O americano William Albright, uns dos maiores arqueólogos bíblicos de todos os tempos, costumava dizer: "A arqueologia não pode, e não pretende, provar milagres. Nosso objetivo é, por meio de novas descobertas, reconstruir a realidade histórica de tempos remotos." A idéia se aplica perfeitamente à história de Moisés, o personagem mais notável e enigmático do Antigo Testamento. A epopéia que, segundo as Escrituras, o líder dos hebreus comandou para tirar seu povo do cativeiro egípcio e levá-lo à terra prometida inclui passagens fenomenais, como a travessia do Mar Vermelho, as dez pragas que assolaram o Egito e as tábuas da lei, com os dez mandamentos, que Moisés recebeu das mãos do próprio Criador. Como disse Albright, os milagres jamais serão provados – aceitá-los ou contestá-los será sempre uma questão de fé. Mas as controvérsias não são poucas. Até hoje, não se sabe ao certo se o Êxodo teria acontecido por volta de 1250 a.C. ou 200 anos mais tarde. Também não há nada que comprove se o Monte Sinai, no Egito, teria sido o local onde Moisés teria recebido as Tábuas da lei. Mas achados arqueológicos lançam um foco de luz sobre a vida desse obscuro personagem.
Narrada no livro de Êxodo, a história mostra os hebreus escravizados no Egito e sua peregrinação para Canaã. Os críticos da Bíblia dizem não haver nenhum vestígio do cativeiro egípcio. Não é verdade. Uma ilustração gravada nas rochas de uma caverna no sul do Egito, por volta de 1450 a.C., mostra soldados de pele escura supervisionando o trabalho de homens de pele mais clara, vestidos de tangas de linho. A obra foi feita por ordem de um vizir – espécie de ministro – do faraó Thutmoses, que, acreditam alguns estudiosos, teria sido o soberano do Egito à época de Moisés. "É evidente a relação que a figura faz dos egípcios, de pele mais escura, com os hebreus, mais claros", observa Oséias Moura, doutor em Antigo Testamento pela PUC do Rio de janeiro.
Outra descoberta que remete ao suposto cativeiro egípcio é o túmulo de Amose, comandante do exército de faraó. Nas paredes da tumba, numa vila nos arredores de luxor, os arqueólogos encontraram inscrições que falam da família e das conquistas do general egípcio. Depois de relatar suas vitórias sobre exércitos inimigos, Amose inseriu uma lista de alguns dos seus escravos. A maior parte deles tinha nomes tipicamente hebreus, como Mara, Miriam e Putiel.
Até algumas das pragas que Deus teria derramado sobre o Egito, para forçar faraó a libertar os hebreus, já foram trazidas à luz pela arqueologia. O papiro de Ipuwer, sacerdote egípcio, é um registro pessoal de suas preces ao deus Hórus. No texto escrito em demótico – o egípcio cursivo – e datado de cerca 1350 a.C., Ipuwer reclama: "O rio transformou-se em sangue, nossos animais estão morrendo. As plantações não produzem. A escuridão cobriu a terra." Essas pragas são umas das dez que, segundo o livro do Êxodo, Deus lançou sobre o Egito. O achado mudou o posicionamento de muitos estudiosos que se referiam às pragas como pura ficção. "Eles passaram a acreditar que as pragas fizeram parte de uma grande catástrofe ambiental, que teria devastado a região do Rio Nilo naquela época", diz Rodrigo Silva.
Deixando o campo minado dos milagres, um achado especial marcou a história da arqueologia bíblica e pode até posicionar Moisés e Êxodo na linha do tempo. Em 1896, nas proximidades de Tebas, no Egito, foi encontrada a Estela (uma placa de pedra) do faraó Merneptah, datada ano 1220 a.C. A peça traz uma lista das vitórias de Merneptah sobre povos inimigos. Israel é um desses povos. É a mais antiga referência não-bíblica a Israel já encontrada. Entre outras citações, o texto diz: "A Líbia está devastada, Israel está aniquilado e suas sementes não mais germinarão." Os sinais utilizados na inscrição sugerem Israel como pessoa ou povo, e não como lugar, como defendem alguns estudiosos.
(Revista Terra, maio de 2003, ano 12, n° 133)
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