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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Milho crioulo: Receita de tortilla e nachos.

O milho aqui de casa é o da direita. Os demais,
da feira boliviana Kantuta. Cada um com um sabor.
Todos não-transgênicos.
 No meio do ano, ganhei do pessoal do Etinerâncias (Valeu, Gabriel e Raissa!) um punhado de milhos coloridos, crioulos. Foram para a terra e o resultado foi uma boa colheita. Deram pés altos e levaram quase 6 meses para maturar, um trabalho de paciência e cuidado. O legal é que plantei só milhos vermelhos e cada um deu uma espiga de uma cor. 

Fiquei com dó de colher ainda imaturos, verdes, porque as cores mais bonitas ainda não haviam se manifestado - eram iguais a qualquer milho de mercado àquela altura. Quando maduros, secos, são brilhantes, coloridos, rajados, com a testa amarela e a palha rosa se revelam. Uma lindeza só, que ficou decorando meu quarto nesse janeiro chuvoso.

Separei algumas espigas, especialmente as maiores e mais coloridas, para replantar ano que vem. O segredo é debulhar apenas a porção central dos grãos, porque os  grãos das pontas tende a dar pés geneticamente inferiores, mais fracos. De cada espiga, então, salvei 10% para plantar e o restante for debulhado. E fiquei olhando para quele milho colorido, translúcido, hipnotico, sem saber ao certo o que fazer.

Os milhos lá de casa: variabilidade genética grande,
indicando que não é híbrido. Bom sinal.
E a coragem de debulhar?

Guilherme e seus milhos.
Do milho seco se faz canjiquinha, fubá, farinha, amido. Mas tudo isso exige, se não uma tecnologia específica, uma boa dose de esforço, conhecimento e mão de obra. Da colheita, apenas dois quilos, achei que todos os processos seriam demais trabalhosos para fazer qualquer coisa. O que fazer com esses dois quilos de milho?

Por acaso, estive na feira boliviana e comprei mais alguns milhos coloridos - o mote vermelho e o mote branco, e um milho morado, todo sarapintando de azul e roxo, coisa mais linda desse mundo. Esses milhos, como já falei aqui no blog antes, são usados para sopas e muitas vezes, são cozidos e depois fritos, virando um petisco crocante sensacional.

Decidimos por tortilla (pronúncia: tor-ti-lha) - é fácil de fazer, exige milhos secos inteiros, e são fáceis de congelar. É preciso, nessa ordem: cozinhar o milho com cal virgem (aquela para doce), enxaguar, processar (usei um moinho de grãos, mas o processador funciona muito bem), temperar e fazer bolinhas, prensar e passar na chapa. Parece trabalhoso, mas compensa, especialmente se você fizer de cara muitos quilos de milho. Afinal, se for sujar panela e gastar energia, que renda bastante.

Chame a família para cozinhar junta!

Prensa de madeira, emprestada da Letícia. Valeu Lê :)

Rápidos e eficientes, a produção foi seriada.
As tortillas são comumente associadas à culinária mexicana, mas estão presentes em diversas culturas latinas, baseadas em milho, embora algumas levem outros cereais e até mesmo feijões. Consistem em pães chatos, arredondados, não fermentados, feitos com milho cozido na cal - um processo chamado de nixtamalização, que libera vitaminas, amacia o milho e dissolve sua casca grossa. E sem falar do sabor - ao ferver o milho na água de cal, na hora sobe um perfume misterioso e indescritível, que dá vontade de mergulhar na panela. Delicioso e simples, daqueles sabores rústicos e maravilhosos que surpreendem por envolver tão poucos ingredientes.

Pois bem, come-se as tortillas com qualquer recheio - eu gosto de acompanhar com salada de abacate, ou queijo, ou queijo com cebola caramelada, mas pode incluir pasta de feijão, carne ao molho, legumes ao molho e até frutas. Tudo combina, igual pão. Com o detalhe de ser mais nutritivo e riquíssimo em fibras, portanto, com menor índice glicêmico.

Os nachos, por sua vez, são as tortillas cortadas em pedaços menores, fritos em óleo fervente. Se quiser fazer igual o famigerado doritos, passe-o ainda quente numa mistura de sal, colorau, orégano e páprica. Fica tão maravilhoso que você só vai parar de comer quando acabar. Eis a razão para não teros tirado fotos: não deu tempo,

Dos milhos, achei o milho azul pequeno mais fácil de preparar: cozinha mais rápido, dá uma massa mais elástica e é bem rápido de moer. Os milhos do quintal, em compensação, demoram muito para cozinhar mas tem um sabor incrível. Os milhos mote branco e vermelho demoram para cozinhar, dão uma massa elástica e de sabor adocicado. Se quiser tortilla coloridas, como mostro a diante, cozinhe-os separado e misture as massas na hora de prensar. 

A receita:
1kg de milho não transgênico
20gr de cal culinária (vende em loja de doceria e material para construção)
3 litros de água

Deixe o milho de molho por 6 horas com a água. Adicione a cal, dissolva bem e leve para ferver até estar macio e mastigável. No começo, o milho muda de cor, mas depois retorna quase à cor original. Tons muito vermelhos ficam vinho, e os azuis, ficam arroxeados. O aroma fica incrível.

O milho roxo levou 40 minutos em fogo médio, o vermelho e branco uma hora e o do meu quintal, uma hora e meia. Deixe esfriar, complete novamente com água e deixe de molho por pelo menos 8 horas (faça na noite anterior). Você vai notar que a água está gelatinosa - é a casca grossa que se dissolveu e virou um gel. Descarte a água. 

Depois, é lavar bem, processar (usei moinho de grãos, mas processador dá super certo), temperar com sal - se preciso, adicione borrifos de água para a massa dar liga, faça bolinhas e abra com uma prensa ou com um rolo de macarrão entre duas superfícies antiaderentes (usei sacos plásticos). Passe em uma frigideira ou chapa quente só para dourar e está pronto! Pode ser congelado - precisa ser chapeado antes, ou vai quebrar todo - é o calor que dá a liga.

O meu milho eu processei rusticamente, mas poderia ter batido ainda mais para uma massa mais fina e mais elástica. Isso só interfere no aspecto final, mais tosco, mas o sabor continua sensacional. Perdoem-me, mexicanos.

Massas de milho coloridas, já processadas.

Tortilla de milho azul e milho crioulo colorido.

O milhos que originaram as tortillas acima.
Tortilla de milho azul recebe recheios antes
de ir para a chapa. Delicioso!

Frijoles refritos, pimentão queimado na boca do fogão,
verdes picadinhos,vinagrete, milho frito crocante,
queijo de búfala com murupi seca.
Faltou guacamole e cebolas carmelizadas.
Tortillas coloridas: basta misturar as massas.
A rosada eu hidratei com semente de bertalha.
É isso. Quando colher milho seco e não souber o que fazer com eles, já sabe: faça tortillas.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Frutos da taiuva: a amora verde

Esses dias, nas andanças do trabalho de campo do mestrado - uma das razões do rareamento das postagens do blog - tive a chance de conhecer a Vanda e seu lindo trabalho na Fazenda São Benedito. Na cidade de São José do Barreiro, trata-se de uma casa secular que eles restauraram e  transformaram em uma pousada, além de produzir frutas e cachaça artesanal. Recomendo a visita!

Me deparei com as botas afundando em frutas macias caídas na grama, as quais as galinhas ignoravam. Parecidas com amoras verdes, maiores e lactescentes, logo identifiquei como sendo a taiuva. Parente da amora, é fruta pra comer ainda firme, porém doce, nunca mole como amora madura. 

Trata-se de uma árvore de grande porte e copa aberta, que durante o verão frutifica e enche o chão com seus frutos suculentos e leitosos. O sabor está entre a amora e o kiwi, com pouca acidez e uma textura de amora verde. Pouco utilizada e pouco conhecida, poderia ser utilizada para polpa, sucos e geléias. O único problema é sua colheita - seu estágio de maturação é bem específico e deve ser colhida assim que despenca da árvore, quando começa rapidamente a fermentar. 

No local, elas são pouco usadas - o caseiro do sítio comentou que acreditava ser inclusive venenosa, devido ao látex que a planta solta, e disse que apenas a fauna local aproveita os frutos. Apesar disso, em outros países da américa latina ela serve para compotas e até mesmo para aromatizar vinho.

Pela falta de infra-estrutura e geladeira, acabei comendo in natura, mas adoraria ter processado e feito um doce pastoso, um chutney, algo assim. Idéias não faltam, mas a próxima safra será só no próximo verão.






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