24 fevereiro 2006
Manual do Proxeneta: O Filme
Snoop Dogg: Boss'n Up
Vou avisando, gentil leitor, que é bastante possível que encontre nesta prosa alguns traços de parcialidade. Acontece que sou relativamente pouco neutro em relação à figura central deste objecto, a que não sei se pode chamar-se um filme, um conjunto de telediscos com um vago guião ou um auto-retrato nada ambicioso.
Nos dias que hoje se vivem, embora a Costa Oeste dos Estados Unidos sempre tenha sido dada a uma ostentação não tão comum do lado oposto, em Nova Iorque, aquilo que se conhece como hip hop é muito mais do que música. O hip hop a que se chamaria comercial tem, como qualquer não-invisual pode verificar, quase tudo que ver com imagem e demonstração pública de riqueza.
E Snoop Dogg, que actualmente também gosta de chamar-se Bigg Snoop Dogg, em nada despreza a sua LBC (Long Beach, Califórnia), sendo portanto, um produto dessa escola de imagem (não apenas, atenção, porque vale a pena lembrar os saudosos Sublime). Na realidade, não só é precisamente esse produto como leva a sua criação a um extremo que, de tão assumidamente obsceno, se revela deliciosamente genuíno. Essa é uma das razões pelas quais aprecio a figura em causa, sendo outras a sua voz trabalhada em estúdio ou o seu flow narrativo e naturalmente pejado de referências que chegariam para justificar uma capa inteira com o sinal "Parental Advisory: Explicit Lyrics".
Não podendo dizer-se que os tomos de Doggystyle, aventuras mais antigas com a câmara, são propriamente filmes (são precisamente a mistura de telediscos com algumas cenas de pornografia), Boss'n Up é bastante diferente. Não chega realmente a saber-se o que é, sendo uma versão "oficial" a de que se trata de um musical feito a partir de Rhythm & Gangsta, o álbum mais recente de Snoop Dogg. Pode ser. Pode, eventalmente, ser.
Boss'n Up é, no entanto, também uma série de outras coisas. Tecnicamente, é uma perfeita nulidade, no que a argumento ou realização diz respeito, para não falar de representação. Talvez seja essa uma razão para ser difícil chamar-lhe um "filme". Olha-se para Snoop Dogg e, na realidade, o que ali está é Snoop Dogg como gosta de mostrar-se: rapper, sim senhor, mas bastante dado à actividade de proxeneta, chulo ou, no mais sonante "americano", "pimp". Longínquos parecem já os tempos da glorificação da marijuana como leimotiv de intervenção, virando-se mais recentemente Snoop Dogg para esse universo moralmente inqualificável da prostituição. Só que não é a minha moral que aprecia Snoop Dogg.
Aprecio é precisamente o seu descaramento e este Boss'n Up, mistura de uma quantidade indizível de moças criadas pelos melhores escultores do mundo e a música incluída no bastante recomendável Rhythm & Gangsta: The Masterpiece. Isto é uma festa, ou como em tempos ouvia e que me levava ao delírio, "isto é uma América". É a América de Snoop Dogg, que tem muito mais piada do que a América de um Marilyn Manson. Beats, rimas, magnífica produção, luxo, vício, putas de boa gigura e um dinheirito no banco. Se é para ser assim, então se seja assim -- está aí uma belíssima lição de Snoop Dogg em 2006.
Honestamente, não sei se o filme. em DVD, está à venda em Portugal. Remomenda-se, se for verdadeira a ausência, a sua aquisição em lojas internacionais, como a Amazon inglesa (link aqui do lado direito). Isto se for o gentil apreciador do imaginário de alguém que dá charme a tudo o que mexe e resulta numa fabulosa caricatura do tal hip hop que hoje é mais conhecido (via MTV, não a marca, mas o conceito da marca) e que por si só é normalmente aberrante. Transformar o lixo em luxo, às tantas é o que isto é. Ambicionando-se um filme, perde-se muito do gozo.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
21 fevereiro 2006
Quiz
Na edição desta segunda-feira do Quiz semanal do Espaço Portela instalou-se algo de que sempre dá gosto falar: o clima de suspeição. Esta adorável entidade futebolística não foi, esclareça-se, exclusiva deste servente, mas de uma miríade de jogadores habituais absolutamente incrédulos com o resultado da equipa vencedora, a mesma equipa que, há coisa de meses, ao ganhar uma edição, foi na semana seguinte colocada junto ao balcão onde são ditadas as perguntas, para o controlo sobre SMS e afins ser eficiente. Não me lembro de ver uma equipa ganhar com 43 respostas certas em 52 possiveis. E não acredito na honestidade da vitória. Esclarecidos sobre o assunto, saiba-se que a prestação do lendário combo TV Rural, de que orgulhosamente faço parte, roçou o patético. Nono lugar. Uma monstruosidade que justificaria uma bola-de-neve de auto-destruição. Na ocasião, e com tanta matéria excrementícia inscrita na folha final de respostas, entre outras coisas não sabíamos o nome da arte (repito: arte) de medir as distâncias percorridas, que Vienciana é a capital do Laos ou como chamam no Brasil a um boteco que vende, por exemplo, frutas e legumes. Em matéria estritamente musical, nem aí o pleno foi atingido, graças ao absoluto desconhecimento de uma canção dos portugueses Squeeze Theese Pleaze. As outras, vá lá, ficaram por conta dos Hands On Approach (opto por não comentar a escolha e a estética) e os meus estimadíssimos Kaiser Cheifs. Para a semana não há Quiz. Arrefece o clima de suspeição, o que tira alguma piada a isto tudo.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
20 fevereiro 2006
A dieta Nelson Motta
Se há coisa de que sou adicto é das lojas acopladas às bombas de gasolina, a que uns chamam de conveniência, a que outros chamarão áreas de serviço, a que outros ainda darão o título de local para destruição e pilhagem. São espaços fantásticos, com coisas deste mundo e de muitos outros, onde tantas vezes pão fresco convive pacificamente com diários desportivos, tabaco e bebidas energéticas para longas viagens de automóvel.
Num desses recintos comerciais, cuja identidade a memória tratou de apagar, encontrei ao lado das revistas aos magotes (uma miríade que vai do tuning aos meandros da vida no mercado accionista) umas prateleiras com livros, mesmo ao pé daqueles expositores maravilhosos com discos normalmente também maravilhosos. O mais comum, nessas estantes, é enfrentar o freguês a mais assumida literatura levezinha, daquela que praticamente pode ler-se enquanto se conduz e que se termina antes da placa que diz "Boliqueime".
Nada me move contra a literatura levezinha, a não ser as árvores que se perdem para publicar aquilo. Mas encontrar, entre livros de auto-ajuda e outros olimpicamente mais inúteis, o primeiro romance do brasileiro Nelson Motta é algo de praticamente sublime. Nelson Motta, para os menos atentos ou cuja memória é tão eficiente quanto a minha, já fez quase tudo o que há para fazer no universo da música brasileira, é jornalista, teve há uns anos valentes um programa na RTP com Eugénia Melo e Castro, debitou crónicas para o Diário de Notícias e ficou sobretudo na retina de uns quantos através de Manhattan Connection, o programa outrora exibido via cabo. Pois, para mim, Nelson Motta merece o céu é por Noites Tropicais, um dos melhores ensaios sobre música (no caso, parte da História da música brasileira) escritos na primeira pessoa que alguma vez pude ler. Noites Tropicais é uma peça gloriosa. Ponto.
Em torno do livro, na estante da área de serviço, estava uma cinta em que Pedro Rolo Duarte traduzia uma espécie de orgasmo mental a propósito do autor e do seu primeiro romance, este O Canto da Sereia. Retirada prontamente a cinta, despi vagamente o livro e comprei-o. Acabei de lê-lo na noite que passou. E das duas uma: ou Pedro Rolo Duarte não leu o livro ou leu uma edição diferente da que eu li. Como romancista, mesmo não esquecendo que se trata de uma estreia, Nelson Motta é uma cagada. Aqui é que bem se aplica a expressão: quem não sabe não inventa. Nelson Motta não sabe inventar. O que se percebe logo a meio do livro, embora quisesse esperar pelo fim para confirmar a teoria do acto falhado.
Basicamente, há uma moça. de nome artístico Sereia, que é rainha no Carnaval de Salvador da Bahia. E que morre com um tiro enquanto desfila as curvas em cima do chamado trio eléctrico. O leitmotiv é, desde logo, péssimo. O desenvolvimento, esse, é catastrófico, desesperadamente incolor e escrito com uma capacidade de encantar semelhante à do excremento de um rinoceronte. Tenho por hábito ler antes de adormecer. O Canto da Sereia fez-me adormecer quase sempre que peguei nele. A não ser quando a vontade de chegar ao fim para pegar noutro livro se impunha com veemência.
Augustão é um detective privado, cronista da treta que aproveita as historietas de adultério e afins que conhece para justificar uma coluna num jornal. E o livro anda às voltas da sua vontade, entre o profissionalismo e a alcoviteirice, de encontrar o assassino de Sereia. (Quando um crítico de música escreve uma crítica a um disco, fá-lo de forma a que o leitor saiba tanto quanto possível o que encontrar inscrito no objecto; nos filmes, como nos livros, isso não acontece, não se conta o final e a ideia com que fico é que com isso se presta, sobretudo, um serviço aos editores e distribuidores. Por isso mesmo, digo já que quem matou a Sereia foi o ex-detido que Mãe Marina acolheu no seu terreiro de candomblé). Nesse percurso de investigação, o pouco que se passa é, por Nelson Motta, transformado em coisa nenhuma. Tudo tem uma incómoda leveza, tudo se desenrola transmitindo a ideia de que o autor escreveu porque meteu na cabeça a ideia de que tinha que continuar o que começou, desse por onde desse.
Na contracapa da edição portuguesa do livro, Pedro Rolo Duarte escreve: "Nelson, peço-lhe do fundo do coração: não me surpreenda mais! Eu não aguento...". O apelo só não deve ser liminarmente ignorado porque, pelo menos para mim, ele é também sentido. Nelson Motta, que, ao que parece, tem já novo romance intitulado Bandidos e Mocinhas (promete...) não pode nem deve inventar nem mais uma linha que se pareça com esta coisa chamada O Canto da Sereia. Quem não aguenta sou eu.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
15 fevereiro 2006
Um novo tipo de TPM
Ele vem aos poucos...
A espera pelos primeiros dias de Abril é, como se imagina, já relativamente desconfortável por estes lados. É a vontade de ouvir o que aí vem, o que tem Morrissey para dizer e cantar depois de You Are The Quarry, a que se junta a provavelmente vã esperança de que uma cabeça pensante o traga desta vez a Portugal.
Na digressão de You Are The Quarry, até em Espanha o ex-vocalista dos Smiths actuou, facto que há longos anos não cumpria devido à sua conhecida repulsa por tudo o que implique eventuais abusos perpetrados em animais, caso concreto das touradas de morte. E eu vi, na ocasião, perto de Málaga corações cheios por aquela presença, lágrimas pelo milagre daquela aparição. Em Portugal não. Vi a costumeira lista de visitantes regulares. (Para este ano, datas agendadas para a Europa, podem ver-se, entre "n" outras coisas interessantíssimas, aqui.)
Ringleader of the Tormentors, o novo álbum de Morrissey, tem saída agendada para 3 (Europa) e 4 de Abril (Estados Unidos. Naturalmente, já há quem pela internet distribua os sempre deploráveis "fakes", ficheiros que dizem ser uma coisa e são, na realidade, outra totalmente diferente. Por estas bandas, no entanto, foi impossível resistir a ouvir duas das canções incluídas no álbum, "I Will See You in Far Off Places" e "Dear God, Please Help Me". E ter acesso àquilo que tudo indica ser a capa do disco, aqui reproduzida, num imaginário Deutsche Grammofon em absoluto contraste com a arma empunhada na capa de You Are The Quarry.
Sobre as canções, "I Will See You in Far Off Places" vai, inicialmente, ter dificuldade em voar alto, uma vez que adopta uma estranheza estética que passa pela combinação entre as guitarras cada vez mais evoluídas e elementos subliminares praticamente fantasmagóricos. É, em todo o caso, uma excelente forma de abrir um álbum que quer assumir-se como distinto de You Are The Quarry. "Dear God, Please Help Me" é outra história. É uma daquelas canções doridas, de mágoa e ironia exemplar, balada ao nível de monumentos outrora incluídos pelos Smiths em discos como Hatful of Hollow e Strangeways, Here We Come. Com as saudosas repetições no final, no caso com a frase "the heart feels free".
Obviamente, esta inquietação não está a fazer-me nada bem.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
14 fevereiro 2006
Amor
Se me permitis, estou há meses de amores por uma canção. Se fosse uma pessoa, cortaria os pulsos se não quisesse ser minha para sempre.
Chama-se "Another Sunny Day" e está no novo álbum dos Belle and Sebastian, The Life Pursuit.
É tão fácil, para estes caramelos escoceses, seduzir um gajo como eu...
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Chama-se "Another Sunny Day" e está no novo álbum dos Belle and Sebastian, The Life Pursuit.
É tão fácil, para estes caramelos escoceses, seduzir um gajo como eu...
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Bater a pala ao cadete
Soube, por razões diversas antes de ser tornado público, que o novo director do BLITZ é o meu amigo Miguel Francisco Cadete.
Tenciono retomar o assunto numa destas ocasiões, mas para já ocorrem-me duas coisas: a primeira é que vejo finalmente uma opção inteligente assinada por quem tem responsabilidades maiores sobre o jornal (não é tão líquido assim, mas isso é outra conversa); a segunda é que o Miguel, com quem tanto aprendi sem ele próprio ter noção disso, vai precisar de todo o seu saber para driblar (a la Georgie Best) situações criadas por quem nunca entendeu nem entenderá o que é o BLITZ. Só que o Miguel é grande.
Como disse, tenciono voltar ao assunto. Para já, e até porque esta segunda-feira tive a felicidade de vê-lo naquele vagamente claustrofóbico quadrado, só quero dizer que o admiro e que tudo farei para que ele continue a vencer em tudo aquilo em que se envolve (à excepção do seu Sporting).
Vais conseguir tudo, Miguel. Eu sei que não lês esta merda, mas ainda assim pode ser que aí chegue um destes dias.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Tenciono retomar o assunto numa destas ocasiões, mas para já ocorrem-me duas coisas: a primeira é que vejo finalmente uma opção inteligente assinada por quem tem responsabilidades maiores sobre o jornal (não é tão líquido assim, mas isso é outra conversa); a segunda é que o Miguel, com quem tanto aprendi sem ele próprio ter noção disso, vai precisar de todo o seu saber para driblar (a la Georgie Best) situações criadas por quem nunca entendeu nem entenderá o que é o BLITZ. Só que o Miguel é grande.
Como disse, tenciono voltar ao assunto. Para já, e até porque esta segunda-feira tive a felicidade de vê-lo naquele vagamente claustrofóbico quadrado, só quero dizer que o admiro e que tudo farei para que ele continue a vencer em tudo aquilo em que se envolve (à excepção do seu Sporting).
Vais conseguir tudo, Miguel. Eu sei que não lês esta merda, mas ainda assim pode ser que aí chegue um destes dias.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Quiz
Após uma semana sem os meus vagamente valiosos préstimos (quarto lugar na minha ausência), o combo TV Rural continua à procura do caminho que o leve novamente aos lugares cimeiros, aqueles que realmente interessam. Desta vez, estávamos reduzidos aos mínimos olímpicos: este humilde servente e o seu grande amigo Herói, cuja alcunha toma verdadeiro sentido nestas alturas, quando é necessário saber o que raramente se sabe. Directo ao assunto: quinto lugar com dois parceiros em quatro possíveis. Heróico, eu diria. Desta vez, entre diversos outros factos, não me importava rigorosamente nada de saber que a Argentina instituiu a língua portuguesa como disciplina obrigatória no ensino primário em 1991, o nome da abertura num jogo de xadrez em que propositadamente se oferecem figuras para serem sacrificadas ou o nome da cidade capital da Namíbia. O pior é que nem na música fizemos o pleno. Tudo bem com os Daft Punk e os Snap, mas quando chegamos aos Jimmy Eat World a refrega entre a sapiência e os critérios estéticos deitam tudo a perder. Ainda assim, heróico. Se tudo correr bem, para a semana voltamos a ter o Engº Sousa Veloso connosco.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
13 fevereiro 2006
A inveja
Às vezes, no meu caso muitas, é preciso que qualquer coisa me lembre de outra coisa muito mais importante. Hoje, rádio e televisão fizeram-me lembrar Agostinho da Silva.
Felizmente para mim, estou muito longe de ser católico. Se o fosse, estaria neste exacto momento a cometer enormíssimo pecado, ao invejar o pensamento e a sua forma de expressão através do homem que hoje faria 100 anos. O homem que, para o humilde escriba, está no cume da montanha dos maiores pensadores portugueses do século XX.
Tenho inveja de não saber pensar, essa é que é essa.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Coisas que se escrevem e que me irritam III
Patologia
"Concerto ao vivo"
Medicação
Um concerto, da forma como aparece usualmente (d)escrito, é sempre ao vivo. O que faz disto uma redundância e um desperdício de caracteres. Altere-se imediatamente o hábito e escreva-se apenas "concerto".
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
"Concerto ao vivo"
Medicação
Um concerto, da forma como aparece usualmente (d)escrito, é sempre ao vivo. O que faz disto uma redundância e um desperdício de caracteres. Altere-se imediatamente o hábito e escreva-se apenas "concerto".
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Darwinismo jornalistico
Rugged
Bem sei que começo a parecer uma "gaja" com a história das marcas e, sobretudo, das marcas de vestuário, mas deixai-me auto-atribuir-me a arrogância de pensar que cada vez que abordo o assunto dou a volta ao texto de modo a que ele pareça menos, digamos, de "gaja".
O que aqui me traz desta vez é o facto de existir há meia-dúzia de temporadas (descansai: em matéria de moda, temporadas são coisas que não domino e me parecem todas iguais) é uma revista que, distribuída gratuitamente numa ou noutra loja mais esclarecida, tem o beneplácito oficial (também pode ler-se graveto) de uma reputada marca de street wear e que é exímia na intrincada arte de retratar aquilo que habitualmente se designa por cultura urbana. Chama-se Rugged e pertence à mui estimada Carhartt.
Desde logo, a Rugged rejeita por completo o possidónio conceito, por exemplo muito propalado em revistas e publicidade afectas ao surf, da sujidade supostamente gráfica aplicada sobre fotografia. Isso, no meu universo, é uma coisa maravilhosa. Na Rugged, o que é lixo gráfico é lixo gráfico assumido. Melhor: o que é para ler, consegue de facto ser lido. Depois, não é um catálogo de roupa. É antes um compêndio de retratos de maravilhosos gadgets, de reportagens, de entrevistas e de tudo o que mais caiba no tal conceito tem-te-não-caias da urban culture.
Apanhei recentemente a edição #6 e vou avisando que, para aqueles que vão para a varanda gritar que viram um galo de Barcelos na Harper's Bazaar, lá vem uma foto-reportagem, a preto e branco, da feitura de um filme de skate em que os intervenientes são os mestres de street e half-pipe da equipa Carhartt. A coisa passa-se em Lisboa. Agora podeis gritar de orgulho.
Não é a Colors, da Benetton, muito bem. Mas é muito melhor que a La Redoute.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
12 fevereiro 2006
Jay Dee (1974 - 2006)
O que menos importará, nesta circunstância fúnebre, é o facto de o fashionista Pharrell ter alegadamente dito num dia qualquer, entre um desfile LV e uma sessão fotográfica com Catherine Deneuve para a Citizen K, tratar-se Jay Dee do seu produtor preferido de hip hop.
Geração semi-nova, escola de Detroit, A Tribe Called Quest ou Cam'ron no curriculum.
Os pormenores, como a devida homenagem, podem e devem ser descobertos a partir da reputada Stones Throw.
Respect.
06 fevereiro 2006
Adeus Lisboa
Estimados clientes:
Dificilmente este blog incluirá novas prosas entre esta segunda-feira e o próximo sábado.
Ofereci-me o privilégio de desaparecer de Lisboa, o que nos dias que correm é coisa preciosa e faz recuperar alguns anos de vida. E não vou ter acesso à internet, tentando no entanto levar uma vida perfeitamente normal.
Não farei, com toda a certeza, figuras como as da imagem aqui apensa, mas também pode dar-se o caso de não andar longe disso.
Até lá, despeço-me com amizade, à boa maneira do mais do que estimado Engº Sousa Veloso.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
04 fevereiro 2006
Liberdade? Importa-se de repetir?
A imagem à direita é uma das que, nos dias presentes, está a espalhar a indignação e as ameaças de violência feroz dirigidas pelas comunidades muçulmanas ao mundo dito ocidental. Representa, como toda a gente já saberá, o profeta Maomé, cuja equivalência no universo católico não é difícil de imaginar e está muito longe de ser um qualquer Papa com um preservativo enfiado no nariz.
Nunca escondi que sou apaixonado pelo jornalismo e pela liberdade de imprensa. Igualmente, desta vez não vou esconder que sou absolutamente contra a repetição claramente provocatória desta e de outras imagens semelhantes em jornais europeus sob o pretexto da solidariedade face a um qualquer órgão de informação dinamarquês. Que entre muçulmanos se desenvolva agora a vontade de atingir de todas as formas os apoiantes deste absoluto desrespeito pela religião alheia, isso é algo que não estranho e que, naturalmente, temo e condeno.
O que deve, actualmente, a imprensa dita civilizada fazer é pensar duas centenas de vezes antes de, como tanto aprecia, lançar ataques a esse bastião da imbecilidade de nome George W. Bush. Estamos, nem mais nem menos, a ser tão imbecis quanto ele. Apenas menos perigosos, mas igualmente imbecis.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
A Naifa: 3 Minutos Antes de a Mare Encher
Tal como aqui havia partilhado há não muito tempo, A Naifa teve a gentileza de pedir a este vosso humilde escrivão que alinhavasse o texto de apresentação do seu novo álbum, 3 Minutos Antes de a Maré Encher.
Fi-lo e entreguei-o com a certeza de que não chega para descrever o que se passa dentro de um disco d'A Naifa, menos ainda dentro de um concerto. Esses, os concertos, vão felizmente voltar já no próximo mês de Março.
Com igual gentileza, A Naifa difunde agora aquilo que sobre eles escrevi e inclui a prosa na página de abertura do seu site oficial. A eles volto a agradecer o convite, consumado na tal noite engripada á porta do cinema Quarteto, em Lisboa.
Ao meu bem-amado Estado deixo uma garantia: não recebi um cêntimo para escrever isto.
Reza assim:
3 MINUTOS ANTES DE A MARÉ ENCHER
Nos 33 roufenhos segundos com que A Naifa inicia a sua segunda jornada por essa encantada visão daquilo que é a “música portuguesa”, aquela distância quente remete quem a ouve para um imaginário próximo da Tasca do Chico, ali no Bairro Alto, em Lisboa, catedral do fado vadio. A Naifa, como já havia mostrado em Canções Subterrâneas, a estreia em 2004, está sempre no fio da navalha, nesse jogo perigoso dos antagonismos estéticos e emocionais que oferece a quem a ela se dedica com ouvidos atentos. O que se segue a “Um”, precisamente o nome desses 33 segundos, tem muito pouco que ver com o fado vadio, nada que ver com a Tasca do Chico e menos ainda com aquilo que nasceu e se foi esboroando com o nome de “novo fado”.
3 Minutos Antes de a Maré Encher, nome resgatado ao título de um livro de poemas de Valter Hugo Mãe, carregaria sempre, quisesse ou não, o peso que a História consagrou à consecução de um segundo álbum, sobretudo quando o que lhe antecedeu reúne características como a inovação (quando não usada como adjectivo estéril) ou a suprema beleza com que raras vezes órbitas distintas se cruzam. A Naifa, esperasse-se ou não, pouco ou nada se deixou embeber no deslumbramento de uma primeira aclamação. 3 Minutos Antes de a Maré Encher será, com certeza, um disco de canções, porque é de canções que se faz esta música sem rótulo. Mas A Naifa de hoje não está mais afiada (porque não necessita disso) do que estava há dois anos, e é precisamente aí que está a génese dessa avassaladora refrega com que o quarteto, agora com Paulo Martins (dos Ramp, um dos melhores bateristas portugueses e oficialmente um dos mais versáteis) aborda quem a desafia. A Naifa de hoje está, sobretudo, segura daquilo que tem capacidade de trinchar, do anafado excesso de orgulho nacionalista ao grotesco conceito de que a emoção se transmite única e exclusivamente através do que é genuinamente tradicional. No dia em que A Naifa se transformar em tradição, não é esta que deixa de ser o que era, é a própria criação que deixa de fazer sentido.
São as audições sucessivas de 3 Minutos Antes de a Maré Encher que compõem a percepção de que, se a música popular é conceito e é contexto, n’A Naifa não há um só contexto para o mesmo conceito. É através desse processo de escavação dedicada que se apreende que A Naifa está hoje diferente daquilo que era há dois anos mas que, na sua essência, mantém como princípio primeiro a audácia de não ceder ao progresso porque sim. O progresso, n’A Naifa, faz-se neste disco através do primado da libertação. A libertação da obrigatoriedade do formato-canção – evidente quando o mesmo tema é cortado por silêncios calculados –, a libertação face à necessidade de fazer-se ouvir, sabendo ela que vai ser ouvida tal como está. E está repito, muito mais segura, pronta para arriscar um bom pedaço mais quando a esparsa electrónica é chamada para o processo, pronta para declamar mesmo quando a voz de Maria Antónia Mendes se agiganta quando canta, pronta para dar à guitarra portuguesa uma liquidez que, ao invés de ferir, acaricia as feridas feitas pela vida e por tanta outra música. Haverá quem em tudo isto possa ver contenção, mas a realidade passa muito mais pela urgência de experimentar mudar a decoração daquela casa portuguesa que figurativamente amamos habitar. Nunca possuir, porque A Naifa não se deixa possuir. Talvez alugar, mas nunca possuir.
A Naifa de 3 Minutos Antes de a Maré Encher é um disco cuja solução se encontra em quem o escuta e o lê. Inclui, no livrete que acompanha o disco, três poemas que não estão no alinhamento musicado, mas que se assumem como estímulos adicionais ao resultado final. Esse é novamente feito por gente deste tempo – Nuno Moura, João Miguel Queirós, Nuno Marques, Rui Lage, José Luís Peixoto, Tiago Gomes, Pedro Sena-Lino, Ana Paula Inácio e Adília Lopes. E onde dantes havia Amadeo de Souza-Cardoso, hoje há Sara Santos.
3 Minutos Antes de a Maré Encher, como a própria maré-cheia, deslumbra quando nos deixa flutuar em direcções variáveis: “Disse-lhe que Portugal ainda tinha muitos comunistas/ Mas o que ele queria saber era onde havia señoritas” (“Señoritas”); “E esqueces essa canção que já não passa na rádio/ Mas que vive secretamente dentro de ti.” (“Monotone”); “Não irei negar nunca que te amo. Nem mesmo quando estiver deitado, nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo antes de a foder” (“Todo o Amor do Mundo Não Foi Suficiente”); “Quando passo de automóvel/ Esqueço-me de onde moro/ porque sou meu lar imóvel” (“Antena”); “Sinto-me bem e deus queira que consiga não me masturbar. Ámen” (“Fé”); “Disse espero que encontres um homem que te ame, e ambos baixámos o olhar por sabermos que esse homem não existe” (“Quando os Nossos Corpos se Separaram”); “Porque me traíste tanto se os meus gatos são meigos?” (Porque Me Traíste Tanto?).
É uma maré que pode levar três séculos a encher. Mas enche e enche-nos.
Pedro Gonçalves
Janeiro 2006
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
02 fevereiro 2006
As marcas
Isto de andar, de alguma forma conduzido e obrigado, a visitar um ou outro "blog de gaja" acaba por produzir os seus efeitos. Lembrei-me que, como "as gajas", eu próprio também sou dado ao apego por um número apreciável de marcas. Pior: marcas de vestuário. Descansai o gentil leitor porque nenhuma delas se insere no eixo Barbour-Louis Vouitton.
Tudo isto a propósito de, no que toca ao meu gosto e àquilo que gosto de alimentar como o meu estilo (mesmo que o respectivo não tenha, numa análise feita por terceiros, estilo nenhum), considerar que Portugal é um país muito atrasado. Como qualquer melómano e pessoa interessada nas mais diversas tendências estéticas e outras menos cerebrais, consumo publicações estrangeiras. E nessas desfolho, semana sim semana sim, dezenas de páginas de publicidade a marcas que, enquadradas em algo que podia descrever-se como o hip hop-street-wear, em Portugal ou são pura e simplesmente ignoradas ou andam escondidas num ou noutro cafofo mais arrojado no negócio da importação.
Um destes dias, um amigo meu especialmente dado aos Polos e aos Hilfigers da vida, perguntava-me onde podia encontrar roupa de uma marca que há anos consumo com especial prazer, a Carhartt. Felizmente para ele, e para muitos outros que entretanto se foram apercebendo do potencial encanto do género beto-radical, a Carhartt já tem representação portuguesa. Como, ao longo dos últimos anos, fui assistinto à entrada no mercado nacional de marcas como a Etnies, a Element ou a DC, hoje perfeitamente adoptadas por jovens (lá vem a palavra, mas não me ocorre outra...) de todo o tipo.
O que aqui me traz, nesta circunstância, é uma relativa (muito relativa, diria) frustração por não encontrar em Portugal, de forma mais ou menos visível, uma série de marcas que, só num serão, apesar de já há muito ter assinalado mentalmente, ter assinalado fisicamente em revistas como a Fader, a i-D, a King, a Hooker, a Lodown, a XLR8R e a Style. Vou passar a enumerar essas marcas. Exijo reacção urgente. Ou então começo eu a pensar nos incentivos à criação de empresas...
A Bathing Ape (logotipo na imagem)
Akademiks
Billionaire Boys Club
Boxfresh
Ecko Unlimited
Emerica
Enyce
Franklin & Marshall
Freshjive
iPath
Irie Daily
Lugz
Matix
Mecca
PF Flyers
Roca Wear
Spiewak
Triple Five Soul
Bem sei que algumas delas já não são ilusão óptica no corpo de alguns cidadãos, mas nada disso é suficiente. Os portugueses têm que entrar nesta corrida. Digo eu, que não sou "gaja".
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
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