou de barato a parte da “culpa” por se ter uma cor, como se uma ou outra significassem mais ou menos valor ou justificassem mais ou menos pesar por serem, ou não, aquela que temos. Mas cada um pensa como quer e não quero discriminar as pessoas por serem mais ou menos obtusas. Agora, se vamos pela culpa, então tenho a dizer que da próxima vez que me quiserem ofender por causa da cor, que se dirijam ao verdadeiro responsável pela minha vergonha: o meu pai.
Com o seu sangue misto de mouro com branco, o meu pai teve a culpadíssima ideia de escolher a minha mãe, branca, alva, clara e quase luminosa, para companheira de procriação. E da sua insidiosa relação, nasci eu, um branquela sem graça. Um branco de merda. Portanto, da próxima que quiserem insultar-me, experimentem, por exemplo, “o teu pai fez um branco de merda”, porque a culpa é toda dele, não é minha. Aliás, não fez só um: fez dois! Vejam bem onde chega o desplante.
Isto tudo porque, realmente, as pessoas não têm culpa da maneira como nascem. Nem dos pais que têm, já agora. Nem das mães. E as mães são das figuras mais presentes num relvado de futebol, como toda a gente sabe. Que me lembre, a única mãe de um adversário que defrontei que vim a “conhecer” (como quem diz, “vim a saber quem era pela televisão e pelas revistas”) foi a mãe do Simão Sabrosa. Senhora respeitável, claro está, e acima de tudo cidadã digna de respeito, como qualquer um de nós, até prova em contrário. No entanto, quando o Simão marcou pela quinta ou sexta vez contra a minha equipa no pelado do Paúl, não senti o menor peso na consciência ao deixar escapar um “ai, a puta qu’o pariu, foda-se!...” Nunca conheci a mãe do Filipe Cândido – e ainda bem.
No campo as coisas aquecem. É certo que o respeito e o bom trato são essenciais, que a origem do desporto é o embate entre cavalheiros. Mas não me parece que, quando a coisa resvala no calor da luta – e sobretudo quando há um historial de atrito entre contendores –, as coisas devam ser levadas à letra ou demasiado a peito (e se são demasiado ofensivas para não serem levadas à letra, sejamos Zinedines de cabeça quente no peito do outro, tudo o resto soa a mariquice). Neste caso, não estamos a falar de discursos ensaiados nem premeditados – é uma tentativa de ofensa até bastante rudimentar, parece-me. E eu já ouvi alguns discursos premeditados. Certos deles, quase iluminados. O melhor pior de todos é “matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta”. É tão mau, tão mau, tão mau, que se mo dissessem o mais provável seria eu rir-me. Porque a frase é elaborada e – apesar de bastante macabra e, ao nível do subtexto, profundamente desrespeitosa – engraçada. A mim lembra-me logo coisas da banda desenhada, tipo o Tintin a ser cozinhado num caldeirão de selvagens para fazerem um arrozinho de repórter. Mas isto sou só eu a pensar. Porque vá, a frase é ofensiva, sim senhor.
Se o Javi e o Alan têm muito problema com a história da cor, a coisa devia ter-se ficado nesse nível rasteirinho e apenas entre eles. Por exemplo, o Javi chamava preto de merda ao Alan e este respondia-lhe na mesma moeda, mas com maior potencial ofensivo, “eu até matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta, mas tenho nojo de carne branca”. Isto sim, seria pesadíssimo. Tenham em conta que isto sou eu a supor coisas, apenas. É o chamado “supônhamos”. Vejam bem que eu até sou capaz de supor que o Javi e o Alan tinham tido a decência de poupar o país inteiro a este episódio um bocado parvo (acerca do qual eu não escreveria se houvesse campeonato esta semana).
Tenho pena da falta de educação dos intervenientes, no fundo. Porque, se o Alan tivesse mesmo nível, em vez de dizer aquelas coisas que eu disse acima e que são terrivelmente deselegantes, ter-se-ia chegado ao Javi e dito «como é que sabes? As luzes estão apagadas, ó palerma» e morria ali o assunto.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Talvez pudesses ter ficado calado #4
Hoje n' A Bola escreve-se (p. 25) que Falcao foi «questionado se esperava um desempenho do Atlético Madrid aquém das expectativas». A notícia não esclarece se Radamel ficou ou não confuso com a pergunta.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Uma cerveja ganha com tempo
Há quem se oriente no tempo, mas no tempo longo que se mede em anos, tendo como referência os filhos. Eu não tenho filhos. Eu tenho livros e épocas futebolísticas. Eu tenho uma sobrinha. Ela nasceu mais ou menos um mês depois de termos sido campeões no Bessa e aproximadamente um mês antes de eu ter começado a ler A Sul de Nenhum Norte, o primeiro livro do Bukowski em que tive o prazer de andar à deriva. Tenho a certeza de que a minha sobrinha tem à volta de seis anos e meio. Não confundam esta maneira de contar as coisas com “não querer saber”. Às vezes sei que me arrisco a não ser compreendido (e o meu irmão lê este blogue – Marco, sabes que isto é assim e não é por mal). Mas é-me mais fácil saber que determinados acontecimentos sucederam nessa época em que Trapattoni ganhou o título que todos deixaram escapar – e que nos escapava havia uma eternidade – do que o contrário. É, aliás, um exercício que aconselho a todos.
Acabei recentemente os livros sobre futebol que tão bem me preencheram o início da época. Terminei-os pouco depois daquela interrupção para se ver jogar as selecções e se ficar sem assunto para escrever textos. Regressei, entretanto, a Bukowski – Ham on Rye – Pão Com Fiambre – numa boa edição da Ulisseia (apesar dos erros derivados da falta de revisão). Este regresso coincide com um período mais apagado do Benfica. Há uma estranha coincidência, para além do momento real das coisas: o livro retrata o período mais negro da vida de Bukowski. Digo que é o mais negro porque toda a sua vida foi bastante ensombrada. Porém, no início ele não só ainda não escrevia como até boa parte do livro é virgem; além disto, não tinha descoberto as corridas de cavalos. Ou seja, de tudo o que acabou por defini-lo, só a parte de ser um sofredor, de não ter dinheiro, de se embebedar e de ser feio é que já existiam. As coisas melhores ainda estavam por vir.
A coincidência. A tal coincidência é isto: o Chinaski (o alter ego de Bukowski) era infeliz naquele período e o Benfica também anda infeliz neste período em que leio o livro. Mas sei que, passadas umas páginas, tudo vai melhorar. Sei de um porque lhe conheço a biografia; e sei de Outro porque lhe conheço a qualidade e a essência, para além da biografia. Mas eu queria era falar dos tempos e assim.
No outro dia, ganhei uma cerveja numa aposta estúpida. Foi no fim do Braga – Benfica e já estava o Sporting a jogar com a Leiria. Diz-se a Leiria e não “o” Leiria. A União de Leiria. E estava um amigo sportinguista a dizer que já não festejava um campeonato desde 2005. E eu fiquei impressionado, porque julguei que ele tinha festejado pelo Benfica, o que, apesar de não ficar bem a qualquer das partes, é positivo na medida em que demonstra inequivocamente a falta de motivos para festejar dos sportinguistas. Diz-me ele que não, que festejou pelo Sporting. E eu, uma vez mais, achei curioso alguém festejar um segundo ou terceiro lugar ou lá o que foi. E ele corrige-me novamente: não, que festejou o campeonato do Sporting.
E eu estive para argumentar que não, que tinha sido pouco antes de a minha sobrinha nascer e de eu ler o A Sul de Nenhum Norte que o Benfica tinha sido campeão com o Trap, mas achei que não tinham pertinência para ele estas referências. E então disse-lhe “não, vocês já não são campeões desde 2002” e isto é um facto de que parece não haver muita gente recordada por aí. Ou isso ou não atribuem ao mesmo facto o valor que eu achei que poderia ter. Talvez eu ande a sobrevalorizar o Sporting, perdoem-me por isso; mas achei que dez anos sem meter a mão no troféu era tempo demasiado. Esse meu amigo não ficou convencido e decidiu apostar comigo – a tal cerveja. Eu achei a aposta estúpida, claro. Não é fácil uma pessoa confundir-se com os campeonatos ganhos pelo Sporting. Assim, de repente, dá-me ideia de serem três nos últimos trinta anos. Se um Benfiquista não se aflige com contas sobre o historial recente, um sportinguista muito menos.
Eu lembro-me de ter mudado de casa no ano em que o Sporting foi campeão passados 18 anos. E lembro-me de ter mudado certas coisas lá em casa no ano em que o Sporting foi campeão logo a seguir ao Boavista, portanto, aquela cerveja era minha. Nesse ano de 2002 fui ao Festival Sudoeste pela última vez na minha vida – e senti-me demasiado adulto para andar por ali, já na altura. Portanto, eu tenho tudo isto perfeitamente enquadrado: o Jardel era para vir para o Benfica, estava tudo tratado (ele estava “guardado” na Ericeira), mas eis que a Fiorentina vai à falência. Estava com o meu irmão à espera de um concerto de Peter Murphy, salvo erro, quando o Fernando Alvim subiu ao palco principal e, sem qualquer pingo de vergonha, com o maior dos entusiasmos, anunciou, vitorioso, ao microfone “Pessoal, o Nuno Gomes É NOSSOOOOO!!!!”. O mais estranho não foi o desplante e a convicção com que o fez, foi mesmo a reacção massiva do público, que rejubilou quase na sua totalidade. Escusado será dizer que o Jardel foi devolvido ao Sporting – porém, com algum atraso e em muito mau estado, com problemas “pissecológicos”, como o próprio alegava.
Tive de recorrer à Wikipédia para mostrar a lista dos vencedores do Campeonato Nacional ao tal amigo. Não convencido, obrigou-me a apresentar a página do Sporting na Wikipédia, onde a informação correspondia, claro, à anterior. Continuou com dúvidas e eu estava incrédulo: como podia alguém sportinguista não saber tão convictamente que o Sporting não é campeão desde 2002?! Se há pessoa que precisa de um sistema de organização cronológica diferente do meu, é esta, que agora me deve uma cerveja.
Acabei recentemente os livros sobre futebol que tão bem me preencheram o início da época. Terminei-os pouco depois daquela interrupção para se ver jogar as selecções e se ficar sem assunto para escrever textos. Regressei, entretanto, a Bukowski – Ham on Rye – Pão Com Fiambre – numa boa edição da Ulisseia (apesar dos erros derivados da falta de revisão). Este regresso coincide com um período mais apagado do Benfica. Há uma estranha coincidência, para além do momento real das coisas: o livro retrata o período mais negro da vida de Bukowski. Digo que é o mais negro porque toda a sua vida foi bastante ensombrada. Porém, no início ele não só ainda não escrevia como até boa parte do livro é virgem; além disto, não tinha descoberto as corridas de cavalos. Ou seja, de tudo o que acabou por defini-lo, só a parte de ser um sofredor, de não ter dinheiro, de se embebedar e de ser feio é que já existiam. As coisas melhores ainda estavam por vir.
A coincidência. A tal coincidência é isto: o Chinaski (o alter ego de Bukowski) era infeliz naquele período e o Benfica também anda infeliz neste período em que leio o livro. Mas sei que, passadas umas páginas, tudo vai melhorar. Sei de um porque lhe conheço a biografia; e sei de Outro porque lhe conheço a qualidade e a essência, para além da biografia. Mas eu queria era falar dos tempos e assim.
No outro dia, ganhei uma cerveja numa aposta estúpida. Foi no fim do Braga – Benfica e já estava o Sporting a jogar com a Leiria. Diz-se a Leiria e não “o” Leiria. A União de Leiria. E estava um amigo sportinguista a dizer que já não festejava um campeonato desde 2005. E eu fiquei impressionado, porque julguei que ele tinha festejado pelo Benfica, o que, apesar de não ficar bem a qualquer das partes, é positivo na medida em que demonstra inequivocamente a falta de motivos para festejar dos sportinguistas. Diz-me ele que não, que festejou pelo Sporting. E eu, uma vez mais, achei curioso alguém festejar um segundo ou terceiro lugar ou lá o que foi. E ele corrige-me novamente: não, que festejou o campeonato do Sporting.
E eu estive para argumentar que não, que tinha sido pouco antes de a minha sobrinha nascer e de eu ler o A Sul de Nenhum Norte que o Benfica tinha sido campeão com o Trap, mas achei que não tinham pertinência para ele estas referências. E então disse-lhe “não, vocês já não são campeões desde 2002” e isto é um facto de que parece não haver muita gente recordada por aí. Ou isso ou não atribuem ao mesmo facto o valor que eu achei que poderia ter. Talvez eu ande a sobrevalorizar o Sporting, perdoem-me por isso; mas achei que dez anos sem meter a mão no troféu era tempo demasiado. Esse meu amigo não ficou convencido e decidiu apostar comigo – a tal cerveja. Eu achei a aposta estúpida, claro. Não é fácil uma pessoa confundir-se com os campeonatos ganhos pelo Sporting. Assim, de repente, dá-me ideia de serem três nos últimos trinta anos. Se um Benfiquista não se aflige com contas sobre o historial recente, um sportinguista muito menos.
Eu lembro-me de ter mudado de casa no ano em que o Sporting foi campeão passados 18 anos. E lembro-me de ter mudado certas coisas lá em casa no ano em que o Sporting foi campeão logo a seguir ao Boavista, portanto, aquela cerveja era minha. Nesse ano de 2002 fui ao Festival Sudoeste pela última vez na minha vida – e senti-me demasiado adulto para andar por ali, já na altura. Portanto, eu tenho tudo isto perfeitamente enquadrado: o Jardel era para vir para o Benfica, estava tudo tratado (ele estava “guardado” na Ericeira), mas eis que a Fiorentina vai à falência. Estava com o meu irmão à espera de um concerto de Peter Murphy, salvo erro, quando o Fernando Alvim subiu ao palco principal e, sem qualquer pingo de vergonha, com o maior dos entusiasmos, anunciou, vitorioso, ao microfone “Pessoal, o Nuno Gomes É NOSSOOOOO!!!!”. O mais estranho não foi o desplante e a convicção com que o fez, foi mesmo a reacção massiva do público, que rejubilou quase na sua totalidade. Escusado será dizer que o Jardel foi devolvido ao Sporting – porém, com algum atraso e em muito mau estado, com problemas “pissecológicos”, como o próprio alegava.
Tive de recorrer à Wikipédia para mostrar a lista dos vencedores do Campeonato Nacional ao tal amigo. Não convencido, obrigou-me a apresentar a página do Sporting na Wikipédia, onde a informação correspondia, claro, à anterior. Continuou com dúvidas e eu estava incrédulo: como podia alguém sportinguista não saber tão convictamente que o Sporting não é campeão desde 2002?! Se há pessoa que precisa de um sistema de organização cronológica diferente do meu, é esta, que agora me deve uma cerveja.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Os meus pés esquerdos
Soltando a língua como quem liberta a bola, vou-me meter a falar do jogo. Atacando.
Cheguei ao Alto dos Moinhos chovia muito e já não havia impermeáveis encarnados naquelas duas bancas. Não pude ir de chinelos ao jogo. Não que me fizesse impressão os pés molhados e frios. Sou um homem, não sou um rato. Mas eu ia trabalhar antes do jogo e, confesso, cedi à pressão da correcção comportamental em sociedade. Talvez nem toda a gente compreendesse o porquê de eu andar de chinelos de cabedal com 14º C e uma precipitação de dezenas de litros por metro quadrado.
Esta questão dos pés e dos chinelos deu-me que pensar. No fim-de-semana, tratei de ir tratar do assunto. Sabendo que a possibilidade de levar os chinelos ao jogo era cada vez mais remota, optei por investir em calçado imaculado, que ainda não tivesse cadastro desportivo, nada de historial pessimista ou de memórias desagradáveis. “Começar do zero”, pensei eu. E comprei uns Adidas brancos – tudo conforme, portanto. Há que ser rigoroso.
Um pouco abaixo das roulotes, havia impermeáveis. Dez números acima do meu. Todos encarnados mas não diziam Benfica. É pena. Por 5 euros, deviam dizer Benfica e ter o número 10 nas costas. E ser do meu tamanho. Fiquei a parecer uma tenda de campismo e, entretanto, com a imperial cheia de água, soube que o Luís Martins ia jogar na esquerda, que o Aimar era titular e que o Rodrigo ficava no lugar do Cardozo. Olhei para as Adidas brancas e pensei “estais a entrar de pé esquerdo”.
Era tudo pé esquerdo em toda a parte. Para onde quer que se olhasse, pés esquerdos atrás de pés esquerdos, pés esquerdos ao lado de pés esquerdos. No banco, o pé esquerdo do Cardozo. No campo, o pé esquerdo começava no Luís Martins, esticava-se pelo Matic, continuava para o Bruno César, subia pelo Gaitán e acabava no Rodrigo. Pé esquerdo pelo mundo inteiro, por toda a relva.
O melhor golo que alguma vez marquei foi de pé esquerdo, num amigável entre a FCSH – a minha faculdade - e uma faculdade qualquer que devia ser de gestão ou de novas tecnologias, a avaliar pelo talento dos seus jogadores. Apanhei um passe pouco depois do meio-campo, a bola vinha “redondinha” e, para minha surpresa, não hesitei: rematei de esquerda, a uns bons 30 metros, de primeira, para aproveitar o balanço da bola. Entrou no ângulo direito da baliza, com o guarda-redes a fazer uma figura tristíssima ao esticar-se todo, em grande esforço, para conseguir apenas cair com aparato numa poça junto à rede. Foi um golaço. Foi 75% de sorte e 25% de instinto sincronizado com biomecânica. Mas continuo sem explicação para o sucedido. Talvez tenha sido 98% de sorte.
Entrámos no Estádio e eu à procura do pé direito e não dava com ele. Talvez o David Lynch tivesse feito um remake d’ O Meu Pé Esquerdo e nós, estas 40 mil pessoas, entrássemos nesta nova versão. A meio do primeiro cigarro, o Rodrigo marcou. De pé esquerdo. Um golaço. 12% de sorte, 95% de talento. Um golo destes leva mais de 100%.
Eu gosto do Rodrigo e sei que ele é titular. Só não sei como. Ou onde. Não tenho esquemas de jogo preferidos. Os esquemas não me dizem muito e devem sempre depender do potencial de cada jogador em determinadas circunstâncias. Isto é, um esquema deve sempre servir uma determinada estratégia. E uma estratégia não é uma táctica. Uma estratégia é um plano de acção, um guião do jogo: devemos fazer isto para conseguir aquilo; os passos são este e este e depois este; ficam a cargo de fulano e do seu amigo e do outro companheiro ali ao fundo; tu fazes isto, tu aquilo e aquele a outra coisa; o objectivo em determinado tempo é este; noutro, a seguir, é aquele; tudo isto num contexto ideal; caso se alterem as circunstâncias, o plano é alterado aqui e aqui, assim e assado… Isto é uma estratégia. Uma táctica é só uma ferramenta de explicar posicionamentos, nada mais. É uma chave, um desenho, um código. O Benfica tem muitas tácticas. O Benfica tem muitas soluções e uma série de jogadores de grande mobilidade, rápidos, ágeis e inteligentes. Ao Benfica só falta uma estratégia.
Antes de comprar uns ténis novos – Adidas e brancos – vou esperar para ver se o Jorge Jesus reduz ou não o número de pés esquerdos em jogo. O excesso de pé esquerdo é pior do que a abundância de pé frio.
Cheguei ao Alto dos Moinhos chovia muito e já não havia impermeáveis encarnados naquelas duas bancas. Não pude ir de chinelos ao jogo. Não que me fizesse impressão os pés molhados e frios. Sou um homem, não sou um rato. Mas eu ia trabalhar antes do jogo e, confesso, cedi à pressão da correcção comportamental em sociedade. Talvez nem toda a gente compreendesse o porquê de eu andar de chinelos de cabedal com 14º C e uma precipitação de dezenas de litros por metro quadrado.
Esta questão dos pés e dos chinelos deu-me que pensar. No fim-de-semana, tratei de ir tratar do assunto. Sabendo que a possibilidade de levar os chinelos ao jogo era cada vez mais remota, optei por investir em calçado imaculado, que ainda não tivesse cadastro desportivo, nada de historial pessimista ou de memórias desagradáveis. “Começar do zero”, pensei eu. E comprei uns Adidas brancos – tudo conforme, portanto. Há que ser rigoroso.
Um pouco abaixo das roulotes, havia impermeáveis. Dez números acima do meu. Todos encarnados mas não diziam Benfica. É pena. Por 5 euros, deviam dizer Benfica e ter o número 10 nas costas. E ser do meu tamanho. Fiquei a parecer uma tenda de campismo e, entretanto, com a imperial cheia de água, soube que o Luís Martins ia jogar na esquerda, que o Aimar era titular e que o Rodrigo ficava no lugar do Cardozo. Olhei para as Adidas brancas e pensei “estais a entrar de pé esquerdo”.
Era tudo pé esquerdo em toda a parte. Para onde quer que se olhasse, pés esquerdos atrás de pés esquerdos, pés esquerdos ao lado de pés esquerdos. No banco, o pé esquerdo do Cardozo. No campo, o pé esquerdo começava no Luís Martins, esticava-se pelo Matic, continuava para o Bruno César, subia pelo Gaitán e acabava no Rodrigo. Pé esquerdo pelo mundo inteiro, por toda a relva.
O melhor golo que alguma vez marquei foi de pé esquerdo, num amigável entre a FCSH – a minha faculdade - e uma faculdade qualquer que devia ser de gestão ou de novas tecnologias, a avaliar pelo talento dos seus jogadores. Apanhei um passe pouco depois do meio-campo, a bola vinha “redondinha” e, para minha surpresa, não hesitei: rematei de esquerda, a uns bons 30 metros, de primeira, para aproveitar o balanço da bola. Entrou no ângulo direito da baliza, com o guarda-redes a fazer uma figura tristíssima ao esticar-se todo, em grande esforço, para conseguir apenas cair com aparato numa poça junto à rede. Foi um golaço. Foi 75% de sorte e 25% de instinto sincronizado com biomecânica. Mas continuo sem explicação para o sucedido. Talvez tenha sido 98% de sorte.
Entrámos no Estádio e eu à procura do pé direito e não dava com ele. Talvez o David Lynch tivesse feito um remake d’ O Meu Pé Esquerdo e nós, estas 40 mil pessoas, entrássemos nesta nova versão. A meio do primeiro cigarro, o Rodrigo marcou. De pé esquerdo. Um golaço. 12% de sorte, 95% de talento. Um golo destes leva mais de 100%.
Eu gosto do Rodrigo e sei que ele é titular. Só não sei como. Ou onde. Não tenho esquemas de jogo preferidos. Os esquemas não me dizem muito e devem sempre depender do potencial de cada jogador em determinadas circunstâncias. Isto é, um esquema deve sempre servir uma determinada estratégia. E uma estratégia não é uma táctica. Uma estratégia é um plano de acção, um guião do jogo: devemos fazer isto para conseguir aquilo; os passos são este e este e depois este; ficam a cargo de fulano e do seu amigo e do outro companheiro ali ao fundo; tu fazes isto, tu aquilo e aquele a outra coisa; o objectivo em determinado tempo é este; noutro, a seguir, é aquele; tudo isto num contexto ideal; caso se alterem as circunstâncias, o plano é alterado aqui e aqui, assim e assado… Isto é uma estratégia. Uma táctica é só uma ferramenta de explicar posicionamentos, nada mais. É uma chave, um desenho, um código. O Benfica tem muitas tácticas. O Benfica tem muitas soluções e uma série de jogadores de grande mobilidade, rápidos, ágeis e inteligentes. Ao Benfica só falta uma estratégia.
Antes de comprar uns ténis novos – Adidas e brancos – vou esperar para ver se o Jorge Jesus reduz ou não o número de pés esquerdos em jogo. O excesso de pé esquerdo é pior do que a abundância de pé frio.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Duas coisas que fazem pouco sentido...
... ou nenhum, mesmo. Mas não vou elaborar, estou em modo quase telegráfico, não há tempo para tudo. De qualquer modo, o sentido que as coisas fazem é sempre questionável. O título devia ser outro. Qualquer coisa como "alguém quer ter a amabilidade de me explicar por que é que isto é assim?". Mas pronto, agora está escrito, está escrito.
Primeiro, vamos à imprensa. Carlos Machado escreve uma boa crónica n' O Jogo a propósito do estatuto de Ferguson. Machado fala da imunidade de Ferguson, enquanto "Ferguson", aos maus resultados e explica por que motivos e de que maneiras o treinador se transformou naquilo que é: um monstro inderrubável em Inglaterra, alguém inquestionável no Manchester United (mesmo depois de perder 6 a 1 em casa com o Sporting local) e uma personalidade temível no próprio balneário. Compara-se ainda Ferguson a Mourinho e chama-se-lhe o "penúltimo dos imortais" (sendo Mourinho o último, porque é mais novo). O texto é tão cheio de correcção e tão certeiro que é uma pena que me mereça reparo. Porém, Carlos Machado diz que "Ferguson é o modelo zero dos especiais". Permita-me que o corrija: eu acabei de ler o Damned United. Não tendo maneira de provar que há modelo anterior, atrevo-me a dizer que o modelo zero do "especial" éBrain Brian Clough.
Segundo, vamos excepcionalmente aos nossos queridos adversários, cuja agitação e euforia, num caso, e a depressão e o cepticismo, no outro, me surpreendem. Portanto, uma equipa é primeira do campeonato, ganha 5 a 0 em casa, tem tudo para passar aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões - é questionada nos jornais, fala-se em "crise", um dos avançados auto-flagela-se com uma pintura de cabelo absolutamente ridícula e dão um Dragão de Ouro ao Brutus lá da casa. Uma outra equipa, da qual não vou dizer o nome - não podendo ser o Atlético de Lssboa, que esse já existe, pode ser o Lisbon City, vá -, ganha dez jogos (é um belo registo, não haja dúvida), classifica-se para os 16 avos-de-final da Liga Europa (não é mais que a obrigação, digo eu), ganha um jogo 6 a 1 e é terceira classificada na Liga - os adeptos apregoam grandeza, ameaçam com humilhações aos rivais e iniciam os preparativos para o acolhimento do troféu de campeão nacional. Não quero com isto desfazer das exigências de uns nem da boa época de outros. Estou só a observar Benfiquistamente, aqui na minha poltrona encarnada...
Primeiro, vamos à imprensa. Carlos Machado escreve uma boa crónica n' O Jogo a propósito do estatuto de Ferguson. Machado fala da imunidade de Ferguson, enquanto "Ferguson", aos maus resultados e explica por que motivos e de que maneiras o treinador se transformou naquilo que é: um monstro inderrubável em Inglaterra, alguém inquestionável no Manchester United (mesmo depois de perder 6 a 1 em casa com o Sporting local) e uma personalidade temível no próprio balneário. Compara-se ainda Ferguson a Mourinho e chama-se-lhe o "penúltimo dos imortais" (sendo Mourinho o último, porque é mais novo). O texto é tão cheio de correcção e tão certeiro que é uma pena que me mereça reparo. Porém, Carlos Machado diz que "Ferguson é o modelo zero dos especiais". Permita-me que o corrija: eu acabei de ler o Damned United. Não tendo maneira de provar que há modelo anterior, atrevo-me a dizer que o modelo zero do "especial" é
Segundo, vamos excepcionalmente aos nossos queridos adversários, cuja agitação e euforia, num caso, e a depressão e o cepticismo, no outro, me surpreendem. Portanto, uma equipa é primeira do campeonato, ganha 5 a 0 em casa, tem tudo para passar aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões - é questionada nos jornais, fala-se em "crise", um dos avançados auto-flagela-se com uma pintura de cabelo absolutamente ridícula e dão um Dragão de Ouro ao Brutus lá da casa. Uma outra equipa, da qual não vou dizer o nome - não podendo ser o Atlético de Lssboa, que esse já existe, pode ser o Lisbon City, vá -, ganha dez jogos (é um belo registo, não haja dúvida), classifica-se para os 16 avos-de-final da Liga Europa (não é mais que a obrigação, digo eu), ganha um jogo 6 a 1 e é terceira classificada na Liga - os adeptos apregoam grandeza, ameaçam com humilhações aos rivais e iniciam os preparativos para o acolhimento do troféu de campeão nacional. Não quero com isto desfazer das exigências de uns nem da boa época de outros. Estou só a observar Benfiquistamente, aqui na minha poltrona encarnada...
domingo, 23 de outubro de 2011
Bom gosto e finésse
O Correio da Manhã faz chamada de primeira página com a vitória do Benfica em Aveiro. E não deixa créditos por mãos alheias: sobre a foto, pode ler-se «Águias agradecem oferta de Rego».
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Talvez pudesses ter ficado calado #3
Rui Moreira, cujos créditos firmados na indústria de ser bastante parvo já não deixam que o público se surpreenda dia sim, dia sim, escreve hoje uma série de coisas absolutamente irrelevantes na sua crónica d' A Bola. Felizmente para nós, leitores, fá-lo com o talento literário que se lhe reconhece e que adiante passarei a expor em dois exemplos que confirmam o que ora escrevo.
«(...) em princípio justificaria um cartão amarelo para o adversário. Acontece que esse jogador cipriota já tinha recebido um amarelo dessa cor.»
Não sei se deva comentar. Penso que não. Digo apenas que tive aqui um vislumbre das inigualáveis declarações de João Pinto (o do Porto) às rádios e televisões no final dos jogos.
«Espero que Walter passe a ser uma opção para Kléber que, não tendo feito uma boa exibição frente ao APOEL, não me parece ser apontado como réu por o Porto não ter ganho o jogo.»
Aqui a coisa divide-se em dois.
Primeiro, acho bonito o gesto de Rui Moreira, na melhor tradição portista, ao prestar aconselhamento sentimental ao Kléber. E mais: concordo. O Walter parece-me um bom rapaz e talvez seja um bom partido. Espero que o Kléber lhe dê uma chance.
Segundo, a concretização da ideia de Rui Moreira relativamente a Walter como - suponho eu, após profunda análise e interpretação do texto - alternativa para o lugar de ponta-de-lança. É daquelas concretizações à ex-Postiga, quando ele ainda não fazia pontapés de bicicleta. Invariavelmente, transformava golos feios em bonitos pontapés de baliza, sem ninguém perceber bem o que ali tinha acontecido.
«(...) em princípio justificaria um cartão amarelo para o adversário. Acontece que esse jogador cipriota já tinha recebido um amarelo dessa cor.»
Não sei se deva comentar. Penso que não. Digo apenas que tive aqui um vislumbre das inigualáveis declarações de João Pinto (o do Porto) às rádios e televisões no final dos jogos.
«Espero que Walter passe a ser uma opção para Kléber que, não tendo feito uma boa exibição frente ao APOEL, não me parece ser apontado como réu por o Porto não ter ganho o jogo.»
Aqui a coisa divide-se em dois.
Primeiro, acho bonito o gesto de Rui Moreira, na melhor tradição portista, ao prestar aconselhamento sentimental ao Kléber. E mais: concordo. O Walter parece-me um bom rapaz e talvez seja um bom partido. Espero que o Kléber lhe dê uma chance.
Segundo, a concretização da ideia de Rui Moreira relativamente a Walter como - suponho eu, após profunda análise e interpretação do texto - alternativa para o lugar de ponta-de-lança. É daquelas concretizações à ex-Postiga, quando ele ainda não fazia pontapés de bicicleta. Invariavelmente, transformava golos feios em bonitos pontapés de baliza, sem ninguém perceber bem o que ali tinha acontecido.
Por falar em Capitães
Notava eu, em momento auto-contemplativo, que me tenho visto puxado para o tema "Capitão" aqui nos últimos posts. É um tema que me é caro. Estava a tentar recordar-me de todos os capitães do Benfica que conheci (há alguns de que mal me lembro, como o Humberto Coelho, por exemplo) e existe ali um fosso entre a saída de João Vieira Pinto e a chegada de Simão. O Drulovic sei que usou a Braçadeira, mas não me recordo de mais ninguém. Se alguém souber e quiser ter a amabilidade, que deixe aí na caixa de comentários o nome ou nomes de Capitães da época.
Considerando apenas os Capitães não ocasionais, vou listar aqui aqueles de que me lembro bem: Veloso, Vítor Paneira, João Vieira Pinto, Simão, Drulovic, Hélder, Nuno Gomes e Luisão (o papel foi desempenhado por outros, eu sei, mas porque esses outros eram sub-Capitães). Estava a tentar perceber qual deles era o meu preferido. E estou bastante indeciso entre Veloso e Luisão.
Podíamos fazer aqui um votação - "o melhor Capitão do Benfica que eu já vi". Voto no Veloso, que tenho andado nostálgico dos 80's.
Considerando apenas os Capitães não ocasionais, vou listar aqui aqueles de que me lembro bem: Veloso, Vítor Paneira, João Vieira Pinto, Simão, Drulovic, Hélder, Nuno Gomes e Luisão (o papel foi desempenhado por outros, eu sei, mas porque esses outros eram sub-Capitães). Estava a tentar perceber qual deles era o meu preferido. E estou bastante indeciso entre Veloso e Luisão.
Podíamos fazer aqui um votação - "o melhor Capitão do Benfica que eu já vi". Voto no Veloso, que tenho andado nostálgico dos 80's.
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
O Homem da Braçadeira - um épico de dimensões reduzidas texto de dimensões reduzidas mas em tom épico
Penso na braçadeira de capitão do Benfica e sinto a mão de cento e vinte mil Benfiquistas a segurar-me com força no braço esquerdo e a dizer-me “leva-me contigo! Leva-me até à vitória!”.
O Tríptico sagrado do Benfica é, para mim, o seguinte: a Águia de Soares Branco, a Estátua d’ Eusébio e a Braçadeira. Eu sei que há as taças, eu sei que há o estádio, eu sei que há os jogadores, os ídolos. Mas as taças conquistam-se, os estádios destroem-se e constroem-se, os jogadores chegam e vão, marcam e sofrem golos e, depois, um dia arrumam as botas.
O Tríptico sagrado simplesmente existe, está ali. Este Tríptico é, por partes: o nosso símbolo, o nosso exemplo e a nossa responsabilidade. E é com estes elementos – a noção de quem somos, o conhecimento do caminho que devemos seguir e a consciência da responsabilidade que temos – que o Benfica se faz, de geração em geração.
Se os dois primeiros elementos desta Trindade Benfiquista são de dimensão simbólica, pedagógica e moral, já o terceiro elemento é o elo de ligação entre a nossa essência e os nossos humanos. A Braçadeira é a Unção.
Esta introdução, que faz uso leviano de termos religiosos e que é até susceptível de ofender, por exemplo, católicos não-Benfiquistas, serve para que tenhamos uma chamada plataforma de entendimento. O seu propósito – o propósito da introdução – era deixar bem explícito o quanto eu considero importante aquela faixa branca que um e só um de cada vez usa no braço esquerdo. Eu já fui muito ofendido por causa deste assunto. Muito magoado. Eu vi o Drulovic ser Capitão com uma época de Benfica depois de uma eternidade a jogar pelos outros. Eu vi o Simão a personalizar a Braçadeira – a Braçadeira que é do Benfica, não de jogador algum! Eu vi Capitães serem eleitos. Um Capitão do Benfica não pode ser eleito nem escolhido; tem de ser óbvio, natural. Tem de ser “o tal”. A Braçadeira e o Capitão têm de ser como Artur e a Excalibur: feitos um para o outro, à espera um do outro.
Tenho a felicidade de olhar para os nossos Capitães e dizer “sim, senhor: está bem entregue”. Luisão poderia perfeitamente já ter nascido Capitão do Benfica. E Pablo Aimar é o melhor filho adoptivo que este clube alguma vez teve. Já o disse várias vezes, mas não me canso de repetir porque isto é demasiado importante e demasiado bom para ficar só comigo, há que partilhá-lo, há que dizê-lo dezenas, centenas, milhares de vezes: eu sinto orgulho ao ver Pablito com aquela camisola 10; eu sinto comoção quando o vejo com a Braçadeira.
Mas os jogadores vêm e os jogadores passam, os Capitães chegam e os Capitães partem. Uns deixam saudades e outros não deixam coisa nenhuma. Uns deixam boas memórias, outros acrescentam-lhes conquistas. E outros ainda deixam pontos de interrogação. Há uma estirpe muito específica que deixa pontos de interrogação e de exclamação, intercalados uns com os outros. Mas a Braçadeira fica.
Um exercício que tenho feito esta época é olhar para os nossos reforços ou para os nossos mais jovens e pensar “quais, de entre estes, poderiam suceder a Luisão e Aimar?”. É um exercício interessante. Obriga a pensar nos jogadores numa dimensão metafutebolística. As posturas, os traços, a maneira como se empenham e cumprem, a personalidade que revelam, a gestão que fazem do jogo, a forma como intervêm nele e como comunicam com treinador e companheiros de equipa, com os árbitros e com os adversários. Luisão e Aimar são distintos - tanto do universo em geral como entre si: um é patrão, mandão; outro é mais diplomata (apesar de ralhar muito com os adversários, por exemplo, e de interrogar os árbitros como se fosse professor deles).
Este ano recebemos bons jogadores, jogadores com muito nível. Esse nível pode ser aplicado até no que respeita à possibilidade de serem usados pela Braçadeira – a Braçadeira não se “ostenta”, como alguns comentadores e relatores teimam em afirmar; ostentam-se os Rolex e os BMW; a Braçadeira transporta-se com honra, respeito e devoção.
A alguns custa-me imaginá-los como Capitão. O Nolito, por exemplo, não chegará lá. Ou o Emerson. O Garay pode ter perfil, mas jogando ao lado do Capitão actual é difícil avaliar. O Witsel tem potencial, mas ainda é tímido – talvez por jogar entre Javi (um sucessor natural, digo eu) e Aimar, o Capitão na ausência de Luisão. O Rodrigo ainda é demasiado jovem – mas tem traços valiosos e aparenta ser confiante e maduro, pode vir a ser um líder. Mas há dois que me convencem. Artur é inquestionavelmente líder. Pela estampa, pela postura, pela qualidade que denota, pela confiança que transmite aos colegas, pela voz de comando, pela serenidade, pela força que demonstra sempre que intervém. Tem tudo. E há outro, que muito me tem surpreendido e que me surpreende – a mim mesmo! - neste preciso momento, à medida que escrevo isto: Bruno César. Este homem tem muito futebol. Discreto mas interventivo, simples mas elegante (na maneira de jogar), participativo e confiante. Primeiro que tudo – e aproveitando que a conversa vai cheia de elogios -, penso que estamos perante um jogador da categoria “master” (craque é o Nolito, craque é o Gaitán) e, a confirmar-se este prognóstico, essa qualidade faz toda a diferença.
Isto agora deixa-me numa posição muito desconfortável, como devem imaginar: há três meses não o queria por cá (ele chamou “ponte aérea para a Europa” ao Benfica); há dois meses, afirmei que ele era burro e feio (ele não entendia uma única saída do Aimar a jogar – e via-se mesmo que ficava confuso); há um mês só dizia que ele era feio. Hoje em dia, nem me importo com isso: por mim, pode ser ele o próximo Homem da Braçadeira. Consigo imaginar-me a segurar-lhe no braço esquerdo e a dizer-lhe "leva-me contigo! Leva-me até à vitória!".
O Tríptico sagrado do Benfica é, para mim, o seguinte: a Águia de Soares Branco, a Estátua d’ Eusébio e a Braçadeira. Eu sei que há as taças, eu sei que há o estádio, eu sei que há os jogadores, os ídolos. Mas as taças conquistam-se, os estádios destroem-se e constroem-se, os jogadores chegam e vão, marcam e sofrem golos e, depois, um dia arrumam as botas.
O Tríptico sagrado simplesmente existe, está ali. Este Tríptico é, por partes: o nosso símbolo, o nosso exemplo e a nossa responsabilidade. E é com estes elementos – a noção de quem somos, o conhecimento do caminho que devemos seguir e a consciência da responsabilidade que temos – que o Benfica se faz, de geração em geração.
Se os dois primeiros elementos desta Trindade Benfiquista são de dimensão simbólica, pedagógica e moral, já o terceiro elemento é o elo de ligação entre a nossa essência e os nossos humanos. A Braçadeira é a Unção.
Esta introdução, que faz uso leviano de termos religiosos e que é até susceptível de ofender, por exemplo, católicos não-Benfiquistas, serve para que tenhamos uma chamada plataforma de entendimento. O seu propósito – o propósito da introdução – era deixar bem explícito o quanto eu considero importante aquela faixa branca que um e só um de cada vez usa no braço esquerdo. Eu já fui muito ofendido por causa deste assunto. Muito magoado. Eu vi o Drulovic ser Capitão com uma época de Benfica depois de uma eternidade a jogar pelos outros. Eu vi o Simão a personalizar a Braçadeira – a Braçadeira que é do Benfica, não de jogador algum! Eu vi Capitães serem eleitos. Um Capitão do Benfica não pode ser eleito nem escolhido; tem de ser óbvio, natural. Tem de ser “o tal”. A Braçadeira e o Capitão têm de ser como Artur e a Excalibur: feitos um para o outro, à espera um do outro.
Tenho a felicidade de olhar para os nossos Capitães e dizer “sim, senhor: está bem entregue”. Luisão poderia perfeitamente já ter nascido Capitão do Benfica. E Pablo Aimar é o melhor filho adoptivo que este clube alguma vez teve. Já o disse várias vezes, mas não me canso de repetir porque isto é demasiado importante e demasiado bom para ficar só comigo, há que partilhá-lo, há que dizê-lo dezenas, centenas, milhares de vezes: eu sinto orgulho ao ver Pablito com aquela camisola 10; eu sinto comoção quando o vejo com a Braçadeira.
Mas os jogadores vêm e os jogadores passam, os Capitães chegam e os Capitães partem. Uns deixam saudades e outros não deixam coisa nenhuma. Uns deixam boas memórias, outros acrescentam-lhes conquistas. E outros ainda deixam pontos de interrogação. Há uma estirpe muito específica que deixa pontos de interrogação e de exclamação, intercalados uns com os outros. Mas a Braçadeira fica.
Um exercício que tenho feito esta época é olhar para os nossos reforços ou para os nossos mais jovens e pensar “quais, de entre estes, poderiam suceder a Luisão e Aimar?”. É um exercício interessante. Obriga a pensar nos jogadores numa dimensão metafutebolística. As posturas, os traços, a maneira como se empenham e cumprem, a personalidade que revelam, a gestão que fazem do jogo, a forma como intervêm nele e como comunicam com treinador e companheiros de equipa, com os árbitros e com os adversários. Luisão e Aimar são distintos - tanto do universo em geral como entre si: um é patrão, mandão; outro é mais diplomata (apesar de ralhar muito com os adversários, por exemplo, e de interrogar os árbitros como se fosse professor deles).
Este ano recebemos bons jogadores, jogadores com muito nível. Esse nível pode ser aplicado até no que respeita à possibilidade de serem usados pela Braçadeira – a Braçadeira não se “ostenta”, como alguns comentadores e relatores teimam em afirmar; ostentam-se os Rolex e os BMW; a Braçadeira transporta-se com honra, respeito e devoção.
A alguns custa-me imaginá-los como Capitão. O Nolito, por exemplo, não chegará lá. Ou o Emerson. O Garay pode ter perfil, mas jogando ao lado do Capitão actual é difícil avaliar. O Witsel tem potencial, mas ainda é tímido – talvez por jogar entre Javi (um sucessor natural, digo eu) e Aimar, o Capitão na ausência de Luisão. O Rodrigo ainda é demasiado jovem – mas tem traços valiosos e aparenta ser confiante e maduro, pode vir a ser um líder. Mas há dois que me convencem. Artur é inquestionavelmente líder. Pela estampa, pela postura, pela qualidade que denota, pela confiança que transmite aos colegas, pela voz de comando, pela serenidade, pela força que demonstra sempre que intervém. Tem tudo. E há outro, que muito me tem surpreendido e que me surpreende – a mim mesmo! - neste preciso momento, à medida que escrevo isto: Bruno César. Este homem tem muito futebol. Discreto mas interventivo, simples mas elegante (na maneira de jogar), participativo e confiante. Primeiro que tudo – e aproveitando que a conversa vai cheia de elogios -, penso que estamos perante um jogador da categoria “master” (craque é o Nolito, craque é o Gaitán) e, a confirmar-se este prognóstico, essa qualidade faz toda a diferença.
Isto agora deixa-me numa posição muito desconfortável, como devem imaginar: há três meses não o queria por cá (ele chamou “ponte aérea para a Europa” ao Benfica); há dois meses, afirmei que ele era burro e feio (ele não entendia uma única saída do Aimar a jogar – e via-se mesmo que ficava confuso); há um mês só dizia que ele era feio. Hoje em dia, nem me importo com isso: por mim, pode ser ele o próximo Homem da Braçadeira. Consigo imaginar-me a segurar-lhe no braço esquerdo e a dizer-lhe "leva-me contigo! Leva-me até à vitória!".
terça-feira, 18 de outubro de 2011
O filho do capitão
«I miss the bloody 80’s. I bloody miss the fuckin’ 80’s.» Estou a ler, estou a chegar ao fim da leitura, do Damned United, de David Peace. E é assim que ele escreve sobre as coisas, com aquela intensidade, com aquela verdade rigorosa, de dentro da cabeça das personagens. Ele está dentro da cabeça do Brian Clough, uma cabeça que, só por si, no mundo real, já era suficientemente arrojada, genial, intragável, trágica, cómica, hilariante, imbatível e frágil para dar uma grande biografia. Mas quando David Peace lhe mete os dedos nas entranhas, os olhos nas ideias e as palavras na boca e no pensamento, ficamos perante uma obra-prima da literatura moderna. O facto de ser uma história “no” futebol é um mero acidente: é a história de uma vida. É uma epopeia debaixo das bancadas, pelos corredores, ao virar da esquina, por trás das portas, regada com brandy e champagne, queimada com orgulho e dezenas de cigarros por dia.
Se o David Peace escrevesse uma grande obra literária sobre mim e se debruçasse sobre este preciso momento do meu namoro com o futebol, poderia perfeitamente escrever aquela frase lá de cima, com que o texto arranca.
«I miss the bloody 80’s. I bloody miss the fuckin’ 80’s.» Os anos 80 são o meu primeiro amor. Dizem que não há amor como o primeiro. É bem possível. A ingenuidade faz milagres. Eu entrei no Estádio da Luz pela primeira vez nos anos 80. Nos anos 80 o futebol era o contrário do que é hoje: era o dentro do campo e o fora do campo, os jogadores a chegarem em carros baratos e a almoçarem em tascos de terceira, o Chalana e a Anabela, o Shéu ainda era capitão, sucessor do Humberto Coelho e a gente parecia que conhecia todos, cada um deles, de jantares de família, eles eram quase nossos primos ou nossos vizinhos e não tinham agentes nem empresários e os negócios faziam-se com pinta, não era por DVD’s e anúncios nos jornais. Hoje é tudo muito internet, muito conferência de imprensa. É tudo pré-formatado, até as chuteiras vêm às fatias e depois monta-se, tipo Lego. E são amarelas e vermelhas e verdes e azuis. Dantes eram pretas e as riscas eram brancas e pronto. Nos anos 90 a Lotto fez as Donadoni e aquele símbolo verde fluorescente mudou as nossas vidas e o próprio futebol.
Nos anos 80, os ídolos do futebol eram muito mais humanos e, por isso, muito mais divinos. Sim, o Cristiano Ronaldo tem uma horta e o Coentrão vai-lhe lá roubar as couves. É um princípio, uma aproximação. Mas não é o que era. Nos anos 80, os jogadores eram frágeis e perdiam as casas e as mulheres a jogar ao poker, quando não era mesmo à lerpa, enquanto fumavam charutos e bebiam Jack Daniels. E isso era fixe. A dimensão decadente do futebolista de topo, o quanto maior a ascensão, maior a queda, eram tão mais apaixonantes que todo o juizinho do Messi, todo o cuidadinho com as unhas do C’stiano. Até a rebeldia do Ibrahimovic é coisa de menino se for comparada com o mau aspecto do Chalana que levou a direcção do Benfica a impor regras de apresentação no recinto do clube – regras que o Fernando não cumpriu, evidentemente.
No final dos anos 80, tinha o Benfica chegado à final da Taça dos Campeões, chegou ao Benfica Vítor Paneira. Eu a modos que me propus a escrever uma apologia de Vítor Paneira numa caixa de comentários de um blogue praticamente primo mais velho deste. Porém, depois de todos os comentários que lá foram deixando, temo não ter muito mais a dizer sobre o elegante e brilhante 7, o mais genial ala direito que vi no Benfica. Paneira era de Famalicão e foi por lá que começou a dar nas vistas. Depois foi para o Vizela e o Benfica chegou a acordo para o arrancar de lá, meio a ferros. O Paneira não tinha empresários – nessa altura, para termos uma ideia, o Rui Barros ia para a Juventus e comprava Renaults 5s para os colegas que deixava no Porto. Não havia cá essas mariquices dos "empresários". Dois anos depois de ter chegado ao Benfica, Paneira foi preso. Foi condenado como “desertor”. Basicamente, fugiu à tropa para vir jogar para o Benfica. Se isto não é suficiente para ser o meu primeiro jogador preferido, não sei o que será. Acontece que não o foi (e eu no outro dia disse que foi, mas não foi, enganei-me, menti, omiti umas coisas, fiz confusão), mas já lá chegaremos.
Nos anos 80, quando os jogadores tinham Fords Cortina e Opéis Mantha – se fosses ponta-de-lança de renome, claro -, tive a minha primeira discussão futebolística. Foi com o meu pai. Eu e o meu pai sempre discutimos muito. Essa discussão foi por causa da final de Estugarda. O meu pai apostou dois almoços com amigos – mas apostou que o Benfica perdia. Aquilo ofendeu-me. Explicou-me ele que, assim, era como um prémio de consolação, “eu ganho um almoço para me confortar pela derrota; se tivéssemos ganhado, eu pagaria pela nossa vitória, entendes?”. Não. Ainda hoje não entendo como é que a comida poderia passar pelo meu esófago a saber a lágrimas e a raiva. Prefiro perder tudo – a puta da taça e os cabrões dos almoços. Mas nunca na vida hei-de comer nem beber às custas de uma derrota do Benfica! Não admito que me paguem para perder. E se o meu pai me estiver a ler, que fique bem claro: isto não é um negócio. Eu não troco uma coisa pela outra. Não quero meios termos. Não compro vitórias nem vendo derrotas. Foi o meu pai que me ensinou “entra sempre com tudo, senão magoas-te”. E é isso, um gajo entra com tudo.
Eu penso que o meu pai me fazia destas coisas para me testar. Eu quero acreditar que era só isso. Queria ver até onde é que eu ia. Eu, esse pequeno e ingénuo Benfiquista. Seria o meu sangue puro? E a minha crença? E a minha paixão? E os meus argumentos? Foi por isso, acho eu, que o meu pai sempre odiou os jogadores que eu adorei. Sempre fez questão que eu lhe explicasse e provasse e argumentasse até ao exaspero qualquer que fosse a afirmação e expressão de admiração fosse por quem fosse que vestisse aquela camisola. Um dos alvos preferidos do meu pai foi, claro, Vítor Paneira.
Eu quero acreditar que o meu pai sabia o que valia o Paneira e que quando dizia que “essa Amélia é um fiasco” o fazia só para me deixar naquele ponto de rebuçado que precedia a fúria que me ruborescia as faces quando ele acrescentava “qual Vítor Paneleira”… E eu, porque estava perante o meu pai, tinha de controlar a ira e transformar a raiva em enérgica e poderosa argumentação. Nunca desisti e bati-me sempre até ao fim. E esse poder vinha-me da genuína admiração por essa figura franzina, com jeito de anca e uma hesitação desconcertante nos pés, que eram metidos para dentro. Paneira foi a minha prova de maturidade futebolística, foi a figura que me fez observar e ser rigoroso, sem deixar pontas soltas, para me poder defender com factos, com provas e com argumentos, demonstrando, inequivocamente, que ele era o melhor ala direito da época. O melhor de Portugal. Um dos melhores da Europa. Ele, o Vítor Paneira que foi preso porque fugiu à tropa para jogar no Benfica. 75 dias.
«I miss the bloody 80’s. I bloody miss the fuckin’ 80’s.» Tenho saudades desse tempo de jogadores de carne e osso que eram divinos. Tenho saudades do Maradona. Tenho saudades de quando o Paneira me salvou a paixão e de então acreditar que a paixão podia ser salva sempre, acontecesse o que acontecesse. O Paneira salvou-me a paixão quando desertou da tropa para jogar no Benfica. Porque o meu primeiro amor não foi o Paneira. Foi o filho do Capitão. Esse que nos meteu - duas vezes de cabeça - na primeira final da Taça dos Campeões que eu vi de cachecol enrolado nas mãos - e que a seguir desertou do Benfica para jogar no Porto.
Se o David Peace escrevesse uma grande obra literária sobre mim e se debruçasse sobre este preciso momento do meu namoro com o futebol, poderia perfeitamente escrever aquela frase lá de cima, com que o texto arranca.
«I miss the bloody 80’s. I bloody miss the fuckin’ 80’s.» Os anos 80 são o meu primeiro amor. Dizem que não há amor como o primeiro. É bem possível. A ingenuidade faz milagres. Eu entrei no Estádio da Luz pela primeira vez nos anos 80. Nos anos 80 o futebol era o contrário do que é hoje: era o dentro do campo e o fora do campo, os jogadores a chegarem em carros baratos e a almoçarem em tascos de terceira, o Chalana e a Anabela, o Shéu ainda era capitão, sucessor do Humberto Coelho e a gente parecia que conhecia todos, cada um deles, de jantares de família, eles eram quase nossos primos ou nossos vizinhos e não tinham agentes nem empresários e os negócios faziam-se com pinta, não era por DVD’s e anúncios nos jornais. Hoje é tudo muito internet, muito conferência de imprensa. É tudo pré-formatado, até as chuteiras vêm às fatias e depois monta-se, tipo Lego. E são amarelas e vermelhas e verdes e azuis. Dantes eram pretas e as riscas eram brancas e pronto. Nos anos 90 a Lotto fez as Donadoni e aquele símbolo verde fluorescente mudou as nossas vidas e o próprio futebol.
Nos anos 80, os ídolos do futebol eram muito mais humanos e, por isso, muito mais divinos. Sim, o Cristiano Ronaldo tem uma horta e o Coentrão vai-lhe lá roubar as couves. É um princípio, uma aproximação. Mas não é o que era. Nos anos 80, os jogadores eram frágeis e perdiam as casas e as mulheres a jogar ao poker, quando não era mesmo à lerpa, enquanto fumavam charutos e bebiam Jack Daniels. E isso era fixe. A dimensão decadente do futebolista de topo, o quanto maior a ascensão, maior a queda, eram tão mais apaixonantes que todo o juizinho do Messi, todo o cuidadinho com as unhas do C’stiano. Até a rebeldia do Ibrahimovic é coisa de menino se for comparada com o mau aspecto do Chalana que levou a direcção do Benfica a impor regras de apresentação no recinto do clube – regras que o Fernando não cumpriu, evidentemente.
No final dos anos 80, tinha o Benfica chegado à final da Taça dos Campeões, chegou ao Benfica Vítor Paneira. Eu a modos que me propus a escrever uma apologia de Vítor Paneira numa caixa de comentários de um blogue praticamente primo mais velho deste. Porém, depois de todos os comentários que lá foram deixando, temo não ter muito mais a dizer sobre o elegante e brilhante 7, o mais genial ala direito que vi no Benfica. Paneira era de Famalicão e foi por lá que começou a dar nas vistas. Depois foi para o Vizela e o Benfica chegou a acordo para o arrancar de lá, meio a ferros. O Paneira não tinha empresários – nessa altura, para termos uma ideia, o Rui Barros ia para a Juventus e comprava Renaults 5s para os colegas que deixava no Porto. Não havia cá essas mariquices dos "empresários". Dois anos depois de ter chegado ao Benfica, Paneira foi preso. Foi condenado como “desertor”. Basicamente, fugiu à tropa para vir jogar para o Benfica. Se isto não é suficiente para ser o meu primeiro jogador preferido, não sei o que será. Acontece que não o foi (e eu no outro dia disse que foi, mas não foi, enganei-me, menti, omiti umas coisas, fiz confusão), mas já lá chegaremos.
Nos anos 80, quando os jogadores tinham Fords Cortina e Opéis Mantha – se fosses ponta-de-lança de renome, claro -, tive a minha primeira discussão futebolística. Foi com o meu pai. Eu e o meu pai sempre discutimos muito. Essa discussão foi por causa da final de Estugarda. O meu pai apostou dois almoços com amigos – mas apostou que o Benfica perdia. Aquilo ofendeu-me. Explicou-me ele que, assim, era como um prémio de consolação, “eu ganho um almoço para me confortar pela derrota; se tivéssemos ganhado, eu pagaria pela nossa vitória, entendes?”. Não. Ainda hoje não entendo como é que a comida poderia passar pelo meu esófago a saber a lágrimas e a raiva. Prefiro perder tudo – a puta da taça e os cabrões dos almoços. Mas nunca na vida hei-de comer nem beber às custas de uma derrota do Benfica! Não admito que me paguem para perder. E se o meu pai me estiver a ler, que fique bem claro: isto não é um negócio. Eu não troco uma coisa pela outra. Não quero meios termos. Não compro vitórias nem vendo derrotas. Foi o meu pai que me ensinou “entra sempre com tudo, senão magoas-te”. E é isso, um gajo entra com tudo.
Eu penso que o meu pai me fazia destas coisas para me testar. Eu quero acreditar que era só isso. Queria ver até onde é que eu ia. Eu, esse pequeno e ingénuo Benfiquista. Seria o meu sangue puro? E a minha crença? E a minha paixão? E os meus argumentos? Foi por isso, acho eu, que o meu pai sempre odiou os jogadores que eu adorei. Sempre fez questão que eu lhe explicasse e provasse e argumentasse até ao exaspero qualquer que fosse a afirmação e expressão de admiração fosse por quem fosse que vestisse aquela camisola. Um dos alvos preferidos do meu pai foi, claro, Vítor Paneira.
Eu quero acreditar que o meu pai sabia o que valia o Paneira e que quando dizia que “essa Amélia é um fiasco” o fazia só para me deixar naquele ponto de rebuçado que precedia a fúria que me ruborescia as faces quando ele acrescentava “qual Vítor Paneleira”… E eu, porque estava perante o meu pai, tinha de controlar a ira e transformar a raiva em enérgica e poderosa argumentação. Nunca desisti e bati-me sempre até ao fim. E esse poder vinha-me da genuína admiração por essa figura franzina, com jeito de anca e uma hesitação desconcertante nos pés, que eram metidos para dentro. Paneira foi a minha prova de maturidade futebolística, foi a figura que me fez observar e ser rigoroso, sem deixar pontas soltas, para me poder defender com factos, com provas e com argumentos, demonstrando, inequivocamente, que ele era o melhor ala direito da época. O melhor de Portugal. Um dos melhores da Europa. Ele, o Vítor Paneira que foi preso porque fugiu à tropa para jogar no Benfica. 75 dias.
«I miss the bloody 80’s. I bloody miss the fuckin’ 80’s.» Tenho saudades desse tempo de jogadores de carne e osso que eram divinos. Tenho saudades do Maradona. Tenho saudades de quando o Paneira me salvou a paixão e de então acreditar que a paixão podia ser salva sempre, acontecesse o que acontecesse. O Paneira salvou-me a paixão quando desertou da tropa para jogar no Benfica. Porque o meu primeiro amor não foi o Paneira. Foi o filho do Capitão. Esse que nos meteu - duas vezes de cabeça - na primeira final da Taça dos Campeões que eu vi de cachecol enrolado nas mãos - e que a seguir desertou do Benfica para jogar no Porto.
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Fernando Mendes, o homem incompreendido - um post sem reflexões mas que merece reflexão
«Ao contrário do que se pensa, nunca ganhei muito dinheiro na bola. Para a qualidade que tinha, nunca fui um jogador caro.»
«Num clube grande, só fui expulso uma vez e só faltava pisar-lhes a cabeça.»
«Orgulho-me muito da minha carreia.»
«Sou humilde, admito as merdas todas que faço, não fujo. Magoa-me é que não fui eu quem me colocou nesta situação.»
«Não faço outras coisas melhores porque há gente com inveja de mim, embirram comigo. Sei que também sou bonito, tenho este aspectozinho. Não sou é rico, mas mesmo assim têm inveja de mim.»
«Não tenho a melhor imagem, infelizmente. Criou-se uma ideia errada acerca de mim, que me prejudicou.»
«Falei a verdade! Aquele Benfica era mesmo uma equipa foleira e disse-o em plena Luz.»
«Não foi para ofender a instituição [o Benfica], embora soasse a isso, percebo.»
«Vou a Alvalade ver o clube que é o meu, mas evito ir à Luz. Aliás, não me apanham lá mais.»
«O Sporting é maior que o Porto.»
[Excertos retirados da entrevista que Fernando Mendes concedeu a O Jogo e que é publicada na edição de hoje, 13 de Outubro de 2011.]
«Num clube grande, só fui expulso uma vez e só faltava pisar-lhes a cabeça.»
«Orgulho-me muito da minha carreia.»
«Sou humilde, admito as merdas todas que faço, não fujo. Magoa-me é que não fui eu quem me colocou nesta situação.»
«Não faço outras coisas melhores porque há gente com inveja de mim, embirram comigo. Sei que também sou bonito, tenho este aspectozinho. Não sou é rico, mas mesmo assim têm inveja de mim.»
«Não tenho a melhor imagem, infelizmente. Criou-se uma ideia errada acerca de mim, que me prejudicou.»
«Falei a verdade! Aquele Benfica era mesmo uma equipa foleira e disse-o em plena Luz.»
«Não foi para ofender a instituição [o Benfica], embora soasse a isso, percebo.»
«Vou a Alvalade ver o clube que é o meu, mas evito ir à Luz. Aliás, não me apanham lá mais.»
«O Sporting é maior que o Porto.»
[Excertos retirados da entrevista que Fernando Mendes concedeu a O Jogo e que é publicada na edição de hoje, 13 de Outubro de 2011.]
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Só por curiosidade
Gostava de ouvir o que tem o Ruben a dizer, agora. Na altura em que tão lestamente abriu a boca, eu alertei-o para a forte possibilidade de se tratar de um equívoco.
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Leve suspeita
48% do eleitorado da Madeira gritará "Messi, Messi" da próxima vez que Cristiano Ronaldo visitar a sua terra natal.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Por Portugal
Hoje é dia da selecção e eu quero mais é que a selecção ganhe.
As selecções entristecem-me. Não posso gostar daquelas de que gosto muito e dou comigo obrigado a gostar de uma por quem, muito sinceramente, não morro de amores. Por que é que eu não posso ser da Argentina, essa lendária mãe de D10s e de Kempes, de Burruchaga e de Caniggia, de Aimar e Saviola e do Riquelme, o melhor jogador mais tímido do mundo, de Cambiasso e do principezinho que um dia será o rei dos reis? Por que é que eu não posso usar azul celeste e brindar aos golos do Messi, por que é que me fazem sentir mal se não ferver com o vermelho e verde, os golos à bruta do Ronaldo, os passes stressados do Carlos Martins, as idas à linha à pressa de um João Pereira qualquer, as entradas assassinas do Bruno Alves?
Eu, que nunca fui de outra coisa que não do Benfica, eu! – logo eu – obrigado a, daqui a horas, ficar ansioso por cada golo que o Postiga há-de falhar a três palmos da baliza. Ou a sentir-me agastado de cada vez que o Nani estragar uma jogada ao Cristiano só porque o protagonista não estava a ser ele próprio. Eu não gosto desta selecção. Gosto do meu país e habituei-me, desde sempre, a torcer por Portugal. Mas não consigo e nem sei se gostava de conseguir gostar genuinamente deste aglomerado inestético de jogadores sem pingo de classe.
Oh, tivesse eu um Rui Costa ali e um Figo acolá, um João Pinto lá à frente, o Pedro Barbosa a conduzi-los, o Paulo Sousa a guardar-lhes as costas. E lá atrás as paredes, Costa e Couto, as bestas. Eu tenho saudades de sentir paixão pela selecção. O Baía elegante a mandar subir.
Com esta gente, não consigo mais do que reconhecer-lhes o esforço e agradecer-lhes o empenho. Fico contente quando ganham, mas não exultante. Quando não ganham, não fico contente, mas raramente me lembro disso por mais do que um par de horas. Tenho pena quando falham as grandes competições – porque tenho pena sempre que Portugal não está lá – mas não sofro verdadeiramente por estes homens.
Eu sei que o Ronaldo é genial, um dos melhores de sempre. Também eu gosto de o ver jogar. Mas prefiro vê-lo quando ele não me diz nada, quando nada tenho para lhe exigir e posso simplesmente fruir do seu jogo. Aqui, junto com estes outros, não gosto de vê-lo. Parece um ídolo forçado. Quase um mártir, obrigado a jogar com quem não o merece.
Logo à noite joga a selecção. Mas eu, muito honestamente, quero mais é que a selecção ganhe.
As selecções entristecem-me. Não posso gostar daquelas de que gosto muito e dou comigo obrigado a gostar de uma por quem, muito sinceramente, não morro de amores. Por que é que eu não posso ser da Argentina, essa lendária mãe de D10s e de Kempes, de Burruchaga e de Caniggia, de Aimar e Saviola e do Riquelme, o melhor jogador mais tímido do mundo, de Cambiasso e do principezinho que um dia será o rei dos reis? Por que é que eu não posso usar azul celeste e brindar aos golos do Messi, por que é que me fazem sentir mal se não ferver com o vermelho e verde, os golos à bruta do Ronaldo, os passes stressados do Carlos Martins, as idas à linha à pressa de um João Pereira qualquer, as entradas assassinas do Bruno Alves?
Eu, que nunca fui de outra coisa que não do Benfica, eu! – logo eu – obrigado a, daqui a horas, ficar ansioso por cada golo que o Postiga há-de falhar a três palmos da baliza. Ou a sentir-me agastado de cada vez que o Nani estragar uma jogada ao Cristiano só porque o protagonista não estava a ser ele próprio. Eu não gosto desta selecção. Gosto do meu país e habituei-me, desde sempre, a torcer por Portugal. Mas não consigo e nem sei se gostava de conseguir gostar genuinamente deste aglomerado inestético de jogadores sem pingo de classe.
Oh, tivesse eu um Rui Costa ali e um Figo acolá, um João Pinto lá à frente, o Pedro Barbosa a conduzi-los, o Paulo Sousa a guardar-lhes as costas. E lá atrás as paredes, Costa e Couto, as bestas. Eu tenho saudades de sentir paixão pela selecção. O Baía elegante a mandar subir.
Com esta gente, não consigo mais do que reconhecer-lhes o esforço e agradecer-lhes o empenho. Fico contente quando ganham, mas não exultante. Quando não ganham, não fico contente, mas raramente me lembro disso por mais do que um par de horas. Tenho pena quando falham as grandes competições – porque tenho pena sempre que Portugal não está lá – mas não sofro verdadeiramente por estes homens.
Eu sei que o Ronaldo é genial, um dos melhores de sempre. Também eu gosto de o ver jogar. Mas prefiro vê-lo quando ele não me diz nada, quando nada tenho para lhe exigir e posso simplesmente fruir do seu jogo. Aqui, junto com estes outros, não gosto de vê-lo. Parece um ídolo forçado. Quase um mártir, obrigado a jogar com quem não o merece.
Logo à noite joga a selecção. Mas eu, muito honestamente, quero mais é que a selecção ganhe.
Pedido de desculpas
Erro.
Paulo Sousa Costa, alvo da pequena ironia do post anterior, dedicou o livro infantil que escreveu ao filho que perdeu. Nenhuma altura é justa para se perder um filho, mas o caso é mais grave, mais dramático, quando se trata de uma criança de tão tenra idade.
Quando escrevi o texto, não tinha conhecimento do caso (apenas do livro e do seu lançamento). De outra forma, não teria brincado com coisas tão sérias, ainda por cima de uma forma tão ligeira e inadequada - é o preço da ignorância desbocada. Se o Paulo por acaso tiver tido a infelicidade de dar com os olhos naquele texto, fique a saber que o escrevi na mais escura ignorância e nunca me passaria pela cabeça melindrá-lo ou ofendê-lo, nem à memória do seu filho. Foi uma ironia infeliz minha assente, ainda que por desconhecimento, na tragédia de outra pessoa. Peço a compreensão dos leitores. Não pretendia ser maldoso. Não é isso que pretendo, nunca - a não ser que a questão seja estrita e puramente futebolística.
As minhas desculpas.
Paulo Sousa Costa, alvo da pequena ironia do post anterior, dedicou o livro infantil que escreveu ao filho que perdeu. Nenhuma altura é justa para se perder um filho, mas o caso é mais grave, mais dramático, quando se trata de uma criança de tão tenra idade.
Quando escrevi o texto, não tinha conhecimento do caso (apenas do livro e do seu lançamento). De outra forma, não teria brincado com coisas tão sérias, ainda por cima de uma forma tão ligeira e inadequada - é o preço da ignorância desbocada. Se o Paulo por acaso tiver tido a infelicidade de dar com os olhos naquele texto, fique a saber que o escrevi na mais escura ignorância e nunca me passaria pela cabeça melindrá-lo ou ofendê-lo, nem à memória do seu filho. Foi uma ironia infeliz minha assente, ainda que por desconhecimento, na tragédia de outra pessoa. Peço a compreensão dos leitores. Não pretendia ser maldoso. Não é isso que pretendo, nunca - a não ser que a questão seja estrita e puramente futebolística.
As minhas desculpas.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
"Fadas" e "princesas" para os mais pequeninos*
O antigo director da revista Men's Health, Paulo Sousa Costa, editou recentemente o livro As Aventuras do Dragãozinho Azul. Optando por se dirigir a um público infantil e, em especial, ao seu próprio filho, Paulo Sousa Costa transforma uma realidade obscura num conto pueril, contornando com subtileza e metáforas criativas situações e designações de personagens que, inicialmente, seriam acessíveis apenas a um público mais maduro e com alguma experiência de vida.
(* mas dependendo do desempenho.)
(* mas dependendo do desempenho.)
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
O Ruben e a felicidade
Ruben Amorim, convocado - surpreendentemente, digo eu - para a selecção nacional não perdeu tempo: chegado à concentração, decidiu mostrar urgentemente toda a sua felicidade por Paulo Bento "pensar diferente" de Jorge Jesus.
Tenho, no entanto, a dizer que me parece que estamos perante uma infeliz série de equívocos.
Para começar - esta é mais para o Ruben -, não me parece que Paulo Bento "pense diferente" de Jorge Jesus. A convocatória não justifica a afirmação (Jesus convoca-o com regularidade, para não dizer "todos os jogos" - não tenho a certeza que tenham sido todos). Se Jesus convoca Ruben e o deixa no banco, parece-me que estamos, então, perante um caso de grande semelhança filosófica entre o treinador do Benfica e o seleccionador nacional. A não ser que Bento me surpreenda ainda mais e dê a titularidade ao Ruben, coisa que duvido. Logo, o raciocínio de Amorim, que peca em vários aspectos, fá-lo, sobretudo, por ser pouco esclarecido e por partir de um pressuposto claramente distorcido, talvez fruto do entusiasmo de el portugués.
Depois há a interpretação das palavras e o contexto em que estão inseridas. Leitor: se tu, com esses dois pés esquerdos e essa barriguinha fosses chamado à selecção não ficarias feliz? Não sentirias alegria por Paulo Bento pensar diferente do resto do mundo, que nunca acreditou em ti, nem na escola primária quando eras o último a ser escolhido, que só deixaste de ir à baliza quando compraste a tua própria bola e as regras mudaram nesse dia? Eu ficaria. É natural e compreensível que o Ruben também fique. Ir à selecção é um motivo de orgulho para qualquer português - que não se chame Ricardo Carvalho, Tiago, Simão Sabrosa ou, quer-me parecer, Danny. Ruben Amorim não é diferente do português médio (até porque é o lugar dele): somos pateticamente patriotas, sobretudo com gestos e causas menores, e o Scolari bem pode confirmar o que digo. Logo, não tem mal o Ruben mostrar-se "feliz por Paulo Bento pensar diferente de Jesus" - embora esteja redondamente enganado, como demonstrei atrás.
Para terminar, queria condenar as reacções belicosas às afirmações de el portugués. Não me parece que seja justo - por mais que se esteja errado, como é o caso - que um jogador seja obrigado a constantemente comer e calar. Ele não disse que discordava de Jesus, expressou apenas agrado pela confiança de Paulo Bento. Parecendo que não, são coisas distintas. Podem dizer "ah, não... aquilo foi uma crítica implícita a Jesus". E eu posso dizer "estás mas é parvo... o rapaz está só um bocadinho eufórico". E ficamos nisto horas a fio se for preciso. Porém, e com muita pena minha, tenho de ir fazer o jantar. Portanto, ficamos por aqui.
Tenho, no entanto, a dizer que me parece que estamos perante uma infeliz série de equívocos.
Para começar - esta é mais para o Ruben -, não me parece que Paulo Bento "pense diferente" de Jorge Jesus. A convocatória não justifica a afirmação (Jesus convoca-o com regularidade, para não dizer "todos os jogos" - não tenho a certeza que tenham sido todos). Se Jesus convoca Ruben e o deixa no banco, parece-me que estamos, então, perante um caso de grande semelhança filosófica entre o treinador do Benfica e o seleccionador nacional. A não ser que Bento me surpreenda ainda mais e dê a titularidade ao Ruben, coisa que duvido. Logo, o raciocínio de Amorim, que peca em vários aspectos, fá-lo, sobretudo, por ser pouco esclarecido e por partir de um pressuposto claramente distorcido, talvez fruto do entusiasmo de el portugués.
Depois há a interpretação das palavras e o contexto em que estão inseridas. Leitor: se tu, com esses dois pés esquerdos e essa barriguinha fosses chamado à selecção não ficarias feliz? Não sentirias alegria por Paulo Bento pensar diferente do resto do mundo, que nunca acreditou em ti, nem na escola primária quando eras o último a ser escolhido, que só deixaste de ir à baliza quando compraste a tua própria bola e as regras mudaram nesse dia? Eu ficaria. É natural e compreensível que o Ruben também fique. Ir à selecção é um motivo de orgulho para qualquer português - que não se chame Ricardo Carvalho, Tiago, Simão Sabrosa ou, quer-me parecer, Danny. Ruben Amorim não é diferente do português médio (até porque é o lugar dele): somos pateticamente patriotas, sobretudo com gestos e causas menores, e o Scolari bem pode confirmar o que digo. Logo, não tem mal o Ruben mostrar-se "feliz por Paulo Bento pensar diferente de Jesus" - embora esteja redondamente enganado, como demonstrei atrás.
Para terminar, queria condenar as reacções belicosas às afirmações de el portugués. Não me parece que seja justo - por mais que se esteja errado, como é o caso - que um jogador seja obrigado a constantemente comer e calar. Ele não disse que discordava de Jesus, expressou apenas agrado pela confiança de Paulo Bento. Parecendo que não, são coisas distintas. Podem dizer "ah, não... aquilo foi uma crítica implícita a Jesus". E eu posso dizer "estás mas é parvo... o rapaz está só um bocadinho eufórico". E ficamos nisto horas a fio se for preciso. Porém, e com muita pena minha, tenho de ir fazer o jantar. Portanto, ficamos por aqui.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Adeus Nick
Quem vê em Febre no Estádio um livro de futebol, está a ver tudo mal. Febre no Estádio é uma espécie de enciclopédia descritiva das paixões do autor, sempre ao ritmo dos jogos de futebol que o foram marcando - não necessariamente pelos jogos, em si, mas pelo momento em que aconteceram, pelo contexto que os rodeou, pelas ideias que geraram. Hornby disserta várias vezes sobre elementos da existência que transcendem em absoluto o fenómeno "futebol". Porém, como adepto fanático, mesmo obsessivo (é como o próprio se auto-intitula), toda a sua vida, desde a puberdade, gira em torno (ou no meio ou de mãos dadas) do futebol, em geral, e do "seu" Arsenal, em particular.
Depois de bem instalado - isto é, "bem" dentro do possível - no meu lugar no autocarro, peguei em Febre no Estádio, constatando, com alguma tristeza, que estava a umas escassas dezoito páginas do seu final. Não havia volta a dar: era um fim-de-semana de despedidas. Há objectos pelos (ou com os) quais desenvolvemos uma empatia especial. Tornam-se-nos caros, próximos, companheiros. Muito mais do que o ritual da sua leitura, Febre no Estádio ofereceu-me o seu ombro compreensivo, a sua visão clara e séria, sóbria e, no entanto, afectada, acerca de uma vida que teria tudo para ser normal, não fosse o facto de Highbury Park assumir, para Nick Hornby, uma maior importância do que a sua própria casa ou qualquer maternidade ou cemitério ou biblioteca ou parlamento do mundo. Highbury é "o sítio" (o livro é escrito em 1992, o Emirates Stadium não era, sequer, uma miragem).
Os quilómetros corriam debaixo de nós e apertava-se-me o estômago. Não sabia muito bem o que iríamos encontrar à chegada. Como estariam as pessoas - os filhos, os irmãos, os pais. Nestas circunstâncias, em que o stress é grande, a ansiedade aumenta e um determinado tipo de angústia nervosa e amedrontada se acumulam em nós, não é anormal ou obsceno que tenhamos ideias bastante parvas. Eu não sou excepção. A distância entre o autocarro e a capela onde se realizava o velório diminuía, as páginas escasseavam, os meus dedos tremiam a virar as páginas e eu recordava aquela passagem em que Hornby pensava, muito francamente, no que aconteceria se alguém que lhe é próximo morresse, por exemplo, a poucas horas de uma final da Taça dos Campeões Europeus em que o Arsenal participasse ou noutro jogo de importância extrema que envolvesse os "Gunners". Seria capaz de voltar as costas ao Arsenal? Que tipo de sensações essa "traição" produziria?
É óbvio que a família ou os amigos vêm sempre em primeiro. Mas não deixa de ser desconcertante - não me interpretem mal, isto é apenas franqueza íntima e nunca, mas nunca!, coloquei a hipótese de dar prioridade ao Benfica em detrimento de quem me é próximo - pensar no que teria eu sentido se, em vez de poder festejar, vibrando, o golo de Gaitán, em directo, estivesse em casa, em lágrimas, como vim a estar 45 minutos mais tarde. Não são tristezas comparáveis, não são perdas "do mesmo campeonato" (perdoem-me a metáfora barata). Mas teria sido ainda mais triste e angustiante, não tenho dúvidas.
"O futebol sempre foi muito importante para mim e veio a representar demasiadas coisas e sinto que já fui ver demasiados jogos e gastei dinheiro a mais e preocupei-me com o Arsenal quando devia ter-me preocupado com outra coisa qualquer e pedi demasiada indulgência dos amigos e da família." (p. 243)
"Espero que sejam tolerantes para com aqueles que descrevem um momento desportivo como o seu melhor de sempre. Não é por falta de imaginação nem por termos vidas triste e estéreis; é que a vida real é mais pálida, monótona e contém menos potencial de delírio inesperado." (p. 281)
Quando li a última palavra do livro, senti-me ainda mais sozinho.
Depois de bem instalado - isto é, "bem" dentro do possível - no meu lugar no autocarro, peguei em Febre no Estádio, constatando, com alguma tristeza, que estava a umas escassas dezoito páginas do seu final. Não havia volta a dar: era um fim-de-semana de despedidas. Há objectos pelos (ou com os) quais desenvolvemos uma empatia especial. Tornam-se-nos caros, próximos, companheiros. Muito mais do que o ritual da sua leitura, Febre no Estádio ofereceu-me o seu ombro compreensivo, a sua visão clara e séria, sóbria e, no entanto, afectada, acerca de uma vida que teria tudo para ser normal, não fosse o facto de Highbury Park assumir, para Nick Hornby, uma maior importância do que a sua própria casa ou qualquer maternidade ou cemitério ou biblioteca ou parlamento do mundo. Highbury é "o sítio" (o livro é escrito em 1992, o Emirates Stadium não era, sequer, uma miragem).
Os quilómetros corriam debaixo de nós e apertava-se-me o estômago. Não sabia muito bem o que iríamos encontrar à chegada. Como estariam as pessoas - os filhos, os irmãos, os pais. Nestas circunstâncias, em que o stress é grande, a ansiedade aumenta e um determinado tipo de angústia nervosa e amedrontada se acumulam em nós, não é anormal ou obsceno que tenhamos ideias bastante parvas. Eu não sou excepção. A distância entre o autocarro e a capela onde se realizava o velório diminuía, as páginas escasseavam, os meus dedos tremiam a virar as páginas e eu recordava aquela passagem em que Hornby pensava, muito francamente, no que aconteceria se alguém que lhe é próximo morresse, por exemplo, a poucas horas de uma final da Taça dos Campeões Europeus em que o Arsenal participasse ou noutro jogo de importância extrema que envolvesse os "Gunners". Seria capaz de voltar as costas ao Arsenal? Que tipo de sensações essa "traição" produziria?
É óbvio que a família ou os amigos vêm sempre em primeiro. Mas não deixa de ser desconcertante - não me interpretem mal, isto é apenas franqueza íntima e nunca, mas nunca!, coloquei a hipótese de dar prioridade ao Benfica em detrimento de quem me é próximo - pensar no que teria eu sentido se, em vez de poder festejar, vibrando, o golo de Gaitán, em directo, estivesse em casa, em lágrimas, como vim a estar 45 minutos mais tarde. Não são tristezas comparáveis, não são perdas "do mesmo campeonato" (perdoem-me a metáfora barata). Mas teria sido ainda mais triste e angustiante, não tenho dúvidas.
"O futebol sempre foi muito importante para mim e veio a representar demasiadas coisas e sinto que já fui ver demasiados jogos e gastei dinheiro a mais e preocupei-me com o Arsenal quando devia ter-me preocupado com outra coisa qualquer e pedi demasiada indulgência dos amigos e da família." (p. 243)
"Espero que sejam tolerantes para com aqueles que descrevem um momento desportivo como o seu melhor de sempre. Não é por falta de imaginação nem por termos vidas triste e estéreis; é que a vida real é mais pálida, monótona e contém menos potencial de delírio inesperado." (p. 281)
Quando li a última palavra do livro, senti-me ainda mais sozinho.
A camisa azul escuro
Entrámos no expresso para o Algarve. Era o início de umas extenuantes 57 horas, durante as quais percorreríamos mais de 1500 quilómetros, entre Lisboa, Portimão, Elvas, Faro e Albufeira, para cima e para baixo, para cima de novo, para Norte, para Sul, para Este, de novo para Oeste. 57 horas e viagens acumuladas que, se fossem uma só, dariam para chegar à Riviera francesa.
Sentei-me e endireitei a camisa azul escuro. Não sou dado aos rigores do luto tradicional, mas o bom senso ainda me permite reconhecer que talvez o amarelo ou o encarnado não sejam cores adequadas à ocasião.
Lembro-me de ter arrumado certas ideias: visto sempre de encarnado em dias de jogo. Sábado era um dia depois do jogo. A notícia da tia chegou precisamente quarenta e cinco minutos depois do apito final. Toda a conjugação de tempos me fez sentir respeitado pelo cosmos, pela preciosa gestão dos minutos, das conveniências, dos confortos. Existia ali uma espécie de compensação pela dor e pela tristeza. Nunca será comparável a importância de um jogo de futebol à vida de um ente querido. Nunca pretendi sequer aproximar-me, nem vagamente, dessa ideia. Porém, estes pequenos confortos, estes detalhes, esta não sobreposição de eventos, acrescentam paz, alguma harmonia à situação. Apesar de toda a tristeza, apesar da perda, as coisas estão no lugar certo, tudo se cumpre com alguma lógica - foi isto que senti quando olhei para a camisa azul escuro, em vez da possível angústia que sentiria se tivesse havido conflito de interesses entre a t-shirt encarnada e a minha presença no velório.
Sentei-me e endireitei a camisa azul escuro. Não sou dado aos rigores do luto tradicional, mas o bom senso ainda me permite reconhecer que talvez o amarelo ou o encarnado não sejam cores adequadas à ocasião.
Lembro-me de ter arrumado certas ideias: visto sempre de encarnado em dias de jogo. Sábado era um dia depois do jogo. A notícia da tia chegou precisamente quarenta e cinco minutos depois do apito final. Toda a conjugação de tempos me fez sentir respeitado pelo cosmos, pela preciosa gestão dos minutos, das conveniências, dos confortos. Existia ali uma espécie de compensação pela dor e pela tristeza. Nunca será comparável a importância de um jogo de futebol à vida de um ente querido. Nunca pretendi sequer aproximar-me, nem vagamente, dessa ideia. Porém, estes pequenos confortos, estes detalhes, esta não sobreposição de eventos, acrescentam paz, alguma harmonia à situação. Apesar de toda a tristeza, apesar da perda, as coisas estão no lugar certo, tudo se cumpre com alguma lógica - foi isto que senti quando olhei para a camisa azul escuro, em vez da possível angústia que sentiria se tivesse havido conflito de interesses entre a t-shirt encarnada e a minha presença no velório.
O dia do equinócio
Começou tudo comigo a acordar e a pensar "isto não está nada bem". Não.
Começou tudo com um primeiro diagnóstico. Era pessimista. Eu fico pessimista quando as coisas me dizem respeito e são específicas. O diagnóstico era mau.
Primeiro, devia ter chegado ao trabalho às onze. Acordei já passava do meio-dia. Cheguei à minha secretária era quase duas. Fiz torradas com pão demasiado velho, seco. Incomestível. Um iogurte, uma banana: salvemos o dia. O shampoo estava no fim. Só me lembro destas coisas porque este dia me ficou na memória. Fiz as torradas ainda em casa. Não as comi. Lixo!
O dia era aquele especial em que as horas com sol são exactamente as mesmas que as horas sem sol. A humanidade cresceu a olhar para estas coisas. Quantas horas tem o sol? E quantas tem a escuridão? E a lua, cresce ou diminui? A humanidade deprime-me. Pessoas desorientadas, sempre à procura de uma referência.
Era dia de Porto - Benfica. E eu fiz a minha parte. Tentei acordar cedo - falhei -, vesti a t-shirt encarnada - já usada -, calcei os chinelos de couro. Aqueles que descalço no estádio, a fingir que sou a Cesária Évora. Para nos dar sorte
E ela ligou-me "a situação é grave... mesmo muito grave. Não sei o que fazer" e eu, ignorante, disse "calma, pode ser só uma coisa..."
Eu não sei coisas. Ou, sabendo coisas, sei muito poucas. Falo mais do que sei. O pouco respeito que fui tendo dos outros deve ter sido meramente fruto da compaixão - dizem que sim e eu fico contente. E então eu disse "não há-de ser nada, parece-me normal. Vamos esperar". Eu sou estúpido. Há coisas que não esperam.
A Cesária Évora anunciou oficialmente o fim da carreira. A Cesária. Logo hoje. Logo naquele dia em que havia tanto a perder.
O dia continuou e eu não fiquei mais apto. Saí do trabalho a tempo de ver o pontapé de saída. Na Típica. Foi lá que vi o jogo. Lembro-me de pouco. Fiquei com a sensação que o Benfica aguenta e pode reagir a este Porto. Mas não me lembro ao certo. No final do jogo, debatíamos, portistas e Benfiquistas, as incidências, as tácticas, as estatísticas e o golo do Gaitán. Não era mau. Mas algo não estava bem.
Meia-hora, talvez uns três quartos-de-hora depois do fim, chegou a mensagem: "a tia morreu". Simples e poderosa. Eis a frase que me há-de fazer recordar, sempre, este Porto - Benfica. O Outono começou.
Começou tudo com um primeiro diagnóstico. Era pessimista. Eu fico pessimista quando as coisas me dizem respeito e são específicas. O diagnóstico era mau.
Primeiro, devia ter chegado ao trabalho às onze. Acordei já passava do meio-dia. Cheguei à minha secretária era quase duas. Fiz torradas com pão demasiado velho, seco. Incomestível. Um iogurte, uma banana: salvemos o dia. O shampoo estava no fim. Só me lembro destas coisas porque este dia me ficou na memória. Fiz as torradas ainda em casa. Não as comi. Lixo!
O dia era aquele especial em que as horas com sol são exactamente as mesmas que as horas sem sol. A humanidade cresceu a olhar para estas coisas. Quantas horas tem o sol? E quantas tem a escuridão? E a lua, cresce ou diminui? A humanidade deprime-me. Pessoas desorientadas, sempre à procura de uma referência.
Era dia de Porto - Benfica. E eu fiz a minha parte. Tentei acordar cedo - falhei -, vesti a t-shirt encarnada - já usada -, calcei os chinelos de couro. Aqueles que descalço no estádio, a fingir que sou a Cesária Évora. Para nos dar sorte
E ela ligou-me "a situação é grave... mesmo muito grave. Não sei o que fazer" e eu, ignorante, disse "calma, pode ser só uma coisa..."
Eu não sei coisas. Ou, sabendo coisas, sei muito poucas. Falo mais do que sei. O pouco respeito que fui tendo dos outros deve ter sido meramente fruto da compaixão - dizem que sim e eu fico contente. E então eu disse "não há-de ser nada, parece-me normal. Vamos esperar". Eu sou estúpido. Há coisas que não esperam.
A Cesária Évora anunciou oficialmente o fim da carreira. A Cesária. Logo hoje. Logo naquele dia em que havia tanto a perder.
O dia continuou e eu não fiquei mais apto. Saí do trabalho a tempo de ver o pontapé de saída. Na Típica. Foi lá que vi o jogo. Lembro-me de pouco. Fiquei com a sensação que o Benfica aguenta e pode reagir a este Porto. Mas não me lembro ao certo. No final do jogo, debatíamos, portistas e Benfiquistas, as incidências, as tácticas, as estatísticas e o golo do Gaitán. Não era mau. Mas algo não estava bem.
Meia-hora, talvez uns três quartos-de-hora depois do fim, chegou a mensagem: "a tia morreu". Simples e poderosa. Eis a frase que me há-de fazer recordar, sempre, este Porto - Benfica. O Outono começou.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Apreensão de última hora
Cesária Évora anunciou hoje que dá por terminada a carreira. Logo hoje?! Por que não segunda-feira? E agora, como funciona aqui a minha invenção dos chinelos da sorte, hum? De ver os jogos descalço, como a Cesária? Será que continua a funcionar? Tenho a dizer que me parece uma atitude muito irresponsável, Cesária.
Diálogo internético em dia de clássico
(Verídico.)
tripeiro: vou fumar e registar o euromilhoes
eu: deus queira que pises merda, tripeiro do c&$#%&%
tripeiro: se me sair, compro o eusébio e cago-lhe em cima
depois limpo o cu à camisola do feher.
eu: gabo-te o gosto
assim se vê o nível do fcp - "ai, vou jogar ao euromilhões"
isso é que é ambição
ganhar com mérito tá quieto - alguém há-de dar uma ajuda
está-vos no sangue
tripeiro: vou fumar e registar o euromilhoes
eu: deus queira que pises merda, tripeiro do c&$#%&%
tripeiro: se me sair, compro o eusébio e cago-lhe em cima
depois limpo o cu à camisola do feher.
eu: gabo-te o gosto
assim se vê o nível do fcp - "ai, vou jogar ao euromilhões"
isso é que é ambição
ganhar com mérito tá quieto - alguém há-de dar uma ajuda
está-vos no sangue
Talvez pudesses ter ficado calado #2
«Não digas desta água não beberei», «não cuspas para o ar», «não mijes contra o vento», «não atires gravilha aos pombos». Os avisos foram mais que muitos. A verdade é que a sabedoria popular reuniu, ao longo de gerações e gerações de esforçados empiristas, um vasto conjunto de pistas que, no fundo, tinham um único objectivo: alertar-me para os riscos de me armar em esperto. Eu, ingenuamente, não liguei nenhuma, porque essas coisas que o povo diz nada me dizem. Está visto que cometi um erro.
Assim, ontem, com a voracidade de quem quer ser engraçadinho, concebi uma chalaça que até podia ter sido de bom nível. Fazer chacota de Eduardo Barroso, embora seja fácil e acessível a qualquer criativo mediano, pode produzir bons resultados e captar audiências – nomeadamente de pessoas doentes do fígado que vão ao Google tentar perceber quem é, afinal, o homem que os vai livrar da cirrose. Era praticamente um golo à espera de ser marcado. E que fiz eu? Atirei ao poste: chamei Alfredo a quem se chama Eduardo, com a maior das descontracções. Isto é coisa que exige penitência. Não tanto pela gafe em si, mas sobretudo por ter arruinado espertalhonamente um texto cheio de potencial.
Como castigo, decidi pôr aqui as minhas orelhas de burro. Como não encontrei nenhumas suficientemente vexatórias, optei por ser mais drástico: cabeça de burro. Ai, Diego, Diego… tu não aprendes.
Diego Armés é de um vermelho granada bastante denso, de nariz complexo com muitas frutas vermelhas amadurecidas, bem casadas com o carvalho por onde estagiou.
Assim, ontem, com a voracidade de quem quer ser engraçadinho, concebi uma chalaça que até podia ter sido de bom nível. Fazer chacota de Eduardo Barroso, embora seja fácil e acessível a qualquer criativo mediano, pode produzir bons resultados e captar audiências – nomeadamente de pessoas doentes do fígado que vão ao Google tentar perceber quem é, afinal, o homem que os vai livrar da cirrose. Era praticamente um golo à espera de ser marcado. E que fiz eu? Atirei ao poste: chamei Alfredo a quem se chama Eduardo, com a maior das descontracções. Isto é coisa que exige penitência. Não tanto pela gafe em si, mas sobretudo por ter arruinado espertalhonamente um texto cheio de potencial.
Como castigo, decidi pôr aqui as minhas orelhas de burro. Como não encontrei nenhumas suficientemente vexatórias, optei por ser mais drástico: cabeça de burro. Ai, Diego, Diego… tu não aprendes.
Diego Armés é de um vermelho granada bastante denso, de nariz complexo com muitas frutas vermelhas amadurecidas, bem casadas com o carvalho por onde estagiou.
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Talvez pudesses ter ficado calado #1
(Uma rubrica com esta designação podia ser inaugurada por inúmeras figuras da nossa praça. Porém, e após um exercício pouco sério de pensamento, escolhi a figurinha mais fraca do dia: Alfredo Eduardo Barroso. O vosso aplauso, por favor.)
«Villas-Boas adaptou-se depressa ao futebol inglês. Não se queixou do árbitro e tinha razões para o fazer. Uma lição a reter.»
(in A Bola, 21 Set. 2011, p. 38)
«Fiquei muito, muito desapontado com a pobre actuação dos árbitros, que desempenharam um papel decisivo no resultado, e não aceito isso de ânimo leve.»
(André Villas-Boas citado n'O Jogo, 21 Set. 2011, p. 30)
«Villas-Boas adaptou-se depressa ao futebol inglês. Não se queixou do árbitro e tinha razões para o fazer. Uma lição a reter.»
(in A Bola, 21 Set. 2011, p. 38)
«Fiquei muito, muito desapontado com a pobre actuação dos árbitros, que desempenharam um papel decisivo no resultado, e não aceito isso de ânimo leve.»
(André Villas-Boas citado n'O Jogo, 21 Set. 2011, p. 30)
Citando Hornby #2
“Qualquer clube nocturno em que entremos, qualquer peça, filme ou concerto a que assistamos, qualquer restaurante onde vamos comer, a vida continua a acontecer noutros lugares na nossa ausência, mas quando vou a Highbury assistir a jogos como este, sinto que o resto do mundo está parado à porta do estádio, à espera de ouvir o resultado final.”
(Febre no Estádio)
O negócio é o seguinte: eu vim da leitura de Borges e dos seus universos perpétuos, da sua construção mental do absoluto e do eterno; pelo meio disso, li o pequeno ensaio de Melville, Bartleby, sobre a obstinação, a solidão e o inexplicável na atitude humana; comecei, e entretanto interrompi, Cormac McCarthy e a sua Estrada pós-apocalítica que, desconfio, não chegará a lado algum. Depois da frase supra-citada, só posso concluir que tudo o que busquei nessas literaturas foi em vão, por mais que tenha apreciado o processo de buscar e de ter lido o que li. Isto, porque o objecto da minha procura estava escrito e explicado desde 1992, numa pequena metáfora futebolística acerca de um Arsenal – Everton disputado em 1988. Quando li esta passagem, só pensei “é isso aí, Nick”.
(O livro, que me foi emprestado, tem agora diversas páginas com os cantos dobrados – são páginas que contêm matéria do meu e do vosso interesse e sobre elas conto escrever durante os próximos tempos. Mário, se me estás a ler, fica a garantia de que irei desdobrar-lhes as pontas antes de te devolver o livro. Espero que não me leves a mal.)
(Febre no Estádio)
O negócio é o seguinte: eu vim da leitura de Borges e dos seus universos perpétuos, da sua construção mental do absoluto e do eterno; pelo meio disso, li o pequeno ensaio de Melville, Bartleby, sobre a obstinação, a solidão e o inexplicável na atitude humana; comecei, e entretanto interrompi, Cormac McCarthy e a sua Estrada pós-apocalítica que, desconfio, não chegará a lado algum. Depois da frase supra-citada, só posso concluir que tudo o que busquei nessas literaturas foi em vão, por mais que tenha apreciado o processo de buscar e de ter lido o que li. Isto, porque o objecto da minha procura estava escrito e explicado desde 1992, numa pequena metáfora futebolística acerca de um Arsenal – Everton disputado em 1988. Quando li esta passagem, só pensei “é isso aí, Nick”.
(O livro, que me foi emprestado, tem agora diversas páginas com os cantos dobrados – são páginas que contêm matéria do meu e do vosso interesse e sobre elas conto escrever durante os próximos tempos. Mário, se me estás a ler, fica a garantia de que irei desdobrar-lhes as pontas antes de te devolver o livro. Espero que não me leves a mal.)
Subscrever:
Mensagens (Atom)