terça-feira, 19 de abril de 2016

Uma esquina de bar – Uma alcateia de lobos

Quem vos fala é um homem.

Bebo cada gole maquinalmente. Meu corpo é frio, rígido, sem expressão. Bebo cada gole pausadamente, os movimentos são precisos, lentos, pesados.
Esqueci de mencionar que faço isso sentada no meio fio de uma esquina. Esquina essa que de um lado possui um bar e de outro também. Os bares são tão lotados que os clientes ocupam toda a rua, no fim, é como se tudo fosse um único estabelecimento.
Esqueci também de mencionar, que estou sentada no meio fio e de pernas bem abertas. Que não uso calcinha e que os pelos de minha vagina estão tão grandes como se eu nunca tivesse me depilado na vida.
Continuo sentada ali, tomando minha cerveja e observando tudo em volta. Me chama atenção os rostos das pessoas. É nítido que estão me observando, é nítido que estão observando entre minhas pernas. A expressão de alguns homens é curiosa. Sou considerada por eles “uma gostosa”. Quando têm uma imagem geral de mim logo se excitam, ainda mais quando notam que estou de pernas abertas. Mas quando dão de cara com minha vagina e a enorme quantidade de pelos que ela tem, as reações são adversas. Uns esbugalham os olhos e cochicham comentários nos ouvidos dos outros. Outros se excitam, fazem um biquinho puxando saliva pra dentro, estão vendo a coisa mais gostosa do mundo, ao mesmo tempo põem a mão em seus paus, segurando eles, como se não fizessem isso, seus pintos pulariam da calça e correriam em minha direção. Alguns dão risadas escandalosas, fazem chacota dos meus pelos. Outros evitam olhar, na verdade acabam olhando rapidamente, de canto de olho, levados pela curiosidade, mas como se aquilo fosse proibido.
É nítido o incomodo, o rebuliço geral. Logo os comentários entre todos, homens e mulheres clientes do bar, é que alguma coisa precisa ser feita em relação a mim. Procuram entre si alguém que me conheça e que possa “dar um toque” para que feche as pernas e o episódio seja encerrado.  
A primeira pessoa que veio, foi uma conhecida da época de faculdade. Nunca fomos amigas, mas sempre mantínhamos um diálogo cordial.
- Oi Mari, tudo joia? – disse ela.
- Sim – respondi.
- Então, você não deve ter percebido, mas as pessoas tão vendo que você tá sem calcinha. Vim aqui só te dar um toque pra você fechar mais as pernas.
- Percebi sim, e to com as pernas abertas porque quero. Não sei se você reparou, mas desde que cheguei aqui, notei que nessa esquina, a todo momento homens assediam mulheres, querendo forçar sexo com elas. Talvez ninguém tenha mesmo reparado nisso, penso que é necessário “dar um toque” neles também.
Quando era criança minha vó um dia disse, que iria ensinar a me portar como uma mulher. Isso significava seguir todo um protocolo de submissão e mutilação do meu próprio corpo. Aquelas lições vindas de minha vó sempre me deixaram realmente confusa, afinal diversas vezes eu assistia ela chorando num canto da casa, logo após ter sido espancada por meu avô na minha frente. Não compreendia por que deveria preparar toda minha vida em pró de alguém que no fim me faria chorar solitária.
E minhas pernas continuavam bem abertas com minha vagina peluda exposta.
A segunda pessoa que veio foi outra mulher. Dessa vez uma desconhecida e que estava furiosa.
- O minha filha é o seguinte. Ninguém aqui é obrigado a ficar olhando pra sua periquita cabeluda não.
- Então quer dizer que o problema são meus pelos? Sugiro que todos arranquem seus olhos. Se disserem que os olhos lhe são essenciais para o corpo, digo o mesmo sobre meus pelos e não serei eu a primeira a arrancar alguma coisa aqui.
- Ah entendi, você é dessas feministas que acha que pode fazer o que quer e acha bonito fazer esse tipo de coisa.
Quando era adolescente, estava em casa cuidando de minha sobrinha recém nascida, na casa só havia eu e ela. De repente meu cunhado chegou e notando que para além da nenê só havia eu e ele, começou a insinuar-se para mim querendo que transasse com ele. Fui desconversando e tentando me afastar enquanto ele me perseguia. Acabei ficando encurralada em um cômodo, ele já estava com o pau para fora e dizendo que se eu não desse para ele, contaria para meu pai que me vira na rua com um namoradinho. Provavelmente meu pai me surraria ao descobrir que estava namorando escondido. Continuei negando transar com ele e através de muito esforço escapei por pouco de um estupro. Quando denunciei o caso para toda família, ao invés de ser acolhida, os comentários que recebi, das minhas próprias tias, foram questionamentos sobre a roupa que estava usando, que uma menina do meu tamanho, que vivia provocando um homem como ele, sabia no que aquilo ia dar.
E minhas pernas continuavam bem abertas com minha vagina peluda exposta.
A terceira pessoa que veio, foi um homem extremamente bêbado.
- Como é que é? Você tá procurando alguém pra te comer, é isso? Se quiser oh, eu resolvo seu problema agora – fazia isso segurando o pinto duro dentro da calça e balançando pra mim.
- Não, não quero ninguém pra me comer, muito menos o senhor, que é óbvio que nunca soube dar prazer pra alguém. Além do mais não preciso de nenhum homem para me satisfazer sexualmente. Conheço muito bem o meu corpo e sei como proporcionar prazer a ele.
- Olha aí gente, além de puta é sapata também!
Na faculdade namorava um rapaz que se dizia de esquerda e libertário. Várias vezes fui estuprada por ele. Afinal fui ensinada pela minha vó a nunca negar sexo ao meu macho. Todas as vezes que ele queria sexo e eu não queria, ele insistia, ia empurrando seu pau pra dentro de mim, até o ponto que eu infelizmente cedia. Pensava na época que aquilo era só mais uma transa onde eu não me satisfazia, afinal, ser satisfeita sexualmente, era uma experiência que ainda não conhecia. Sem contar as inúmeras vezes em que me manipulou para que conseguisse amigas minhas para transar com nós dois, dizendo que aquilo era “amor livre”. Ao mesmo tempo, todas as vezes que me aproximava de outros rapazes, era acusada de estar desrespeitando o nosso relacionamento e a ele.
E minhas pernas continuavam bem abertas com minha vagina peluda exposta.
O quarto que veio, foi o dono de um dos bares.
- Escuta aqui, eu não quero saber dessa pouca vergonha no meu estabelecimento não. Você pode se retirar mocinha!
- Até onde eu sei a rua é pública. E o senhor falando sobre pouca vergonha é um tanto engraçado. Quantos anúncios de mulheres que têm seus corpos mercantilizados só pra poder vender cerveja têm no seu bar? Como é que funciona? O tamanho da bunda é proporcional ao sabor da cerveja?
- Então tá bom, a hora que a polícia chegar você fala isso pra eles.
A figura do Estado. Os inúmeros policiais que riem da cara de mulheres que denunciam situações de abuso e violência, afirmando que não podem fazer nada, afinal isso é assunto doméstico. O mesmo Estado que joga ano a ano milhares de mulheres na cadeia, deixando as mesmas esquecidas, tratadas como bicho, sem o mínimo de dignidade para o corpo feminino. Estado que teve a maioria de suas leis cunhadas por mãos de homens e que também tem a maioria dos seus cargos de chefia ocupados pelos mesmos. É esse o Estado que se diz neutro e que é para todos. A minha visão se turva não sabendo enxergar a diferença entre esse Estado e um coronel patriarca.
E minhas pernas continuavam bem abertas com minha vagina peluda exposta.
Então, a polícia chegou. Todos os policiais eram homens. Sabia que não demoraria muito para que me tirassem dali. Quando os gorilas começaram a se aproximar, num espasmo meu corpo se ergueu, consequentemente minhas pernas fecharam. Houve então em toda rua uma convulsão de aplausos. Comemoravam alegremente aquele fechamento de pernas. A única reação que meu próprio corpo conseguiu esboçar foi a de selar meus olhos e correr um pesado pranto vindo deles. No mesmo instante senti que meu sexo também começou a chorar. Uma torrente de sangue escorria pelas minhas pernas, formando poças no asfalto em torno dos meus pés.
Os aplausos cessaram e foram substituídos pelos gritos de horror. Porém pude perceber que entre os gritos, algumas poucas mulheres choravam junto comigo. Em número menor ainda, alguns homens finalmente se calaram. Senti então as pesadas mãos dos policiais me puxarem e no mesmo instante desmaiei.

Quem vos fala é um homem.


Que o horror seja gerado não pelas pernas que se abrem. Mas pelo conteúdo das bocas que gritam denunciando toda forma de abuso!




Para minha irmã

Uberlândia, 13 de fevereiro de 2016.

Irmã, por onde andas? Sinto tanta falta de ti. Que vontade imensa de num único abraço trocarmos o todo necessário. Esse mundinho nosso anda tão tenso, de pernas pro ar. É como se a lama que varreu de morte o nosso rio, estivesse se espalhando entre nós.
Tenho medo de dizer isso pessoalmente e ferir teu espírito. Construístes teu santuário? Tenho certeza que sim e que gerastes belos frutos. Que bonita tua relação com a cria. Descobres no seu filho a ti mesma e ao próprio germe do mundo.
Dessa vez irmã, sigo sereno. Não te procuro, como tantas vezes fiz, para deitar  pranto em teu ombro. Em tantos ciclos de desespero, aprendi a meditar. Só me é ainda muito difícil achar o equilíbrio. Encontrastes o teu? A firmeza material e da palavra política aliada a eterna paciência e ao respeito fraterno?

Hoje irmã, sentei em roda com membros de uma tribo muita antiga. Não entedia o porque, mas ficamos por horas simplesmente calados. Todos usavam mascaras e eu fitava cada uma delas. Aterrorizado, em certo momento descobri que se tratava do nosso próprio povo.
Calmamente um a um retirou sua máscara e em mil anos contaram-me a história de suas vidas. Quanto tempo passei ali, calado, ouvindo aqueles relatos. Tenho certeza que você gostaria de estar lá. Hoje percebi algo que tu já compreendes. A história que contam por aí não é a história de nosso povo. Mas do que isso, o que aconteceria se todos nós soubéssemos a nossa verdadeira história? Um gigantesco urro irmã, um gigantesco urro.


Lembra daquela vez em que dançávamos em roda?

do seu maluquinho de sempre,

Te amo!

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Velha Canção

Lembro do meu pai, sentado no sofá de nossa casa, cabeça escorada em uma das mãos e os ralos cabelos brancos ali presentes. Escuta a canção que toco com os olhos fechados, os meus, cheios d’agua cintilam com o peso de minha mão. Toco um folk americano vindo do lobo que pulsa no peito. A ele isso não remete a águias e coiotes e ao ensolarado deserto da Califórnia. A ele isso remete a infância, dos tempos da roça, do fim de tarde laranja que ele assistia escorado no peito de meu avô.
Quando termino ele pergunta de quem é, digo que aprendi com um índio, pois dizer de mim é menosprezar a grandeza daquele momento. Foi a última vez que toquei algo para meu pai, foi a última vez que dedilhei algo para mim. Foi a última vez que beijei a testa oleosa de minha mãe e que abracei com amor gritante meu irmão.
Compus aquela canção na espelunca do meu quarto, justamente pensando que se meu pai a escutasse, acharia bom. E quando terminei de tocar, senti o peso da vida sobre a alma e aquela despedida era tão difícil que de modo algum eu queria aceitar.
No dia seguinte, estava preso, muitos de meus amigos mortos e eu sabia que seus pais não ouviram canções, não escutaram poesias, nem choros, nem mesmo um soco da euforia da cachaça, muitos deles perderam seus frutos sem uma ópera final. Os tempos eram outros, um escritor militante como eu, que sonhava em ser escritor, mas que era militante, caiu fácil nas mãos dos bandidos, não era ninguém, não tinha ninguém e suas páginas desconhecidas. Somente o teatro da política em que ele pisou.
Primeiro me bateram, bateram muito, o som dos ossos rachando era abafado pelos das bordoadas e principalmente pelos gritos. A dor posterior era tão enlouquecedora que te levava a pensar na menina que te deixou a três anos atrás, depois no que devia ter feito, nas possibilidades, preparações físicas mentais, nas instruções, no caminho que não tomou e onde estava. Estava na merda. O pensamento ruía, a imponente geleira se dissolve na água.
Recuperar a consciência era bárbaro. Olhar para aqueles rostos, grandes caveiras vestidas com bonés militares, não era fácil. Queriam a informação que já sabiam, precisavam apenas de um pretexto para te matar. E como corria as coisas lá fora? Já havia tudo ruído ou era só um começo? Não sei, nunca soube e nunca saberei.
Molhado de suor pelos meus medrosos pensamentos eu cogitava. A presença de meus companheiros só se manifestava por gritos, os gritos eram meus companheiros. Começava a me apegar ao timbre de cada berro. Quando sessavam me sentia solitário. E eles passavam, olhavam e uma hora iriam te selecionar: bem amada pátria doida.
E foi assim durante três meses. Saí de lá só por que era um pedaço de merda na pata de uma mosca. Saí de lá como um boneco da Disney que acaba de ser espetado por um alfinete e perde todo o ar dentro de si. Saí de lá pensando em meu pai e naquela canção que cantei. Meu pai estava morto. Não por eles, mas porque já não conseguia lembrar mais das tardes laranjadas, deitado no peito de meu avô.
Quando me informei sobre tudo, percebi que as coisas andavam a meio curso, tinham deposto a presidente com o vice assumindo ao lado dos golpistas. O ataque dos abutres não era aberto, comiam os rins na escuridão dos dias. Me enrabaram como enrabaram muitos, país a fora, mas era como se debaixo da manhã cinza as pessoas caminhassem calmamente lendo o jornal.
Eu já não estava mais ali, havia sido excluído da sociedade. Deletaram minha sombra, consequentemente meu rg, o amor que as pessoas poderiam ter por mim.

Lá fora, sapos chovem em forma de gotas e eu escrevo pesando no futuro. Escrevo imaginando, assim como imaginei a canção dita a meu pai, somente os acordes foram de verdade. Enquanto escrevo meus amigos bebem e transam a bancarrota, meus colegas deliram em sua arte fechada, as pessoas discutem quem está certo.
Há três dias não vejo o sol, há semanas não sinto o amor, vago entre o teatro do poder e o desejo frustrado. Me embriagado e rezo para o sono nunca terminar. Minha voz reflete tudo isso e ninguém percebe. Se cada parágrafo tivesse três frases, quantas folhas eu escreveria?

Procuro os velhos companheiros e acho dois deles. Estão acuados como gatinhos pequenos, me dizem que eu devia ter sido mais direto, mais duro e não enrolar tanto. Argumento que sempre agi de acordo com aquilo que acreditava e não faria diferente e que naquele tabuleiro de xadrez não éramos nada. Mesmo assim, olham pra mim implorando que eu lhes diga o que fazer. Eu tinha a resposta ao mesmo tempo que não tinha, sempre importou ter certeza das coisas. Era necessário organizar quem sobrou, alguns optariam pela luta armada, devíamos saber lidar com esses, talvez nós mesmos pegaríamos em armas, teriam que saber lidar com nós. Enfim o sol só apareceria quando o sangue evaporasse.
Parece que em meio a uma ditadura as coisas são nítidas ao mesmo tempo que secretas. Sabíamos que eram os excluídos mesmo que eles disfarçassem, o medo tinha cheiro assim como o ódio dos tiranos. Isso valia para os locais, os esconderijos cheiravam e cheiravam forte, se os milicos tivessem um bom olfato nem precisariam torturar. Aliás, torturavam pra gozar, somente isso. Enfim, com um bom nariz, achariam tudo. Para nossa sorte, é que pensavam com a pica.
A história nos ensinava que a primeira bala disparada refletiria vinte outras balas contra nós. Mesmo assim era necessário atirar. O verbo foi também uma boa AK 47. Não tinha jeito de qualquer maneira morreríamos aos montes e 50 anos depois avaliar quem estava certo ou errado é de vomitar os bagos.
Na medida que dava a gente ia fazendo. Os nossos corpos surrados, a nossa mira não era boa, as pernas fracas e mesmo assim fazíamos o que dava. Nesses tempos você descobre que a cidade tem tantos buracos como um queijo suíço e você é o verme. Não há comunicação e você desconfia de todos, se entende uma frase errada enfia uma faca na nuca do camarada.

Pareço um covarde escrevendo esse texto, diante dessa chuva e diante do dia de amanhã.
Não importa, sempre penso na ideia de que tudo se resume ao velho caos da natureza, a violenta e esmagadora luta pela sobrevivência que transformamos num grande teatro que se diz racional. Bobagem, queremos sobreviver, queremos comer nossa preza, transar e gozar, e os grandes modos produtivos do mundo humano, nada mais são do que atos desse grande teatro. Muitas peças são encenadas ao mesmo tempo e nos achamos importantes sendo que somos apenas a porra de um espermatozoide na história de tudo e nos achamos importantes. A única que realmente nos conferiu alguma importância foi a nossa mãe, mesmo a prostituta que teve que abortar o filho.
Quantas vezes em meio aos dias de ações clandestinas, não pensei em somente ter uma noite de prazer e conforto, uma transa gostosa e cobertas quentes, e por isso sou pior do que os outros? Mas no dia seguinte levantava cedo, na verdade o sono era escasso, e fazia o que tinha que ser feito, tentava melhorar as coisas. Nós somos os nossos desejos ou aquilo que fazemos?


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Rubra Flor

A espessura das palavras é algo extremamente importante. Tento construí-las como algo denso, quase impenetrável, que por si só terá a firmeza que necessita para se sustentar solitário. Retratar a beleza talvez seja o mais difícil. Não que se queira ignorar o fator de toda miséria material, porém é necessário transformar.
Todos carregam em si um tenebroso passado, uma quantidade imensa de chagas, que qualquer bofetão, pode afastar ao invés de acordar. Quando estava com Julia e sentia a respiração frágil dela, minha mão hesitava em tocar aquele corpo, só conseguia pensar em proteção.
Quando os olhos abriram, pude notar um grande conforto. Ela estava na nuvem do mais velho ancião. Qualquer sopro poderia ser trágico. Deitei a mão levemente em suas curvas e os olhos respondiam trocando pequenos afagos com os meus. Faz dois anos que isso aconteceu. Agora ela está ali, deitada, há uns dez metros de distância, no campo amarelo dourado pelo sol, cujas plantas eu não sei o nome.
Queria correr em sua direção, mas a fadiga é minha âncora e logo teremos que voltar aos fatos cotidianos. Sempre acreditei na força da transformação, porém em certos momentos comecei a duvidar dos métodos. Somos todos irmãos. Aprendi com ela a tomar cuidado com as palavras e hoje sei que um abraço amoroso é mais certeiro que meus livros vermelhos. Espero que não haja qualquer interpretação rancorosa em tudo isso.
Eis a poética da coisa. Caminhávamos eu e ela, lado a lado na grande marcha. Aqui, um momento de pulsão em minha vida. Creio que não era diferente com Julia. Num instante passou o braço em minha cintura e sentimos na pele o entendimento da palavra companheirismo. Marchávamos em pró do acesso a metrópole. Queríamos realmente ter acesso a aquilo? Almejamos o acesso ao sonho.
Depois no boteco, os companheiros bradavam os seus feitos. Eram engraçados aqueles momentos. Na base da cachaça, todos eram pra mim gigantescos heróis. Eu e Julia fazíamos parte daquele panteão. No auge das horas, os assuntos eram inacabados, não concluíamos nada, mas sabíamos que naquela unidade, tínhamos certeza de tudo.
Depois bamboleamos os dois de volta pra casa em cima de nossas magras pernas. No caminho, um gatinho de pelo preto e branco apareceu, era o nosso novo companheiro. Com ele atravessamos a cidade e quando passava sua língua lixa em nossos braços, tremíamos em risos ofegantes.
Julia é pra mim a flor vermelha da militância poética. Em seu centro se esconde um dourado vibrante, que se expande quando enche os olhos d’agua. Deitar ao seu lado era magnifico, porém quando caminhávamos juntos, eram esses os momentos que me constituíam força e vigor.
Certa manhã, deitados na cama, ela acordou dando risadas escandalosas.
- Que foi? – perguntei.
- Sonhei que grandes tomates usavam coroas.
- Nossa!
- Você acha estranho?
- Algo difícil né.
- Por quê?
- Não sei, nunca vi algo do tipo.
- Só acredita no que vê?
Ela estava nua e o seu corpo vermelho devido as risadas. De repente taquei-lhe um beijo e acreditei que aqueles tomates eram sujeitos bacanas. Gostávamos de tomar café da manhã ainda molhados pela água do banho. Toalhas soavam um tanto chatas e secar no decorrer do dia parecia mais divertido.
Um tanto absurdo. As reuniões coletivas eram marcadas por longos discursos e nem todos germinavam seus frutos. Era nos bastidores onde tudo se ajeitava. Tenho saudade deles. Sei que cada um tem seu tempo e com alguns, eu e Julia, deitávamos, brincávamos e amávamos. Sei que cada um tem seu tempo e espero também que compreendam meus erros e lembrem dos largos sorrisos que abríamos uns aos outros.
Hoje, separados nas trincheiras, sigo com meus escritos. Às vezes, penso que estou perdendo as forças, mas uma breve respiração me faz olhar para as pétalas que voam e reencontro meu caminho.
O mais compreensível e sagaz de todos, tinha uma barba muito cerrada e uma voz doce. Foi ele que me apresentou Julia. Ela usava um vestido branco que no centro possuía um grande girassol. Ele uma bata multicolorida e uma bermudinha de jogador de bola.
- Essa é a Julia.
Quando fui cumprimenta-la, me olhou de um jeito tão vivo penetrando facilmente na minha alma e de cara descobriu meia dúzia de defeitos que eu tinha. Ali me entreguei, a todo universo dela, de partidos, de eloquentes discursos, e de decepções intermitentes, que no fim, nunca superavam o carinho da camaradagem.
Um dia, tive o seguinte sonho:
Caminhava na rua sozinho, tudo em volta era cinza, somente meu corpo cintilava um branco estranho. Quando cruzei a primeira esquina, dei de cara com uma grande passeata de corpos cinzas mecânicos. Magneticamente meu corpo fora atraído por aquele fluxo. Todos olhavam para mim devido a cor que possuía, mas seguiam seu caminho, eu seguia com eles.
O destino final era uma enorme praça. Era perceptível que no centro da praça alguma coisa acontecia. Corri para ver o que era. Tudo ali possuía muitas cores. Todos os meus companheiros ali estavam. No centro estava Julia. Eles pareciam delicadas abelhas a procura de mel e se acariciavam. Julia era a grande flor. Eles explodiam em cor. Não era a cor original de seus corpos, vagueavam por infinitas aquarelas. Todos me olhavam convidativos.
- Você não vem? – perguntou Julia.
Percebi que estava descalço e comecei a caminhar em sua direção. Meus pés entraram numa morna lagoa. Rapidamente a agua já batia em meu pescoço. Senti o gosto das cores. Eu era um deles.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Pequeno Assovio

Me sinto pequeno, diante de cada harmonia que a princípio soa simples, mas a cima de tudo soa sincera. É como se todas as minhas tentativas fossem meros falsetes, com extremo esforço posso atingir um purismo técnico, porém vazio de criatividade. No momento em que penso isso, caminho sobre a praia. Minhas calças jeans e minha camisa vermelho sangue chama atenção no meio de tantos corpos seminus.
Paro. Olho para o mar e vejo as linhas poéticas que surgem de cada onda. Ele zomba de mim. O mar zomba de mim. Brincalhão como é, não poderia fazer algo diferente naquele momento.
- Oi.
Olho pro lado e lá está ela. Pequena menina branquinha, singular em cada gesto, mulher atraente aos olhos comuns, muito atraente.
- Nunca pensei que fosse te ver aqui.
- Nem eu.
- Como assim?
- Só quero dizer, que nunca me imagino caminhando na praia. Sei lá, é estranho pra mim. Mas tudo ultimamente anda tão estranho, que agora já não faz diferença.
Ela sorri. Ri. Sua risada é um pouco mais disfarçada do que a do mar. Mas aquilo me soa como um sorriso. Vejo os dentes e a boca, tudo fica em silencio naquele momento. Quantas vezes eu beijei aquela boca? Era salgada como o mar? Talvez só no final. Ela me pergunta:
- Mas afinal quais são suas crises atuais?
- Inutilidade poética em pleno auge criativo.
Belos sons de gargalhada. Maravilhosos sons de gargalhada.
- Como assim? O que isso quer dizer?
- Não sei, é essa a questão. Não quer dizer que eu não tenha feito nada, mas tudo soa como inútil. Para poesia, pro nosso mundo até que tem algum valor.
- Você sabe que não vejo sentido nenhum nessa conversa.
- Sério? Pensava que não. Qual foi a última vez que a gente se viu?
- Sei lá, faz muito tempo. Você tá mais maluco do que antes, acho que foi por isso que a gente não deu certo.
- A gente não deu certo pela utilidade que eu almejava naquela época. E agora que tudo finalmente se torna inútil, eu não vejo sentido.
- Meu Deus, as vezes isso cansa sabia? Você nunca pensou em relaxar, em ser normal?
- Normal? Corta essa vai. Você sabe o tanto que isso é furado.
- Sei, mas quem sabe dizer essas coisas não te ajuda a voltar pro eixo.
- Eixo, eixo, eixo, eixo, exu, exu.
- Acho que já vou indo.
- Não espera, senta aqui do meu lado.
Ela usava biquíni, o loiro do cabelo refletia bem o sol. A pele tinha um contraste bom com aquilo e eu despenteado como sempre sentia o suor escorrer, grudento, simplesmente grudento. Mesmo assim me atrevia a estar ali, ao seu lado, na ousadia da troca de presenças.
Sentamos. Foi bom. Realmente bom saber que existia alguém ali do meu lado, olhando o mar zombeteiro e que a chacotas do espelho já não seriam secretas. O que ela pensava, o que ela pensava dele, o que pensava de mim? O que eu penso sobre ela? Quem dera fosse a única, mas foram tantas que minha esquisitice teimou em afastar. Se afasto tanto porque será que atraio? Consiste numa teoria de polos opostos e complementares?
- Você não tá com calor com essa roupa?
- Sim.
Olho pra ela bem nos olhos. Azuis, porém bastante sérios.
- Pra você o que é conversar comigo nesse exato momento?
- Estranho, como sempre foi.
- Entendo.
- Entende nada, finge que entende.
Eis o meu primeiro sorriso do dia. Ela gosta, gostou, sei que gostou. Maria Flor é o nome dela. Nos conhecemos a dois anos atrás, o nosso relacionamento durou quatro meses e vinte e sete dias. Poderia considerar como cinco meses, mas prefiro ser exato. Na verdade o seu nome é Marcia ou Lidia, não sei, não me lembro mais. Mas esses são os nomes mais recorrentes na minha cabeça, provavelmente é algum deles.
A atração carnal era ponto forte, mas nunca se tratou disso. Ela cantava. Nem a canção materna era tão reconfortante como a voz dela. Talvez pela ausência materna considerasse isso. Postura de mãe não tinha. Era daquelas eternas crianças que aprende as brincadeiras da vida adulta e sabe levar muito bem desse jeito. Fez muito bem para mim, como todas de uma certa maneira fazem. A minha boa influência como sempre foi somente no início, depois o caos.
Gostava de acariciar os cabelos do meu peito, era fanática nisso. Eu tinha tara em seus pés. Depois que terminamos cheguei a sonhar algumas vezes, somente com eles. Desperto novamente com frases perdidas.
- Sabe o que é? Quando ti vi, pensei em passar reto. Percebi que você estava distraído e provavelmente nem ia me ver. Mas não sei, alguma coisa me atraiu pra você, magnetismo, e eu bancando de pedaço de metal. Ai que raiva de falar essas coisas.
- Relaxa.
- Enfim, já deu pra notar mais ou menos como anda sua vida, mas a minha também não tá boa.
- Eu nunca disse que minha vida estava ruim.
- Ai, viu? É por isso que eu te odeio.
- Eu sei e acho que você tem razão.
- E por isso também.
Tapei a boca dela com minha mão. Os olhos refletiam indignação, mas lá no fundo agradeciam, pois sabiam que aquela forma de comunicação a muito tempo já estava falida. Faliu para humanidade toda. O gesto de carinho nos cabelos loiros veio como sucessão, a mão ainda continuava na boca, os olhos me diziam tudo o que precisava. Pediam para não fazer aquilo, mas denunciavam a entrega. Enfim ambos cederam, ela deitou no meu colo e eu continuei com o carinho nos cabelos.
Queria perguntar para o mar agora, o que ele achava de tudo isso. Será que ainda achava engraçado. Eu ao menos, sentia que aquele gesto não fora um falsete, suspeitava que poderia haver algo de poético ali. Cabe ao julgamento de cada um, ao meu, ao seu, ao do mar e ao dela é claro.
Ficamos ali durante muito tempo, ela no meu colo e eu lhe fazendo carinho. Por aquilo eu já conseguia compreender porque sua vida estava ruim. Estava ruim, pelo mesmo motivo que a vida de todo mundo está. Pela impossibilidade de uma nova forma de comunicação que nutra corpo e mente e que seja para todos. Não havia o que fazer, a não ser dizer que continuasse tentando.
Ela sabia também que eu continuaria flutuando em minha orbita especifica, mas que aquilo ainda poderia ter uma utilidade para todos nós. Uma autentica utilidade poética.
Passado muito tempo, nos levantamos. Para não quebrar o protocolo, disse um pedido de desculpas com o olhar. Nunca terei a certeza de qual foi a resposta. Ela simplesmente se virou e foi embora, decidida sobre alguma coisa. Alguma coisa realmente importante.

Eu do meu lado, voltei a caminhar na praia e ainda continuei a me sentir pequeno. Só que as notas já estavam todas embaralhadas em minha cabeça. Arrisquei um assovio e acreditei que deu certo. Fui emendando os fraseados e não parei mais. Continuo até hoje e compartilho sempre que posso.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Queria pular da ponte

Mário caminhava sozinho pela rua, seu estômago doía e sua cabeça estava um pouco zonza. Mesmo assim continuava caminhando. Tinha acabado de sair da casa de sua amiga, dormira lá devido a toda bebedeira da noite passada e nem lembrava direito quando apagou.
É fato, que gostava de caminhar, observar a arquitetura das casas, andar pelo velho centro. E observando aquelas casas sentia uma grande tristeza ao compará-las com a ausência de arte que possuíam as construções contemporâneas. Todo aquele contraste era para Mário o paradigma do mundo contemporâneo: ausência de arte, ausência de criação.
Quando estava caminhando sobre o viaduto, parou e olhou para baixo, observando a grande avenida que se estendia ali. Era como um rio tortuoso, não pelo excesso de curvas, mas sim pelo acesso de carros e parafernália tecnológica. Teve a consciência que as pessoas na maioria dos casos estão fechadas. Seja por cabines de carros, por quatro paredes, por um capacete ou simplesmente pelas roupas que vestem.
“Mas tudo isso, não seria por uma questão de segurança?”, pensou. Suspeitava que não. Suspeitava que o enclausuramento em que todos se encontravam, era algo mais. Simples ausência do outro, na verdade, total isolamento, de si para si mesmo, bolhas de concreto que nunca iriam estourar.
Era ele um desses? O simples fato de estar na rua, dava-lhe esperanças. Onde estão os outros caminhantes? Era domingo, na hora do almoço, estavam em casa, apreciando a quente refeição, descongelamento do trabalho alheio? Não sabia, o seu estomago ruía, num grito pequeno, reclamando da noite passada e implorando pelo dia seguinte. Mas Mário sabia jejuar.
Sentiu uma pequena vontade de pular, mas se arrebentar no chão como na canção era pra ele muito clichê, o que justamente rodava na sua cabeça era essa maldita pergunta de como criar o novo, no tempo presente. Parecia que tudo estava posto a mesa, tudo absorvido, todas as cartas estavam dadas, éramos um eterno cover dos inconscientes do passado.
Eis que uma garota passou e ele perguntou:
- Moça, você sabe quantas horas falta para que algo realmente novo e autêntico aconteça?
- Quê? Você tá maluco cara?
- Quase moça. Estou a ponto de pular dessa ponte, se algo realmente novo não acontecer. Uma coisa sabe, como um arpão a perfurar o mundo, mergulhar de cabeça, um tiro na partitura, um buraco de nota em cima da harmonia da vida.
- O que você tá falando? Que monte de merda é essa? Você é muito doido mesmo. Como você chama?
- HAHAHA, eu é que sou maluco né? Você fala tudo isso sobre mim e ainda pergunta meu nome. Meu nome é Mário e o seu?
- Patrícia.
Nesse momento os dois pararam a conversa e se voltaram para observar a avenida lá em baixo e o passar dos carros. Se fotografados por trás dariam a seguinte imagem: o rapaz estava a esquerda da imagem. Os dois estavam pertos, separados por uma distancia de vinte centímetros e ele era dez centímetros mais alto do que ela. O cabelo dela estava preso, deixando cair um rabo de cavalo. No vão entre os dois, subia um enorme poste de concreto na cor cinza. O parapeito do viaduto dava na cintura dele e na barriga dela. Lá no fundo da fotografia, via-se a avenida com seus carros e em cima pegando quase todo plano de fundo, o céu de um azul bem forte e algumas nuvens desmanchadas em aquarela. Na borda da imagem, algumas grandes árvores de copa verde e arredondadas subiam e seguiam margeando a avenida.
Enfim, ela suspirou e disse:
- Como é possível, no superficial, eu olhava pra você e escutava as coisas que estava dizendo e achava tudo um grande absurdo. Mas no fundo, as palavras entravam em mim e dançavam, gritando também, despertando todos os meus sentimentos para algo que eles queriam apreciar.
- Entendo, estamos acostumados com o fluxo linear das coisas e não com algo intricado e esparso. Mas isso já foi quebrado a muito tempo atrás, mas toda essa dispersão foi engolida e deu no que deu, deu nessa avenida com suas cabines de carros a enclausurar as pessoas.
- O que você quer dizer com isso? Que todo o fluxo disperso levou a nossa ruína atual?
- Não, acho que não. Mas penso que na liberdade professada antes, faltou algo. Algo da ortodoxia, da esquerda arcaica. Peneirar a importância coletiva, descartando o sabor opressor.
- Entendo, mas como fazer esse casamento? Parece impossível.
- Pois é, por isso estou parado, por isso te parei e lhe fiz aquela pergunta. Sorte que você parou e alguma coisa aconteceu. Quer almoçar no parque?
- No parque? Então não vai ser um almoço e sim um piquenique. Afinal, no parque não tem como cozinhar.
- Não tem? E se fizéssemos uma fogueira, com qualquer recipiente poderíamos já fazer algo.
- Seríamos presos.
- Pois é, é disso que estou falando, está todo mundo fechado, preso dentro de alguma coisa, mesmo dentro de um parque.
- É, o foda é que romper com as barreiras dessa prisão tem suas consequências.
- Vamos simplesmente caminhar então, que tal? Sua barriga ainda aguenta? A minha sim, sou bom em jejuar.
- Pode ser, hoje finalmente tomei um bom café da manhã.
Começaram a caminhar e terminaram de cruzar o viaduto. Logo em seguida havia uma grande subida. Encararam ela. Não diziam nada, apenas caminhando um ao lado do outro, por alguns momentos seus braços acabavam se roçando e eles sentiam o calor da pele de ambos. Era aquilo a forma de comunicação entre eles, o toque dos braços, o som dos passos dos dois se misturando a medida que o caminho ia se desenvolvendo. A ausência de palavras dava tempo para que eles observassem em volta, toda a arquitetura, a vegetação, os animais, as raras pessoas que ali apareciam, o som que tudo isso produzia.  Nesse observar, quando decidiam olhar no lado oposto enxergavam um ao outro, trocavam olhares e continuavam caminhando, com um bem estar crescente.
Quando terminaram a subida, estavam ofegantes e suados. Ele parou de frente para ela, colocou suas mãos em seus ombros e lhe assoprou o rosto. A brisa daquele sopro dançava com os sentidos dela mais do que as palavras que ele havia proferido quando se conheceram. A resposta da moça foi um largo sorriso, absorvido fraternamente pelo olhar do rapaz.
- E agora?
- Não sei, estou cansada e agora sim com fome.
- Eu na verdade, sempre estive, mas sou bom em jejuar, mas comer agora realmente seria bom. O que comer nesses tempos atuais?
- Melhor ainda é pensar em o que digerir nesses tempos atuais.
- E também há a questão de o que daremos a luz depois. Parir, sempre me parece um processo doloroso.
- Com certeza, toda criação autentica exige dor, mas por tudo que conversamos já, tenho plena certeza que estamos sentido essa dor. A dor da individualização, da bolha, que por mais que entre em contato com outras, nunca se rompe.
- Tenho fome, dê-me de comer.
Olharam novamente uma para o outro e uniram-se num único beijo. Foi necessário morder, ter sangue e dor. A saliva e o simples contato entre as línguas era muito suave para saciar aquela fome. Sabiam que todo aquele processo não se passava somente na boca, esta era a porta de entrada para o acesso entre eles. Para a total ruptura do isolamento.
Quando terminaram, olharam para o céu, com os olhos mareados por lágrimas. Já não havia mais nuvens. Com passar do tempo, pequenos círculos começaram a aparecer na visão de ambos, algo ali se revelava.



segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Pele Branca

Preferes o mundo das artes e das mulheres
Eu, prefiro o mundo
em si
cru
O mundo da guerra
o mundo dos homens
o mundo da dor
do jogo
o submundo

É claro que todos esses
bailam com as artes e com as mulheres
Mas isso não importa
o que importa é que tua sedução é paliativa
temporal
a minha, visceral

Penso em cada detalhe
cada toque, cada gesto
Muitas vezes gosto deixar-me dominar
É por isso que falho
falho muito
Mas quando acerto
Os corpos transcendem o tempo e o espaço

já você
sussurra poesias ao pé do ouvido
atiça a pela branca
que diz NÃO
Mas você com tuas palavras poéticas
e com teu pênis ereto diz:
SIMMM SIMM SIMMM

É AI QUE VOCE SE REVELA
NU
HOMEM BRUTAL
QUE COM EXTREMA RAIVA
FAZ DA DOR DO SEXO
O TEU PRAZER
tudo isso pelo abandono paterno

Mas nada disso mais importa
Nós jogadores
perderemos

Quando eu te beijar
quando transar com você

Olharemos
um para outro
e finalmente entenderemos


Um só.