Em 1953 a Paramount sabia que tinha sob contrato um ator que viria se transformar em um dos maiores astros de Hollywood. Seu nome era Charlton Heston, que, como nenhum outro, estava fadado a interpretar grandes vultos da História Universal. Antes dos 30 anos Heston já fora Marco Antônio no filme amador “Julius Caesar” e a figura do presidente Andrew Jackson em “O Destino me Persegue”, contracenando com Susan Hayward. E nesse início de carreira em Hollywood, o futuro Moises, Ben-Hur, El Cid, Cardeal Richelieu, Henrique VIII, João Batista, Michelangelo e outros personagens históricos, vestiu um buckskin, aquela vestimenta feita com pele de gamo, para ser William Frederick Cody, o Buffalo Bill. Sem as longas madeixas, sem o bigode e cavanhaque com que dezenas e dezenas de vezes esse lendário personagem apareceu em filmes, Charlton Heston foi escolha mais que apropriada para dar a Buffalo Bill a característica ‘bigger than life’, ou seja, aquele herói impossível de ser abatido, alguém maior que a própria vida. Se o próprio Buffalo Bill se incumbiu de ser mais lendário que real, a Paramount não tencionou produzir um semidocumentário historicamente acurado e sim mais um western na linha do mais puro entretenimento.
O invencível Buffalo Bill - “As Aventuras de Buffalo Bill” (Pony Express), com roteiro de Charles Marquis Warren baseado num daqueles livrinhos (pulp) com histórias de faroeste, de autoria de Frank Gruber, é um faroeste recheado de inverdades históricas, contando que em 1860 havia um movimento na Califórnia visando separar o Estado da União. A criação de um correio a cavalo impediria essa secessão uma vez que, em poucos dias, documentos e informações chegariam da Califórnia a locais distantes como Saint Joseph, no Missouri, até então acessíveis somente através das companhias que operavam as diligências. Uma delas era a Overland Stage Line, de propriedade de um certo Pemberton (Stuart Randall) que, em conluio com os irmãos Hastings - Evelyn (Rhonda Fleming) e Rance (Michael Moore) - buscavam boicotar a criação do Pony Express, o correio a cavalo, isto além de os três defenderem o separatismo. No entanto o trio não contava com o aparecimento de William F. Cody (Charlton Heston), o Buffalo Bill, e menos ainda que a bela Evelyn Hastings se apaixonasse por Cody. A elegante e encantadora Evelyn consegue fazer com que Cody se interesse por ela deixando de lado sua namorada Denny Russell (Jan Sterling), filha do empreendedor que criaria a Pony Express. Pemberton é aliado de Joe Cooper (Henry Brandon), comerciante que fornece armas aos índios comandados por Yellow Hand (Pat Hogan). Além dos inimigos da criação do Pony Express, também Yellow Hand e seus bravos atacam Bill Cody que a todos enfrenta com a ajuda de seu amigo Wild Bill Hickok (Forrest Tucker) e também da valente Denny Russell. Evelyn Hastings se volta contra o irmão e contra Pemberton e passa para o lado de Buffalo Bill que, após aniquilar o grupo contrário e vencer Yellow Hand em luta pessoal, dá a partida à primeira missão do Pony Express.
Rhonda Fleming e Jan Sterling disputando o Buffalo Bill Charlton Heston; Rhonda e Jan no banho |
Buffalo Bill disputado pelas mulheres - A primeira parte de “As Aventuras de Buffalo Bill” é bastante divertida e repleta de frases irônicas e debochadas, como quando o cocheiro da diligência dúvida que o novo passageiro seja de fato Buffalo Bill e diz a ele: “Se você é Buffalo Bill, então eu sou Wild Bill Hickok”, tendo como resposta de Bill: “Não, você não é tão feio”. Pouco depois, ao chegar em Sacramento, Evelyn e Denny se conhecem e iniciam uma enciumada luta pois ambas são atraídas por Buffalo Bill, até que Evelyn descobre que Denny não é casada com Bill e também não será páreo para ela na conquista do homem do buckskin. Sem demora vem a sequência em que Wild Bill Hickok e Buffalo Bill se ‘cumprimentam’ da maneira mais insólita já vista em um faroeste, um esvaziando seus duplos Colts Peacemakers em direção ao outro, após o que Evelyn que a tudo assistia de uma janela diz que naquele reencontro “um aperto de mão seria muito mais natural”. Enquanto o espectador torce pela masculinizada Denny na disputa por Bill Cody, Evelyn, por amor, se afasta dos homens maus e leva vantagem na disputa. E nem poderia ser diferente já que Evelyn é refinada e linda, enquanto Denny está mais para uma original Calamity Jane, não a irresistível Doris Day de “Ardida como Pimenta”. Uma pena que em 1953 a censura não permitia mostrar mais da anatomia feminina porque, numa criativa sequência, as moças tomam banho em banheiras separadas mostrando quase nada. Enquanto isso os dois amigos fazem planos para o futuro correio a cavalo tomando alguns tragos para clarear a imaginação. Nem Charlton Heston e nem Forrest Tucker possuíam dotes de comediantes mas se esforçam para dar ao filme o tom ‘tongue-in-cheek’ (irônico) bem humorado que o roteiro pretendia.
Charlton Heston em luta contra Pat Hogan (Yellow Hand) |
Marketing indígena - O chefe índio Yellow Hand sabe o poder que uma boa jogada, como vencer Buffalo Bill em luta mano-a-mano, lhe traria. Atualmente os ‘marqueteiros’ se encarregam desse trabalho imaginado por Yellow Hand que nada tem contra Bill Cody, mas que resultará em repeito jamais alcançado entre os índios e mesmo entre os cara-pálidas. Porém numa luta que poderia ser muito mais renhida e emocionante, Yellow Hand é vencido e, sem a ameça dos nativos, os adversários do Pony Express se tornam mais fáceis de serem vencidos, até porque Henry Brandon (Joe Cooper), o mais ameaçador dos homens maus do filme morre muito antes do confronto decisivo. O ‘momento documentário’ de “As Aventuras de Buffalo Bill” é o trajeto inicial do correio a cavalo com a troca constante de montarias nos postos do Pony Express que culmina com a chegada, 20 minutos antes do prazo de dez dias se encerrar, de Buffalo Bill. Ele adentra Sacramento a galope para alegria da população local e para sua tristeza vê sua querida amiga Denny, na tentativa de avisar o amado prestes a ser alvejado, ser vítima de uma bala disparada por Pemberton. Quanto ao marketing, ninguém no Velho Oeste soube usá-lo como Bill Cody e como este faroeste não prima pelos fatos autênticos, não foi com Yellow Hand que o herói das planícies e caçador de búfalos teve a primeira lição.
Acima Charlton Heston e Jan Sterling; abaixo Heston e Forrest Tucker |
Jan Sterling, a moça apaixonada - Charlton Heston nem precisa atuar para impor sua figura impressionante na tela e também não tem oportunidade de mostrar que sabia sim atuar, isto porque para muitos críticos ‘Chuck’ era mais persona que ator. Forrest Tucker não tem muito o que fazer, a não ser sacar seus Colts Peacemakers com cabos virados para a frente (Colt Peacemaker em 1860?). E no duelo feminino Rhonda Fleming ganha na beleza e perde na interpretação para a sempre excelente Jan Sterling, num raro papel engraçado e que ela demostra que gostou de fazer depois de tantas interpretações dramáticas. A menosprezada Jan foi marcante no cinema desde sua interpretação como a esposa volúvel de “A Montanha dos Sete Abutres” (1950) até a sofrida passageira de “O Incidente” (1967). Outro personagem histórico que surge neste western é Jim Bridger, famoso montanhês e batedor do Exército, sendo nome de um Forte (Fort Bridger) no Wyoming. Neste faroeste o veterano Porter Hall interpreta Jim Bridges, amigo de Bill Cody e de Wild Bill Hickok. A curiosidade é que Porter Hall, que viria a falecer logo após as filmagens de “As Aventuras de Buffalo Bill”, interpretou Jack McCall em “Jornadas Heróicas (The Plainsman), 1936, sendo que Jack McCall foi o homem que, de verdade, matou Wild Bill Hickok. Evidentemente este faroeste dirigido por Jerry Hopper não lembra que o Pony Express durou menos de dois anos, ficando obsoleto com a chegada do telégrafo. Em sua longa carreira Charlton Heston estrelaria muitos westerns e se “As Aventuras de Buffalo Bill” não está entre os melhores, é boa diversão desde que não seja levado muito a sério.
Charlton Heston com Jan Sterling |