Quem quiser conhecer a forma e o fundo da chamada literatura de cordel tem à mão este livrinho do velho Camilo, objecto de muitas edições ao longo dos tempos desde a edição princeps, sem nome do autor, publicada em 1848 (data que a presente edição nem se dá ao trabalho de informar).
A literatura de cordel, com as suas historietas mirabolantes, os seus relatos de crimes horrendos, fazia as vezes dos jornais tablóides e das estações de televisão, cuja luta entre si, à procura de sangue para a turba das audiências, é pelo menos tão miseranda quanto os crimes nefandos escarrapachados nestes folhetos, vendidos por esse país adentro, nas feiras, nos mercados, nos lugares de ajuntamento, a um público analfabeto que ouvia a leitura em grupo.
A história verídica que nos conta Camilo -- o matricídio de Matilde do Rosário da Luz pela sua filha Maria José -- é um (in)vulgar crime venal que a miséria humana conhece desde que se conhece. O que é giro neste folheto é a técnica espertalhona de Camilo de captar e impressionar o ouvinte do anúncio do conteúdo, no exórdio dirigido AOS PAIS DE FAMÍLIA!, de forma a ficarem logo agarrados ao triste caso, sinal claro de «que o fim do mundo está chegado» -- e abrirem os cordões à bolsa, é claro, que era o que interessava ao futuro autor do Amor de Perdição.
o inicio: «Em Lisboa, na travessa das Freiras n.º 17 havia um homem chamado Agostinho José casado com Matilde de Rosário da Luz.»
ficha:
Autor: Camilo Casrelo Branco
título: Maria! Não Me Mates que Sou Tua Mãe!
editora: Edições Nova Ática
local: Lisboa
ano: 2001
impressão: Stória
págs.; 16